disputa acirrada

Em Portugal, voto imigrante pode fazer a diferença nas eleições

Cyntia de Paula, candidata pelo Bloco de Esquerda, defende ampliar direitos da comunidade imigrante e apela para que brasileiros com dupla nacionalidade votem. Na última pesquisa divulgada, a Aliança Democrática (AD), de direita, aparece seis pontos percentuais à frente do Partido Socialista (PS)

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Cyntia de Paula é candidata ao Parlamento de Portugal pelo Bloco de Esquerda (BE)

São Paulo – Neste domingo (10), mais de 10,8 milhões de eleitores portugueses podem ir às urnas para eleger os 230 deputados da Assembleia da República para a próxima legislatura e escolher que partido deve formar governo.

Liderada por Luís Montenegro, a Aliança Democrática (AD), de direita, aparece seis pontos percentuais à frente do Partido Socialista (PS) liderado por Pedro Nuno Santos na última pesquisa da campanha divulgada na quinta-feira (7) pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica para os jornais Público, RTP e Antena 1.

Em relação aos blocos dos partidos que podem formar governo, a esquerda – formada por PSD, Bloco de Esquerda, CDU e Livre  – está ligeiramente à frente com 41% dos votos em relação à direita, formada por Aliança Democrática e Iniciativa Liberal que somam 40% dos votos. 

Em terceiro lugar aparece o partido de extrema direita Chega, liderado por André Ventura, com 16% dos votos e a possibilidade de eleger até 41 deputados.

A sociedade parece estar dividida diante da crise social e econômica que o país enfrenta. Além do conturbado quadro político, aprofundado após a queda do premiê António Costa (PS) em novembro do ano passado, a consolidação da extrema-direita como terceira força política e o grande espaço midiático disponibilizado aos seus interlocutores têm provocado certa tensão entre representantes à esquerda.

Com uma campanha eleitoral pautada por discussões em torno das chamadas ‘pautas de costume’ e do populismo penal, discursos anti-imigração baseados em preconceitos enraizados na estrutura da sociedade portuguesa, como o racismo, a ciganofobia ou a islamofobia, ganharam espaço nos debates e ocuparam o tempo que deveria ser despendido para a apresentação de propostas reais, como o aumento dos salários e pensões, o fortalecimento dos serviços públicos e o enfrentamento à atual crise de habitação que afeta o país.

Por considerar que este cenário requer a participação da comunidade imigrante, a presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Cyntia de Paula, se apresenta como candidata à deputada pelo Bloco de Esquerda (BE), partido que neste momento ocupa a quarta posição nas pesquisas de intenção de voto.

Em uma entrevista exclusiva a Opera Mundi, a brasileira, mestre em Psicologia Comunitária, chamou a atenção para a importância do voto dos imigrantes no próximo dia 10 de março.

Mesmo sabendo da dificuldade em ser eleita para uma vaga na Assembleia da República, Cyntia acredita que a sua experiência de trabalho diário com pessoas migrantes seria importante para refletir junto aos grupos políticos a real vivência desses cidadãos, transformando o seu conhecimento em propostas para que políticas públicas efetivas sejam criadas em um possível governo.

“Infelizmente, os imigrantes são os que ocupam os piores postos de trabalho na sociedade portuguesa, como indicam os relatórios do Observatório das Migrações e do Ministério do Trabalho, exercendo funções que deixam essas pessoas muito mais expostas a condições precárias, como nas áreas da restauração, agricultura, construção civil, serviços de ‘uberização’, entre outros. Por outro lado, tem todo o racismo e a xenofobia, realidade que sempre existiu, mas que nós sentimos que vem crescendo a cada dia porque, talvez, antes não tínhamos um partido de extrema-direita na institucionalidade, que utiliza as pessoas migrantes para criar seu discurso de ‘desconstrução do outro’, atribuindo a elas os problemas sociais do país”, explicou.

Um apelo pelo voto dos imigrantes

Prestes a completar 15 anos de residência em Portugal, não é a primeira vez que a sul-mato-grossense e militante do BE se coloca como candidata. Em 2021, Cyntia de Paula integrou a lista pelo círculo de Lisboa nas eleições autárquicas (municipais). Em 2024, o seu principal foco é chamar a atenção dos milhares de brasileiros e brasileiras que possuem dupla nacionalidade e não percebem que podem votar. Segundo ela, é preciso lembrar do dever que essas pessoas têm de refletirem sobre os programas eleitorais que estão a favor dos imigrantes e de escolherem os seus governantes, pois isso pode impactar suas vidas diretamente.

“Quem tem dupla nacionalidade não precisa pedir o Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos (Tratado do Porto) para votar, pois quando a cidadania é autorizada, você faz o Cartão do Cidadão e o recenseamento é automático. Assim, é possível votar tanto no Brasil quanto em Portugal sem perder os direitos políticos no país de origem. Só precisam solicitar esse estatuto aqueles que possuem Autorização de Residência há mais de três anos. E sim, neste caso, perdem o direito de votar em seu país de origem”, esclareceu a candidata, que também acrescenta ser favorável à atualização desse acordo para que a perda dos direitos políticos possa ser revista.

Segundo os números do Ministério da Justiça de Portugal, entre os anos de 2010 e 2023, mais de 500 mil brasileiros adquiriram a nacionalidade portuguesa. Entre os residentes com documentação, o país já conta com 400 mil habitantes oriundos do Brasil, conforme o último relatório divulgado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), representando 40% da população estrangeira. Especialistas em imigração também afirmam que, entre documentados e indocumentados, a comunidade brasileira está entre 6% a 8% da população, em um país com menos de 11 milhões de habitantes.

