Especial Bolívia: médicos cubanos operam 400 mil, mas sofrem com discriminação

Em regiões mais conservadoras, cubanos dizem que governantes não são bem-vindos, embora população carente seja muito grata ao atendimento gratuito; entre os atendidos está o suboficial Mario Terán que assassinou Che Guevara em 1967

Atendimento a mais de 400 mil bolivianos carentes (Foto: Paula Sacchetta)

Sucre – Carlos Hernandéz, coordenador da Brigada Médica Cubana no departamento de Chuquisaca, chamada “Missão Milagre”, explica que os médicos cubanos atenderam mais de 400 mil pacientes com problemas na visão nos últimos três anos; entre eles mais de mil com catarata.

Em departamentos mais conservadores como o de Santa Cruz, Hernandéz conta que a brigada sofre restrições. “Não nos querem trabalhando, dizem que o Evo quer transformar a Bolívia numa Cuba ou numa Venezuela. Mas nossa função aqui é social, independente de qualquer forca política ou partido. A população é muito grata a nós, mas organizações mais de direita não nos querem aqui”, revela Hernandéz.

Médicos da brigada cubana na Bolívia

Na Plaza San Francisco, das principais da cidade, na barraca da Brigada Médica Cubana passam diariamente mais de 150 pessoas que marcam consultas. Os casos mais graves são operados, outros ganham óculos e medicamentos. “Tudo de graça”, afirma Hernandéz. “Estamos aqui para prestar atenção médica a quem não pode pagar tudo aquilo que as clínicas privadas cobram”, diz. Tudo é pago pelo governo cubano.

Além da clínica em Sucre, a Brigada atua em outros dois hospitais no departamento de Chuquisaca, em Tarabuco e Monte Agudo, onde existem especialistas de traumatologia, pediatria e cirurgiões. As Brigadas Médicas de Cuba estão espalhadas por 104 países do mundo. Somente em Chuquisaca são 130 médicos; em toda a Bolívia, mais de mil.

“Desde que seja gente, tratamos e operamos”

Desde 2006 na Bolívia, a Brigada Cubana é a mesma que operou em 2007 o suboficial Mario Terán, que a mando dos seus superiores assassinou Che Guevara em 1967, numa escola do povoado de La Higuera.

A notícia divulgada pelo diário oficial da ilha, o Granma, foi confirmada à Rede Brasil Atual por Carlos Rafael Fajardo, diretor do Centro Oftalmológico da Brigada Cubana em Sucre. “Mario Terán foi operado por médicos Cubanos da Brigada de Santa Cruz de La Sierra e depois de recuperar a visão escreveu com ajuda do filho uma carta (leia box) ao governo cubano de agradecimento”.

Mario Terán não teve de pagar nada pela operação, realizada num hospital doado pelo governo cubano e inaugurado pelo presidente Evo Morales. “Pode ser rico, pobre, delinquente ou assassino, desde que seja gente, nós tratamos e operamos”, finaliza Fajardo.

40 anos depois

Cego havia tempos devido a problema de catarata, Mario Terán é o suboficial que matou Che Guevara há 40 anos, na escola da cidadezinha de La Higuera, na Bolívia. Operado de graça por médicos cubanos enviados à região de Santa Cruz de La Sierra dentro do acordo de cooperação entre os governos boliviano e cubano e após recuperar a visão, o filho do suboficial procurou o jornal regional El Deber pedindo que publicassem nota de agradecimento à Missão Milagre.

A carta também foi publicada no Granma. Ao lado da carta uma análise do jornal: “poderá apreciar as cores do céu e da selva, desfrutar do sorriso de seus netos e presenciar partidas de futebol, contudo jamais será capaz de perceber a diferença entre os ideais que o levaram a assassinar um homem a sangue-frio e as de quem ordenava aos médicos de sua guerrilha que atendessem igualmente seus camaradas e seus inimigos”. E finalizava: “Recordem bem esse nome: Mario Terán, um soldado educado na ideia de matar que volta a ver graças aos médicos seguidores das ideias de sua vítima”.

A jornalista Paula Sacchetta acompanha um grupo formado por pesquisadores, professores, estudantes e militantes políticos brasileiros interessados em melhor compreender o processo de transformação por que passa a Bolívia e fará uma série de matérias especialmente para a Rede Brasil Atual reportando os acontecimentos no país de Evo Morales.