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Candidato hippie une paz, amor e cannabis em eleição para prefeitura de Londres

Lee Harris, lenda da cena underground londrina, espalha mensagem do partido CISTA ('Cannabis é mais seguro que álcool', na sigla em inglês)

Rachel Costa/Opera Mundi

Lee Harris, candidato à Prefeitura de Londres pelo partido CISTA que defende a legalização da maconha

Opera Mundi – As eleições municipais de Londres acontecem nesta quinta-feira (5) e, a uma semana do pleito, a agenda do candidato Lee Harris, do partido Cannabis Is Safer Than Alcohol (Cannabis é mais seguro que álcool, em português), estava movimentada. O político recebeu a reportagem de Opera Mundi às 8h30 do dia 27 de abril para a primeira de uma série de entrevistas com a imprensa. Sentado em um café próximo à Oxford Street, no centro da capital britânica, Harris aguardava com um suco de laranja e um cigarro artesanal entre os dedos, rodeado por dois assessores que, atentos ao relógio, cronometravam cada palavra do candidato, preocupados em dar conta da agenda do dia.

A correria parecia não assustar o homem de 79 anos, voz pausada e olhar sereno, que, no dia a dia, dedica-se a uma das mais antigas lojas especializadas em produtos para fumantes de Londres, a Alchemy – um paraíso para admiradores da cannabis e fumantes em geral, em funcionamento desde 1972 na icônica Portobello Road, em Notting Hill. Ele, que ainda é ator de formação e escritor nas horas vagas, é uma espécie de celebridade local entre vizinhos e clientes, especialmente por sua presença há décadas na cena underground londrina. Chegou mesmo a ser homenageado em um curta sobre a “jornada psicodélica dos anos 60” chamado “O Alquimista Desconhecido”.

Também na recém-iniciada carreira política, apesar da fila de jornalistas, Harris é, pode-se dizer, um candidato underground. Só foi incluído oficialmente na corrida eleitoral no fim de março e seu partido, o CISTA, não completou ainda nem o primeiro ano de vida. O discurso para atrair eleitores ainda está em construção e uma das apostas é mostrar como a liberação acompanhada por um sistema de taxação da cannabis semelhante ao do Colorado, nos Estados Unidos, pode ser proveitosa para Londres – o Estado norte-americano arrecadou, só em 2015, US$ 135 milhões em impostos sobre a erva. “Em vez de deixar esse dinheiro com os barões das drogas, poderíamos usá-lo para a sociedade”, acredita Harris.

Até agora, por razões óbvias, Harris está muito distante dos dois candidatos que dominam a corrida eleitoral – o trabalhista Sadiq Khan e o conservador Zac Goldsmith. Mas para ele, que se autodefine como um representante da “geração paz e amor”, um remanescente dos hippies e um ativista pela legalização da cannabis, mais importante que ganhar, é conquistar espaço para discutir a mensagem contida no nome do partido: “a maconha é mais segura que o álcool, então por que ela segue proibida?”, sintetiza Harris. E esse objetivo, o de gerar burburinho, ele já atingiu ao confirmar seu nome na lista dos 12 candidatos à prefeitura de Londres.

Da segregação racial à maconha

Nascido na África do Sul, a primeira luta social de Harris foi contra o apartheid, na década de 50. Era uma das poucas pessoas brancas do movimento. Lá, ainda bem jovem, conheceu o líder Nelson Mandela e ajudou como pôde seus compatriotas negros. “Aprendi desde cedo que há algumas leis que precisam ser mudadas”, diz Harris. Na terra natal, também viu a repressão policial contra a população e contra militantes e, por receio de terminar preso como tantos outros, decidiu encarar a viagem de Johannesburgo para Londres. Chegou à capital inglesa em janeiro de 1956.

Já em terras britânicas, o primeiro ativismo de Harris teve a ver com as drogas, mas não da maneira mais óbvia, nem do mesmo lado que ele ocupa agora: sem querer, ele foi um dos responsáveis pelo endurecimento da legislação antidrogas, em 1964. “Eu era um moralista”, diz ele em uma espécie de confissão em busca de perdão.