Outra luta importante, na visão de Cyntia de Paula, é a pelo direito ao voto para todos os imigrantes que vivem em terras lusitanas, não só os brasileiros. “Se pensarmos na campanha “Aqui vivo, Aqui voto”, que é relevante e muito antiga da sociedade civil, perceberemos que as pessoas migrantes carecem dos seus direitos políticos garantidos, pois nós aqui vivemos, contribuímos, pagamos impostos e temos uma relação de deveres com o país. Portanto, os direitos também deveriam ser iguais, incluindo o de voto”, pontua.

Uma sociedade dividida

Mesmo diante da instabilidade social e política que ajudou a alavancar o discurso fascista da extrema-direita, o principal embate na disputa eleitoral permanece entre o Partido Socialista (PS), agora liderado por Pedro Nuno Santos, e a Aliança Democrática (AD), representada pelo conservador e social-democrata, Luís Montenegro (PSD).

Divulgada no domingo passado (03/03), a última sondagem feita pela Aximage colocou o PS e a AD com empate técnico, mas com uma vantagem de 33,1% das intenções de voto para os socialistas contra 29,6% dos sociais-democratas. O Chega (CH), que vem logo em terceiro lugar (16,7%), confirma o receio de parte da opinião pública sobre a possível coligação entre a direita (AD) e a extrema-direita para formar maioria no Parlamento e assim governar o país.

Com um dos menores salários da Europa (820 euros), refém da gentrificação, da especulação imobiliária e com uma dependência econômica proveniente do setor de serviços e turismo, Portugal viu a adesão ao discurso reacionário, xenófobo e racista de André Ventura (líder do partido Chega) ganhar espaço em uma sociedade cada vez mais ressentida com a degradação social provocada por políticas neoliberais. O seu objetivo em dobrar o número de parlamentares na Assembleia da República, que hoje são doze, tornou-se mais viável.

Esse cenário vem provocando disputas entre as bases da social-democracia, enquanto alguns representantes da ala progressista já falam em uma nova aliança parlamentar entre as esquerdas (que ficou conhecida como ‘geringonça’) para evitar um quadro pós-eleitoral que representaria um enorme retrocesso aos direitos básicos da classe trabalhadora, incluindo a população imigrante, que hoje também preenche uma parcela significativa da economia lusitana. Só em 2022, os imigrantes contribuíram com 1,6 bilhão de euros à previdência social portuguesa.

“É preciso ter cuidado com essa análise. Eu, particularmente, acho que a maioria absoluta não é bom para ninguém, tanto que a gente viu que com o PS não foi. A possibilidade de uma nova ‘Geringonça’ pode ser algo positivo, pois dá chance aos outros partidos à esquerda de poderem negociar e colocar outras ideias, pensando no que cada um quer para o país. Em uma democracia, isso é fundamental”, reforçou Cyntia.

O Bloco de Esquerda (BE), representado pela economista Mariana Mortágua, aparece em quarto lugar (6,6%) na mesma pesquisa de intenção de votos revelada no início desta entrevista. Na quinta posição (4%) está a coligação CDU, liderada pelo operário e secretário-geral do Partido Comunista (PCP), Paulo Raimundo, legenda que possui um histórico importante na luta contra o fascismo e pelos direitos dos trabalhadores, antes mesmo da Revolução dos Cravos, em 1974. Em sexto lugar, vem a Iniciativa Liberal (3,9%), legenda à direita, seguida por outros dois partidos progressistas, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), da jurista Inês Sousa Real, e o Livre, fundado pelo historiador Rui Tavares, com 2% e 1% de intenção de votos, respectivamente.

Um país ressentido, uma juventude cooptada

Questionada sobre a importância de olharmos para o combate que setores da esquerda brasileira travaram contra o bolsonarismo, a presidente da Casa do Brasil de Lisboa acredita que toda experiência é válida, pois esse fenômeno não acontece apenas no seu país de origem. Contudo, Cyntia de Paula lembra que Brasil e Portugal possuem uma história e uma base de construção diferentes. Segundo ela, apesar de se cruzarem em algumas questões, as realidades são distintas.

“Para já, um é colonizador e outro colonizado. Eu não acho que os fenômenos sejam iguais. O mais importante para refletirmos em Portugal é que muito do que está na base do discurso da extrema-direita vem do rebaixamento do estado social, e eles trabalham com essa indignação. Isso é usado de forma errada para justificar o discurso populista que, na verdade, só tem como objetivo manter o poder de quem manda na sociedade. Se olharmos, por exemplo, para quem financia esses partidos, encontraremos pessoas milionárias. No fundo, tudo é para assegurar os privilégios dessa classe”, destacou.

Por fim, Cyntia de Paula faz um alerta para a cooptação da juventude em Portugal através do discurso liberal. A candidata do BE ressalta que é importante refletir, respeitar e defender as escolhas e as histórias das pessoas migrantes, principalmente entre os mais jovens, visando, segundo ela, uma educação verdadeiramente libertadora.

“Uma das coisas que nós podemos e devemos aprender com o Brasil é a questão das redes sociais, porque lá teve um impacto muito grande, principalmente no que diz respeito à proliferação das notícias falsas. Apesar da utilização das redes em Portugal ser um pouco diferente da nossa, as pesquisas têm apontado que grande parte do eleitorado da extrema-direita está concentrado na juventude. E isso é algo que nos assusta muito se pensarmos enquanto construção de sociedade”, finaliza.

Com reportagem do Opera Mundi e Brasil de Fato