Entrevista

Senador chileno Alejandro Guillier: os desafios do campo progressista em um mundo ‘uberizado’

Ex-candidato à presidência apoiado por Michelle Bachelet fala sobre precarização do trabalho, a situação política do país e os males do modelo previdenciário nascido na ditadura de Pinochet

Senado República de Chile
Senado República de Chile

“Eu digo que nós perdemos uma eleição democrática, não há um fascista no governo, Piñera é um ex-democrata cristão, um homem de ideias liberais, que tende a um certo populismo político. Governa com base nas pesquisas, sem olhar para o longo prazo, mas respeitoso com as regras democráticas, é alguém com quem se pode conversar.” É assim que o senador chileno Alejandro Guillier define o atual mandatário do país, que exerce o mandato pela segunda vez e que derrotou o parlamentar na eleição presidencial disputada em 2017.

Sociólogo e jornalista, ele foi o responsável por representar os sete partidos da coalizão de centro-esquerda Nova Maioria, que contava com a então presidenta Michelle Bachelet. Era a agremiação formada após o desmanche da Concertación, que havia governado o país por 20 anos após o fim da ditadura do general Augusto Pinochet. O terceiro homem mais rico do país voltou ao poder superando o rival por 54,6% a 45,4%.

Ainda que faça questão de demarcar as diferenças com Piñera, também por estar no Brasil, que vive a experiência de ter um governo de extrema-direita, Guillier situa seu ex-adversário na corrida presidencial em um campo distinto, mas dentro do jogo democrático. “A direita chilena é republicana. Conservadora, mas é republicana”, pontua.

Na entrevista a seguir, concedida quando esteve no Brasil para participar da 21ª Conferência Nacional dos Bancários, realizada no início de agosto em São Paulo, ele fala a respeito dos desafios impostos ao campo progressista por conta da precarização do trabalho, fala sobre a Justiça de transição no país e também sobre o modelo previdenciário chileno, implantado na ditadura de Pinochet e que hoje é questionado mesmo pelos conservadores. “O problema no Chile é que as aposentadorias são de fome. Quando alguém que trabalhou 35 e 40 anos, ao se aposentar, tem uma aposentadoria que não chega nem a ser de um salário mínimo, isso quer dizer que o sistema não funciona.”

Que avaliação você faz do governo de Sebastián Piñera?

Antes de mais nada, deixe-me saudar os trabalhadores e as trabalhadoras do Brasil, principalmente dos setores financeiro, bancário e metalúrgico, que nos acompanham com muito interesse.

Eu digo que nós perdemos uma eleição democrática, não há um fascista no governo, Piñera é um ex-democrata cristão, um homem de ideias liberais, que tende a um certo populismo político. Governa com base nas pesquisas, sem olhar para o longo prazo, mas respeitoso com as regras democráticas, é alguém com quem se pode conversar, esse é o nosso cenário.

Não estamos em uma situação política dramática, mas sim num grande desafio de renovação para o setor progressista, para saber quais as respostas que temos para o século XXI. Isso porque a globalização está dada, porque estamos vivendo a robotização, a digitalização e a automação; estamos perdendo empregos, principalmente nos setores de ponta, por exemplo, nos serviços, na mineração e nos setores de energia. Precisamos encarar o emprego como um dos nossos grandes desafios hoje em dia.

Você classificaria o desemprego então como o principal desafio do governo chileno?

Sim, o Chile de alguma maneira tem uma matriz produtiva primário-exportadora, que depende muito de poucos produtos. A diferença do Brasil é que ele tem um mercado interno enorme, o Chile quase não tem mercado interno, é um país muito pequeno, só São Paulo é maior do que o Chile. O motor da nossa economia é o setor exportador, mas temos poucos produtos, por isso precisamos fazer uma diversificação produtiva.

Mas o que precisamos mesmo fazer é desenvolver uma economia mais sustentável. Por conta dos desafios dados pelas mudanças climáticas, temos que implementar o Acordo de Paris, e isso significa uma mineração muito mais limpa do que o tradicional e substituir as fontes de energia. Estamos vendo as energias renováveis, particularmente solar e eólica, mas com um grande potencial também de todas as novas tecnologias, como a biotérmica e a do mar. Além disso, precisamos criar um sistema educacional que prepare os jovens para os empregos do futuro.

