Histórico

França se torna o primeiro país a incluir direito ao aborto na Constituição

“Começa a era de um mundo de esperança”, afirmou o premiê Gabriel Attal, após inclusão do direito à interrupção voluntária da gravidez na Constituição. Inclusive com voto conservador

Jeanne Menjoulet/Flickr
Jeanne Menjoulet/Flickr
Movimentos feministas se mobilizaram pela constitucionalização do direito ao aborto na França após retrocesso registrado nos EUA

São Paulo – O Parlamento da França aprovou nesta segunda-feira (4) a inclusão do direito ao aborto na Constituição. Desse modo, se tornou o primeiro país do mundo a garantir a interrupção voluntária da gravidez (IVG, sigla adotada pelos franceses) como um direito constitucional. Dos 852 deputados e senadores reunidos, 780 votaram a favor e 72, contra. As duas Casas se reuniram no Palácio de Versalhes para votar a emenda.

Em janeiro, a Assembleia Nacional (Câmara baixa) aprovou por ampla maioria a inclusão da chamada “liberdade garantida” na Carta Magna do país. Na quarta-feira da semana passada (28), foi a vez do Senado, de maioria conservadora, aprovar a emenda.

“Digo a todas as mulheres, dentro de nossas fronteiras e além, que começa a era de um mundo de esperança”, afirmou o premiê francês, Gabriel Attal, após destacar que o procedimento no mundo está “à mercê daqueles que decidem”. Aos 34 anos, ele é o mais jovem, e o primeiro abertamente homossexual, a ocupar o cargo. Ex-socialista, integra atualmente o partido Renascimento (ex-República em Marcha), o mesmo do presidente Emmanuel Macron.

Ainda antes da votação, Attal destacou que a França estava em “dívida moral” com as mulheres. “Acima de tudo, estamos enviando uma mensagem a todas as mulheres: seu corpo pertence a você.” 

Macron deve promulgar o novo texto na próxima sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher. Ele chamou a população a comparecer ao ato público, e celebrou a decisão como “um orgulho francês, mensagem universal”. Nesse sentido, afirmou que o direito ao aborto se tornará “irreversível”.

Reação aos Estados Unidos

A França legalizou o aborto em 1975, com a aprovação da lei proposta pela então ministra da Saúde Simone Veil, ícone da emancipação feminina e sobrevivente do Holocausto. Em 2022, o prazo para realização do aborto aumentou para até 14 semanas, com o procedimento financiado pelo sistema de seguridade social, sem necessidade de justificativas. Nas últimas duas décadas, o número de interrupções voluntárias se mantém em cerca de 230 mil no ano.

No entanto, a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 2022, que revogou o direito ao aborto em nível federal, fez soar o alerta entre os franceses em relação ao risco de retrocesso. Desse modo, a oposição de esquerda e os movimentos feministas franceses começaram a se mobilizaram para incluir o aborto na Constituição.

“Este direito recuou nos Estados Unidos. E então nada nos deixava pensar que a França estava isenta deste risco”, disse Laura Slimani, da Fondation des Femmes (Fundação das Mulheres). Macron, então, decidiu encampar a iniciativa, definindo-a como prioridade do seu segundo mandato.

Durante a votação da proposta, os legisladores ficaram de pé para aplaudir o legado de Simone Veil. Outros ícones da luta pelos direitos das mulheres, como a filósofa Simone de Beauvoir, autora de O Segundo Sexo, e a advogada Gisèle Halimi – que em outubro de 1972 conseguiu absolver uma jovem de 16 anos que realizou aborto após sofrer estupro – também receberam homenagens.

Além disso, a inclusão do aborto na Constituição francesa recebeu apoio entre a maioria da população. Pesquisa de novembro de 2022 realizada pelo grupo Ifop revelou que 86% dos franceses apoiavam a medida. Até mesmo Marine Le Pen, do partido Reunião Nacional (Ex-Frente Nacional, de ultradireita), votou a favor da proposta.


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