Evo Morales testa popularidade mais uma vez em eleições

Bolívia coloca em curso eleições para modelo único no mundo, que dá autonomia não apenas a estados e cidades, como no Brasil, mas a comunidades originárias

Será a primeira vez que a Bolívia terá eleições regionais em todos os níveis, escolhendo inclusive os integrantes dos legislativos locais (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

O presidente da Bolívia, Evo Morales, dá neste domingo (4) mais um passo decisivo na consolidação de seu poder. Embora não concorra a nada nas eleições regionais, Morales assumiu a frente da campanha em todo o país para atingir a ambiciosa meta de eleger todos os governadores e a maioria dos prefeitos.

Será a primeira vez que a Bolívia terá eleições regionais em todos os níveis, escolhendo inclusive os integrantes dos legislativos locais, que passarão a ter poder de elaborar leis, e não apenas de aprová-las. Além disso, o país testa o modelo – único no mundo – implementado pela nova Constituição, que prevê autonomia não apenas departamental (equivalente a estadual) e municipal, mas também dos povos autodeclarados originários, que vão escolher seus governantes.

De acordo com os últimos levantamentos, a base governista, representada pelo MAS (Movimento ao Socialismo), terá vitória em quatro dos nove departamentos: La Paz, Oruro, Potosí e Cochabamba. Outros dois, Tarija e Chuquisaca, estão com quadro indefinido, e podem ser decisivos para saber se o quadro pós-domingo será favorável ou contrário ao presidente. Os dois departamentos integram a chamada Meia Lua, região que fez mais forte oposição a Evo Morales, inclusive com caráter de preconceito étnico, e que teve setores que chegaram a pedir golpe de Estado. Agora, a oposição não deve ter dificuldade para manter o controle de Santa Cruz, epicentro das movimentações anti-Evo, e de Beni, outro departamento integrante da Meia Lua. As capitais do Oriente boliviano devem ser todas asseguradas pelos candidatos opositores.

Há indefinição em duas cidades fundamentais para o MAS.  Em El Alto, o oficialista Edgar Patana deve sair vencedor, mas longe do percentual esperado quando se toma em conta que a cidade é um reduto masista. A capital La Paz é o segundo foco de indefinição. A candidata de Morales, Elizabeth Salguero, está em uma disputa incerta com Luis Revilla, do emergente Movimento Sin Miedo. O MSM foi fundado pelo atual prefeito da cidade, Juan Del Granado, que esta semana encerrou uma aliança de quatro anos com o presidente, que não hesitou em disparar: “Algumas pessoas disseram que seriam responsáveis como este processo, mas depois de escutar algumas declarações de autoridades da Prefeitura de La Paz, cheguei a duas conclusões:  são mentirosos e maldosos”.

O fato é que o MSM tem conquistado setores urbanos de esquerda. Considera-se que o partido de Del Granado tem um discurso moderado, voltado às classes médias das cidades que se desapontaram com o MAS, mas não cogitam votar na direita. O atual prefeito da capital avisou que sairá percorrendo o país depois de deixar o cargo, projeção que é vista como uma declaração antecipada de campanha à presidência.

De todo modo,  o governo Morales segue uma rara trajetória de consolidação dentro da política boliviana, marcada por mais de duzentos golpes e contra-golpes ao longo de seus quase duzentos anos de República. Morales, que em dezembro conseguiu a reeleição com inéditos 64% dos votos, tem agora uma igualmente inédita maioria qualificada no Legislativo, com garantia de dois terços dos votos.

“Se temos o Executivo e agora temos dois terços do Congresso, gostaríamos de ter os governadores e prefeitos em toda a Bolívia. Não me abandonem, esse voto não será para Evo Morales, será para o povo”, declarou o presidente durante comício em El Alto.

Nova lei

A eleição ocorre sob discussão de lei promulgada esta semana por Morales contra a corrupção. Rapidamente apelidada de “Lei Guilhotina”, a medida prevê a prisão imediata de funcionários públicos acusados de desvio de verbas. Movimentos sociais esperam basear-se no caráter de imprescritibilidade dos crimes para levar a julgamento os ex-presidentes Carlos Mesa, Jorge “Tuto” Quiroga e Eduardo Rodríguez, além do ex-vice Victor Hugo Cárdenas. Imediatamente, os políticos que podem acabar julgados e presos disseram-se vítimas de perseguição, gerando enorme debate no país.

Trata-se da primeira lei boliviana que trata especificamente, dos pontos de vista jurídico e político, da questão da corrupção. A nação sul-americana tem alguns dos mais altos índices de corrupção do mundo, com perda estimada entre US$ 200 e 300 milhões ao ano – fatia grande se considerado o tamanho da economia boliviana.

O vice-presidente Álvaro García Linera destacou esta semana que o projeto ficou na gaveta do Legislativo durante quatro anos e, depois de voltar a discussão, foi rapidamente aprovado. “A base material da pátria são seus recursos, que unem as pessoas da pátria, que nos fazem partícipes de nosso destino e de nossa riqueza compartilhada. Essa base material são os recursos naturais com os quais conta a pátria e são os recursos econômicos de que dispõe o Estado”, acrescentou.

Em Santa Cruz, que concentra boa parte da renda boliviana, muitas autoridades e figuras públicas iniciaram rapidamente a transferência de bens para o nome de parentes ou amigos. O líder do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz adotou o expediente mais comum dos últimos anos na entidade anti-Evo Morales: a greve de fome. Luis Nuñez considera que há perseguição a líderes crucenhos.

Muitos são investigados por participação em grupos armados que combatiam adeptos do governo central e disseminavam discriminação étnica. Entre os investigados está Branco Marinkovic, ex-presidente do comitê que, nas proximidades de eleições, também costumava encontrar motivos para fazer greve de fome. Agora, a família Marinkovic acaba de anunciar a venda de suas ações no Banco Económico. A partir da segunda metade de 2008, o empresário viu-se forçado a sair de cena devido a investigações de que ele tinha conexões com o grupo que, em último caso, declararia a separação entre Santa Cruz e Bolívia. Além disso, outros líderes devem ser processados por terem convocado, sem autorização do Judiciário, referendos que visavam declarar a autonomia dos departamentos da Meia Lua.

Notando as movimentações geradas pela lei anticorrupção, Evo Morales alertou aos países vizinhos e à comunidade internacional como um todo que não devem aceitar receber os acusados de corrupção.  Trata-se de uma referência não apenas a Marinkovic, que está foragido, como ao ex-governador de Cochabamba, Manfred Reyes Villa, que enfrenta 14 processos por irregularidades fiscais e que, ao saber que seria detido, fugiu para os Estados Unidos. Esta semana, o Chile confirmou que Guillermo Fortún, ex-ministro de Hugo Banzer acusado de enriquecimento ilícito, ingressou recentemente em Santiago com visto de turita.

“Se nós aplicamos a lei, seguramente ninguém vai querer ser político, porque já não se rouba e, portanto, já não se ganha”, garantiu Morales.

Com informações de agências internacionais.