Mas também teremos um período de transição. O que fazemos com os trabalhadores que estão sendo dispensados na mineração, no comércio varejista, nos serviços, que estão perdendo o emprego por causa da automatização? Estes são nossos desafios, mas isso pressupõe, entendo eu, uma nova matriz produtiva. É preciso diversificar a economia e fazer uma grande reforma da educação para nos prepararmos e também reciclar os que estão hoje no mercado de trabalho.

A educação tem sido um tema constante no Chile.

Sim, todos os governos propõem uma reforma da educação e eu também fiz uma proposta, mas, no geral, acredito que o nosso erro tem sido ficar nas questões do ambiente escolar, ou seja, assegurar cobertura, melhorar a qualidade dos estabelecimentos, a infraestrutura. No entanto, temos sido muito burocráticos e não olhamos para o papel do professor. Agora, estamos no momento de uma grande revolução nas aulas, precisamos empoderar o professor. Dar a ele liberdade, criatividade com planos, programas, métodos de aprendizagem mais ativos, vincular muito mais as crianças, jovens, meninos e meninas, ao mundo real, com um método de aprendizado centrado em desenvolver capacidades intelectuais e também de aprender fazendo. São conceitos novos porque a escola do século XX não nos leva ao século XXI.

Aqui no Brasil, por exemplo, estamos indo no sentido contrário, o governo age para retirar a autonomia do professor. No Chile, existe um outro tipo de entendimento.

No Chile, e isso é o que nós dizemos, a tendência dos governos é de querer controlar a educação e os professores têm pouco espaço para sua criatividade, são impostas inclusive as leituras, os livros que devem ser entregues aos jovens. Existem circunstâncias em que um professor do extremo norte enfrenta desafios muito diferentes dos do extremo sul, ou, outro exemplo, os das cidades grandes em relação às cidades pequenas.

O Chile é um país com muita diversidade, um país comprido e estreito e ao mesmo tempo muito variado nessa sua maravilhosa realidade geográfica, e por isso mesmo não pode ter a mesma resposta para todos. Por isso é preciso liberar as escolas e os professores para que desenvolvam sua criatividade, que não é muito permitida.

Senador, aqui no Brasil estamos discutindo a chamada reforma da Previdência, aprovada na Câmara dos Deputados. Muito se tem falado aqui, do modelo previdenciário do Chile. O senhor pode explicar como funciona e o que tem sido discutido a esse respeito lá?

Eu entendo (o modelo previdenciário chileno) como um mau exemplo. No Chile, estamos todos convivendo com uma crise no sistema previdenciário. Só um dado aos brasileiros e brasileiras: hoje em dia, a maior parte dos chilenos que está se aposentando não chega a ganhar um salário mínimo. Foi prometida uma aposentadoria, quando se criou o sistema no começo da década de 1980, que iríamos ter uma taxa de retorno da ordem de 70% a 80% dos últimos 10 salários e, na verdade, não chega a 30%, está entre 20% e 30%. E graças a Michelle Bachelet no seu último governo e a todo um conceito chamado pilar solidário, que é um aporte do Estado, estamos conseguindo que se aproximem aos 35%, 40% da sua última remuneração.

Portanto, no Chile, se aposentar é voltar à pobreza e todos reconhecem isso. A diferença é que a direita diz que a crise é de expectativa, que as pessoas aspiram a muito mais e estão vivendo muito mais. O problema no Chile é que as aposentadorias são de fome. Quando alguém que trabalhou 35 e 40 anos, ao se aposentar, tem uma aposentadoria que não chega nem a ser de um salário mínimo, isso quer dizer que o sistema não funciona.

O próprio presidente Piñera apresentou uma proposta de reforma que temos no Congresso, a presidenta Bachelet deixou também…  Mas o principal problema é que a contribuição do trabalhador não é um sistema de seguro, é uma poupança individual. É como ter uma conta no banco onde você deposita todo mês um dinheiro. Quando não trabalha, está desempregado, não coloca nada, e portanto, quando chega o momento de se aposentar, diz: quanto juntei? Porque não tem a contribuição do empregador, não tem a contribuição do Estado, salvo exceção no período da presidenta Bachelet. E, ademais, como a expectativa de vida é maior, você se aposenta, digamos, por exemplo, com 40% de seus últimos salários, mas calculou sua vida até os 82 anos e portanto contratou um sistema de aposentadoria que dá cobertura até os 82. Se você vive até os 83 anos, fica sem aposentadoria nesse período. Ou, por exemplo, no sistema previdenciário chileno, existe uma modalidade em que se o trabalhador se aposenta no ano em que morre, a viúva recebe 60% do que ele recebia e os 40% o sistema embolsa. Então, estão nos copiando no roubo. É uma profunda frustração porque a explicação está na origem.

