Contra “freio” na Espanha, Argentina decide investigar crimes de Franco

Advogado vai apresentar ação ao Judiciário argentino como resposta à medida adotada no país europeu, que decidiu processar Baltazar Garzón por querer apurar violações do franquismo

A Justiça argentina recebe nesta quarta-feira (14) a primeira ação solicitando o julgamento de crimes cometidos durante a ditadura de Francisco Franco (1939-75) na Espanha. A medida é uma reação à decisão do Judiciário do país europeu de processar o juiz Baltazar Garzón, da Audiência Nacional espanhola, por tentar investigar as violações cometidas pelo franquismo.

Garzón, baseando-se no princípio da jurisdição universal, tornou-se mundialmente famoso ao longo dos anos 1990 por determinar a investigação de crimes cometidos por regimes militares sul-americanos. Além disso, o magistrado foi responsável por processos contra o atual primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, contra generais africanos e contra o grupo armado ETA, do país basco, na própria Espanha.

O jornal Página 12, que divulgou a notícia, registra que a demanda que será apresentada pelo advogado Carlos Slepoy é a primeira a inverter o sinal. A Argentina, por meio do Judiciário espanhol, havia conseguido investigar militares protegidos pelas leis de Obediência Devida e Ponto Final, que deram anistia aos crimes cometidos durante a última ditadura (1976-83).

Agora, a morte de dois políticos espanhóis em 1936, ainda durante a Guerra Civil, é o mote para as primeiras ações que visam investigar, a partir da Argentina, os crimes do franquismo. Uma anistia firmada em 1977 impede até hoje esse tipo de apuração, e é o que justificou a ação movida por grupos de extrema-direita contra Garzón.

“Necessitamos de um Garzón argentino”, sintetizou Slepoy, que trabalha em causas da ditadura e afirmou não esperar dificuldades em encontrar um juiz disposto a julgar o tema. “Os tribunais de qualquer parte do mundo têm legitimidade para julgar esses criminosos”, afirma. Dois familiares dos políticos mortos pelo franquismo estão listados como testemunhas. Um deles, Dario Rivas, vive na Argentina e hoje tem 91 anos.

Como demonstra a idade avançada da testemunha, há uma certeza de que que nenhum dos responsáveis pelos crimes está vivo. Por isso, o advogado espera que a ação abra caminho para investigar os fatos até 1977, quando ocorreram as primeiras eleições democráticas da Espanha no pós-Franco, aí sim com a possibilidade de responsabilizar generais e ex-ministros.

Uma das dificuldades dos acusadores será provar que a Argentina pode exercer a jurisdição universal. Slepoy pretende basear-se em um artigo da Constituição que aponta que o país tem o direito de julgar crimes cometidos fora do território nacional e no incentivado dado pela Comissão Internacional de Direitos Humanos aos países da América do Sul para que exerçam esse direito.

“São crimes que estão impunes, o que habilita outra nação que se sinta ofendida ou que entenda a necessidade de que se faça justiça a pedir sua investigação”, afirma Máximo Castex, da equipe responsável pela ação. “No caso de Rivas, por exemplo, é uma pessoa que conseguiu recobrar os restos mortais de seu pai em 2005 através de uma exumação que fez por contra própria. Ele, cada vez que viajava à Espanha, sentia necessidade de conseguir justiça. Há que pensar que estamos frente à história de 110 mil desaparecidos. Há muita gente que ainda não sabe onde estão os corpos de seus familiares”, argumenta.