‘Agora, Haiti é um país ainda mais destruído’, diz ativista

Brasileiros que conhecem bem o país atingido por terremoto na terça-feira (12) relatam a situação de precariedade das construções e temem pelos efeitos da destruição

Menino senta nos escombros de escola em Porto Príncipe. Dano em áreas rurais pode ser tão grave quanto na capital (Foto: Carlos Barria/Reuters)

O terremoto que atingiu o Haiti na terça-feira (12) deve deixar o país ainda mais destruído, avaliam dois brasileiros ouvidos pela Rede Brasil Atual. Depois de guerras civis e ciclones, a maior parte das construções da capital, Porto Príncipe, eram precárias ou muito antigas.

“O mais marcante foi a queda do Palácio do Governo que, na capital, era a única coisa que parecia sólida”, analisa o publicitário Alexandre Valdívia. Como missionário, ele fez oito viagens à capital desde 2001, para ações religiosas. “Tudo é velho na cidade, parecia um cenário logo após uma guerra. Agora deve estar pior”, lamenta.

Segundo Valdívia, desde sua primeira ida ao Haiti, Porto Príncipe teve sua paisagem alterada, com a derrubada de casas – a maioria de cores variadas –, que foram substituídas por edifícios cinzas. Ainda assim, a maior parte da população vive em condições bem piores, semelhantes às de áreas de extrema pobreza no Brasil, com barracos feitos de placa de zinco erguidos em encostas e barrancos. A diferença, segundo ele, é que essas condições extremadas são muito mais generalizadas na cidade do que em qualquer parte do país à qual ele tenha visitado.

Porto Príncipe assistiu a um crescimento muito rápido nos últimos 30 anos. De 750 mil habitantes, ao final da década de 1970, aos atuais 3 milhões, houve poucas ações de planejamento, muitas ocupações de áreas de encosta – com riscos de desabamento – e investimento insuficiente em infraestrutura. Apenas 3% da capital conta com saneamento básico completo, segundo a organização não governamental francesa Médecins du Monde.

“Imagino dois efeitos que o terremoto pode causar, um psicológico e outro do ponto de vista dos recursos”, avalia. O primeiro representa a soma de mais uma catástrofe que se abala sobre um povo calejado e sofrido, “acostumado à miséria e ao descaso mundial e das autoriadades”. “É mais difícil de analisar sobre os recursos para atender às vítimas, porque imagino que eles não existam”, calcula.

José Luiz Patrola, coordenador da Brigada Internacionalista Dessalines, estava de férias no Brasil e pretendia voltar ao Haiti apenas no final de janeiro. A brigada é uma ação do Movimento dos Sem Terra para levar projetos e iniciativas agroecológicas ao país. Por e-mail, amigos de Patrola relatam que Porto Príncipe tem amplas áreas destruídas. Um professor universitário, por exemplo, cuja casa situada em um bairro de classe média foi destruída, calculava “dezenas de milhares de mortos”.

“Tudo é muito desestruturado do ponto de vista da construção civil”, explica o ativista. “Se já era um país destruído, agora deve estar ainda mais destruído”, lamenta. O plano de trabalho da Brigada para 2010, realizado a partir de um levantamento nas áreas rurais dos dez departamentos (estados), deve ser todo refeito diante dos estragos causados pelo fenômeno.

Os cinco membros do MST dividem-se, no Haiti, em duas bases, uma na capital e outra na área rural. Os projetos são divididos em quatro segmentos: produção de sementes, reflorestamento e produção de mudas, captação de água da chuva e escolas técnicas de nível médio.

Como dois terços da população vive em áreas rurais, os danos nessas áreas podem ser bastante graves, mas os efeitos devem demorar mais a serem conhecidos. O ativista do MST avalia a possibilidade de regressar mais rapidamente, por Santo Domingo, na República Dominicana, para oferecer solidariedade e avaliar ações para a reconstrução dessas áreas.

Ambos os entrevistados relatam cenários de dificuldades de acesso a alimentos, energia elétrica e combustíveis mesmo antes dos tremores. “A evolução do país ocorria a passos de tartaruga, mas ocorria. Agora, infelizmente os problemas vão se agravar”, opina Valdívia.

“O Haiti depende agora da cooperação internacional, especialmente com infraestrutura”, acredita Patrola. “O governo brasileiro tem um papel importante nesse momento, até aproveitando a presença militar do país que cai agora em escombros ainda maiores”, sustenta.

Antes do terremoto, ocorreram dois ciclones, um em 2004 (Jeanne) e outro em 2008 (Hannah), com 700 e 500 mortos. Um deslizamento de terra em 2004 provocou pelo menos 3 mil mortes.

Doações

Levantamento do Opera Mundi aponta formas de se doar recursos e alimentos para o Haiti. Uma conta bancária aberta pela ONG carioca Viva Rio, que realiza projetos sociais no Haiti, é uma delas (Banco do Brasil/ Agência 1769-8/ Conta: 5113-6). A Oxfam America, Yele Haiti Fund, a Cruz Vermelha e as Nações Unidas, são organizações internacionais que permitem doações pela internet.