Assustado com os efeitos da anfetamina em conhecidos seus, Harris resolveu escrever a um dos parlamentares pedindo providências. Esse mesmo congressista passou o contato de Harris para uma jornalista, Anne Sharpley, para que ele levasse a repórter para conhecer o submundo da anfetamina na noite londrina. O resultado foi uma matéria de capa do jornal Evening Standard, que acabou por desencadear a revolta social que terminou com a mudança da lei.

Só depois é que Harris percebeu que a legislação que ele havia apoiado tinha ido longe demais: viu conhecidos serem presos e clubes que frequentava fecharem as portas. Ele mesmo terminou enquadrado três vezes pela lei que havia defendido: a primeira, em 1967, quando foi multado por possuir um cigarro de maconha. As duas outras vezes tiveram relação com sua loja: foi preso por vender papel para cigarro (“a única pessoa do universo detida por essa razão”, advoga ele em seu site) e foi notificado quando policiais encontraram maconha no bolso de um de seus clientes, durante uma revista.

Da maconha à segregação racial

Apesar de já ter tido problemas com a polícia, Harris reconhece que não são pessoas como ele, brancas, os maiores prejudicados. “A guerra contra as drogas é uma luta contra pessoas negras”, considera o candidato. Harris sempre viveu na região de Notting Hill, uma das mais tradicionais comunidades afro-caribenhas da capital britânica, palco de severos ataques racistas em 1958 – foi como resposta a esse episódio, inclusive, que se começou a festejar o Carnaval de Notting Hill, atualmente a maior festa de rua do Reino Unido.

Dos amigos negros, Harris já ouviu muitas reclamações sobre a inconveniência das chamadas stop-and-search (as revistas policiais). “Uma vez, um deles me disse: ‘a polícia podia pelo menos dar uma notificação depois da revista, porque assim, quando o outro guarda vier me revistar meia hora depois, posso apresentar para ele'”, recorda. Dados divulgados no ano passado mostram que, em algumas regiões do Reino Unido, pessoas negras têm 17,5 vezes mais chances de serem paradas pela polícia. “Não há como negar. É uma questão relacionada ao racismo”, diz ele.

Proibir a maconha, defende Harris, até agora só gerou opressão, além, claro, de hipocrisia. A cannabis é proibida no Reino Unido, porém calcula-se que um a cada três britânicos já tenha usado a erva, o que coloca o país como quarto colocado no ranking de nações europeias onde mais gente já provou maconha, apontam os dados do Centro Europeu para o Monitoramento das Drogas e da Adição às Drogas (EMCDDA, na sigla em inglês). À frente do Reino Unido estão apenas França, Dinamarca e Espanha.

“Fui para a primeira manifestação pela legalização da maconha no ‘verão do amor’, em 1976”, diz Harris, fazendo uma alusão ao auge do movimento hippie nos anos 1960. “Foi no Hyde Park, nós éramos 5.000 pessoas, eu fui vestindo túnica e com flores no cabelo. Nós estávamos ali para mudar as leis contra o uso da maconha. Quase cinquenta anos depois, aqui estamos e a cannabis continua ilegal”, resume Harris.

Mas o momento, acredita o candidato, é favorável. Os estudos científicos sobre o uso medicinal do canabidiol, somado aos exemplos de Portugal, Uruguai e de alguns Estados norte-americanos apontam para o fim de um tabu que atravessa décadas.

Por isso, mesmo que a contagem das urnas após as votações desta quinta-feira não guarde nenhuma grande surpresa para Harris e seus correligionários, uma coisa é certa: eles estão fazendo história. Com 34 candidatos em todo o Reino Unido e representação nos quatro países que integram o reino – Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales –, o CISTA conseguiu algo único. “Um dia a cannabis vai ser legalizada aqui e, quando isso acontecer, poderemos dizer que fomos o primeiro partido a dedicar-se exclusivamente a esse tema”, diz Harris.

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