"vírus comunista"

Alvo do bolsonarismo, pensamento de Paulo Freire está na mira da direita no México

Pais conservadores fazem campanha pela destruição dos livros didáticos oficiais cuja impressão eles tentaram proibir. A indignação vem de mensagem do governo aos professores, que menciona trecho da “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire

Maurício Novaes/Divulgação/Itaú Cultura
Maurício Novaes/Divulgação/Itaú Cultura
Livros com mensagem inspirada na obra de Paulo Freire estão sendo rejeitados e até queimados

São Paulo – Um dos alvos prediletos do bolsonarismo no Brasil, o educador Paulo Freire (1921-1997) está também na mira da extrema direita do México. O líder nacional do direitista Partido da Ação Nacional (PAN), Marko Cortés, conclamou os pais a descartarem os novos livros didáticos do programa oficial, nos quais, em mensagem aos professores, o presidente Andrés Manuel Lopes Obrador menciona trecho do livro do educador brasileiro Pedagogia do Oprimido (Editora Paz e Terra, 1970).

“Paulo Freire, pedagogo brasileiro que por toda a sua vida buscou formas de libertar os marginalizados e oferecer-lhes uma teoria que lhes permitisse adquirir os princípios ideológicos para lutar por justiça, dizia: ‘Cada vez mais nos convenceremos da necessidade de que os verdadeiros revolucionários reconheçam na revolução um ato de amor, tanto quanto um ato criador e humanizador. Para nós, a revolução não se faz sem uma teoria da revolução e, portanto, sem consciência (…)’. Prezada professora, prezado professor, o livro que tem em suas mãos representa o esforço da Secretaria de Educação Pública por brindar uma teoria que acompanhe a revolução que realiza em suas aulas”.

O líder do direitista Partido da Ação Nacional (PAN), Marki Cortés, conclamou os pais de alunos a descartarem os livros. “A todos os pais de família do país, os exortamos a que descartem os livros didáticos que derem a seus filhos, ou ao menos arranquem as páginas que não são convenientes para a educação de seus filhos”, disse, em vídeo divulgado em suas redes sociais.

Cortés disse também que “nos preocupa a carga ideológica destes livros didáticos e, se não bastasse, o que estão fazendo com as ciências. Estão retirando dos jovens a chance de se preparar adequadamente”.

Governadores prometeram barrar os livros

Já um âncora da rede de TV Azteca, o jornalista Javier Alatorre, acusou o material oficial de espalhar o “vírus comunista”. E governadores de estado, opositores de Obrador, como em Chihuahua, Coahuila, Jalisco (liderados pelo PAN, PRI e Movimiento Ciudadano), entre outros, prometeram ações. Disseram que, por conta própria, barrariam a distribuição do material didático ao menos até que fossem corrigidos “os erros pedagógicos”. E reivindicaram uma consulta “mais plural, diversa e ampla à comunidade educacional”.

O filólogo mexicano Marx Arriaga Navarro postou em suas redes sociais um vídeo em que mostra uma pilha de novos livros didáticos sendo queimados, supostamente em Chiapas. Navarro foi empossado como diretor-geral de Materiais Educativos da Secretaria de Educação Pública, responsável pela distribuição de mais de 50 milhões de livros didáticos.

“Dor profunda, dor na alma”, comentou, antes de citar nomes e partidos de oposição. “Conquistaram sua perversão”, afirmou. Em outra postagem, publicou uma suposta ameaça de morte: “Só responda como prefere morrer, se com um tiro de um franco atirador ou asfixiado em sua casa, se não retirar os livros de circulação antes do fim de setembro”.

A reação contra o material didático do governo de esquerda começou antes mesmo de ser impresso. Uma entidade conservadora que reúne pais de alunos – União Nacional de Pais – tentou impedir , na Justiça, a impressão do material didático. O governo alegou ter consultado dezenas de universidades públicas e quase dois mil professores e imprimiu os livros.

Paulo Freire, doutrinamento ideológico e panfletarismo comunista

Para a oposição e entidades conservadoras, o governo Obrador promove “doutrinamento ideológico e panfletarismo comunista com o material didático”. E que o novo material didático teve redução nos conteúdos de matemática e literatura. A mídia mexicana, por sua vez, encontrou alguns erros de digitação e de informação nos livros, como a data do aniversário do ex-presidente mexicano Benito Juárez. Ele nasceu em 21 de março de 1806, e não no dia 18.

Segundo o governo, “a Nova Escola Mexicana é mais uma proposta dentro das discussões e contribuições filosóficas do sul global”, que conta com Paulo Freire, entre outros nomes, como “referência” para “a formação de uma cidadania mexicana que assume, como principal desafio, as implicações do bem-estar comunitário em que o indivíduo não pode estar bem se o resto do comunidade está em péssimas condições”.

E que as mudanças nos materiais didáticos eram necessárias para incluir na educação “uma dimensão social, humanística e científica, que havia sido perdida porque, durante o período neoliberal, não queriam que se conhecesse nossa história”. Obrador prometeu um México menos desigual, com melhores e mais bem acessados serviços públicos, o fim de privilégios a autoridades e foco no combate à corrupção.

Ainda conforme o governo, o novo material derruba “a ideia de uma cidadania obediente, que tem medo de certos fantasmas que permitiram o assassinato de milhares de mexicanos sob a justificativa de comunismo, sindicalismo, bons costumes, homossexualidade ou guerrilha”.

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Redação: Cida de Oliveira, com BBC News Brasil


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