Governo argentino e Clarín discordam sobre efeitos do Dia D da Lei de Meios

Órgão regulador espera colocar concessões em excesso do grupo midiático à disposição a partir de amanhã, mas Clarín considera que artigo sobre desconcentração de mercado só entra em vigor após julgamento definitivo

Buenos Aires – O governo da Argentina e o grupo Clarín discordam sobre o alcance real do chamado 7D, um dia decisivo para a aplicação da Lei de Meios Audiovisuais sancionada em 10 de outubro de 2009 pela presidenta Cristina Fernández de Kirchner. A confirmar-se o prognóstico oficial, será a data em que o mais poderoso conglomerado midiático perderá boa parte de suas concessões de rádio e de televisão, aberta e por assinatura. 

Segundo a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), termina amanhã (7) o prazo para que as empresas que estão em desacordo com a lei apresentem um plano de adaptação. Para o Clarín, “no pasa nada” – em bom português, “não pega nada” –, porque ainda falta decisão em definitivo sobre a constitucionalidade do artigo 161 da nova legislação, o pomo da discórdia.

Se colocado em marcha o texto, o Clarín infringe todos os seis aspectos criados para evitar concentração de mercado. Em termos populacionais, pode-se chegar a um máximo de 35% dos argentinos, seja em rádio, seja em TV aberta, seja em TV a cabo (confira o quadro abaixo). Quanto às concessões em nível nacional, a megaempresa goza de 25, contra um máximo de dez permitidas. A Lei de Meios autoriza um mesmo grupo empresarial a controlar 24 licenças de TV a cabo, frente a 237 do maior grupo midiático argentino. Outra possível irregularidade diz respeito às chamadas “licenças excludentes”: um grupo que tenha um registro de sinal de TV a cabo não pode ter mais nada – só neste campo o Clarín ostenta nove registros.

Imbróglio

Basicamente, o que está em debate são leituras divergentes sobre o teor do imbróglio jurídico formado em torno da questão. Em 1º de outubro de 2009, o Clarín, acompanhado de uma série de grupos midiáticos, teve negado um pedido de liminar para suspender a tramitação do projeto que resultou na Lei de Meios. Em 26 de outubro do mesmo ano, porém, já com a legislação sancionada, o juiz Edmundo Carbone, do Juizado Civil e Comercial Federal número 1, concedeu uma liminar suspendendo os efeitos dos artigos 41 e 161 – este previa a adequação, em um ano, dos grupos que não estivessem dentro dos novos parâmetros de limite de licenças e de concentração de mercado, e o anterior, o de número 41, estabelece justamente estes parâmetros.

Em seguida, o governo de Cristina conseguiu derrubar a parte da cautelar relativa ao artigo 41, mas o restante da decisão de Carbone foi mantido. Em nova tentativa de recurso, o Executivo não teve êxito no pedido para que a Corte Suprema derrubasse a validade da medida anterior, mas os magistrados consideraram importante a fixação de uma data-limite para a validade da cautelar, de modo a não transformá-la em uma posição definitiva.

O juiz de primeira instância, porém, recusou esta recomendação. “A fixação de um prazo para a vigência da cautelar pode se converter em um bumerangue, já que se pretende prevenir por este meio uma extensão do processo por obra da demandante (o Clarín), seu estabelecimento conduz a que seja a demandada (o governo) quem dilate o trâmite para beneficiar-se com a caducidade da liminar antes da sentença definitiva”, argumentou Carbone.

A Câmara de Apelações, no entanto, determinou em 12 de maio de 2011 um prazo de 36 meses para a vigência da liminar a partir de notificação da demanda, ou seja, a partir de novembro de 2010. Isso levou a um novo recurso do governo, que em 22 de maio deste ano obteve nova decisão favorável da Suprema Corte. Os ministros indicaram que o estabelecimento de um intervalo de três anos é razoável e permite a tramitação do processo. Do contrário, seria distorcida a natureza da decisão cautelar, provisória e precária. 

“Assim, de admitir-se o critério proposto na sentença alvo de apelação, que deixa em mãos da parte beneficiada pela medida cautelar o momento em que deve começar o cômputo da razoabilidade da vigência, dar-se-ia lugar a especulações processuais que não somente resultam incompatíveis com a boa fé deve guiar às partes no processo, mas que afetam seriamente a segurança jurídica”, dizia o acórdão, que afastava ainda a argumentação do Clarín de que havia claro risco à liberdade de expressão, afirmando que o grupo de comunicação parecia mais preocupado com eventuais danos à propriedade privada: “Na causa não há mais que uma menção ao tema, já que a parte autora não aporta nenhum elemento probatório que demonstre de que modo resultaria afetada esta liberdade”.

Nos detalhes

A dúvida reside no teor da sentença. Para o Executivo, a partir do 7D o Clarín, se não apresenta um plano de adequação, encontra-se em situação irregular, e caberá à Afsca definir quantas concessões serão colocadas em licitação para que possam ser exploradas por cidadãos e outros grupos empresariais. Esta semana, o órgão regulador publicou uma resolução que delimita as regras pelas quais serão realizadas esta transferência de licenças audiovisuais, prevendo inclusive a possibilidade de mudança de propriedade de recursos físicos. 

A nova Lei de Meios divide o espectro eletromagnético, o espaço limitado pelo qual trafegam os sinais de rádio e TV, em três partes iguais: 33% para o setor privado comercial, 33% para o setor privado não comercial, o que inclui universidades, sindicatos e outras entidades da sociedade, e 33% para o setor público. “A partir deste dia (7 de dezembro), todas as pessoas e empresas titulares de licenças, sem exceção, deverão adequar-se à lei da democracia”, comunicou a Afsca, aproveitando para contrapor-se à legislação que ampara as concessões do Clarín, promulgada durante a última ditadura (1976-83).

Na última semana, a Suprema Corte emitiu uma resolução pedindo ao juiz de primeira instância que tome rapidamente sua decisão definitiva sobre o caso, que agora está nas mãos do magistrado Horácio Alfonso. Na visão do Clarín, enquanto isso não ocorra, os efeitos do artigo 161 estão suspensos. 

“Ainda que o governo tente confundir, o prazo de um ano previsto pelo artigo 161 começa a correr para o Grupo Clarín a partir do dia em que entre em vigência dito artigo. Do contrário, dar-se-ia o paradoxo de que quem não entrou em litígio, não acudiu aos tribunais e não obteve três decisões a favor em distintas instâncias, incluindo a Corte Suprema, estaria mais beneficiado do que aqueles que, sim, o fizeram”, diz comunicado emitido pelo grupo no último dia 14, que acusa ainda o governo de demonstrar que fez uma lei com “nome e sobrenome”, sob medida para afetar a força do grupo midiático.

Entre as duas partes, uma sentença. Para que se possa tirar as próprias conclusões, eis o texto da decisão da Suprema Corte em 22 de maio deste ano: “Declara-se procedente o recurso extraordinário federal e se confirma a sentença apelada, ao passo que se rejeita o pedido de suspensão da medida cautelar e se fixa o prazo de vigência em 36 meses, e se revoga o disposto quanto ao momento desde o qual dito prazo deve ser computado, eis que deve ser iniciado a partir de 7 de dezembro de 2009. Em consequência, a partir de 7 de dezembro de 2012 vence a suspensão do artigo 161 da Lei 26.522 e se aplica à autora (o Clarín)”.