No Chile, por que se inventou esse sistema AFP? Não foi para dar aposentadorias. Estávamos quebrados no começo dos anos 80, a famosa crise que todos sabemos, e, portanto, o Chile literalmente não tinha um mercado financeiro, obrigaram a todos nós chilenos a poupar e canalizar essa poupança ao sistema financeiro para poder mover o aparato produtivo e dar crédito. Portanto, o objetivo verdadeiro era gerar um mercado de capitais, não era gerar aposentadorias. Depois de 30 anos fomos ver o que fizemos. E ficou no ar e ninguém fez nada, e chegou o momento em que as pessoas começaram a se aposentar e descobriu-se que a aposentadoria era uma lástima. Na verdade, um roubo!

Ou seja, na origem do modelo de Previdência do Chile não se pensou na verdade na aposentadoria do trabalhador, era uma forma de impulsionar o sistema financeiro?

Claro, para estimular o mercado financeiro, os empresários mesmo não estavam quebrados, os bancos quebraram no Chile e portanto era preciso reconstruir a economia chilena desde baixo e se fez isso às custas do trabalhadores chilenos. Além disso, muitos bancos tiveram que contrair dívidas para se reerguer e muitos deles nunca devolveram esse dinheiro. Esse é um dos mistérios da transição chilena, isso no período dos militares, na ditadura do Pinochet, onde não havia jogo democrático e isso não pôde ser debatido, obrigavam a passar do antigo sistema previdenciário que era com contribuição do empregador, do Estado e do trabalhador. Então, você tinha um montante de capitalização mensal da ordem de 17% a 20% de sua remuneração. É quando te dizem “agora não, só você vai contribuir”. O Estado não, o empresário não, só você, com 10% você vai ganhar melhores aposentadorias, mas isso foi um grande engano. Olhem as cifras, olhem a história. Não precisam acreditar em mim. Olhem as estatísticas se querem imitar e evitem enganar os brasileiros. Seria esse um engano.

A equipe econômica do governo Bolsonaro tentou implantar esse modelo, a capitalização, aqui no Brasil, esse item acabou sendo retirado do texto mas ainda há uma possibilidade de voltar no futuro. O senhor não recomenda esse sistema para nenhum país?

Para nenhum país, porque o que foi feito no Chile gerou uma crise. Estamos discutindo como modernizá-lo. O próprio presidente Piñera tinha um projeto no Congresso de aumentar a cotização, para incluir a contribuição dos empresários, do empregador, por exemplo, que é consenso, da ordem de 4% a 5%, esses são os percentuais que estamos discutindo para aumentar o montante. Mas o problema no Chile é que o emprego é instável. E crescentemente instável. Esse emprego com contrato, de jornada completa numa empresa, onde você entrava e se trabalhasse bem tinha possibilidade de trabalhar por 20, 30 anos, inclusive fazer sua vida na empresa, já não existe mais. O trabalho no Chile hoje é precário. As empresas terceirizaram muitas funções. Você não é mais um trabalhador, é um “empreendedor”. Nós vamos comprar seu serviço, mas você tem que constituir uma pequena empresa, a notícia é que não vão pagar aposentadoria, seguro social, você é que tem que pagar isso. E o que vão pagar é menos do que o seu salário.

Isso é precarizar o trabalho. É o que alguns chamam no Chile de “uberização” da economia. É uma plataforma que administra informação e que o conecta a um cliente que pede um serviço, só fazem é isso. Mas quem dispõe do veículo? Um particular. Quem paga a aposentadoria? Se bate, tem uma colisão, um acidente, qual o seguro? Não tem. Só se o particular tiver. E essa plataforma não paga imposto!

E esse é o futuro? Quem vai pagar o imposto? Quem vai pagar impostos para fazer obras públicas, construir estradas, ruas, pontes, aeroportos, hospitais, escolas, se optamos por um sistema que não paga impostos e que não paga direitos sociais? O sistema previdenciário fica cada vez mais precário porque não há uma cotização regular. Se o trabalho é vulnerável e precário, não há contribuição mensal de ninguém. O que o Piñera está fazendo é para um pequeno segmento de mercado. E para os partidários de Bolsonaro, que admiram os militares chilenos, quando se fez a reforma previdenciária no Chile, Pinochet, disse: “Façam, mas não para os militares!”. Os militares têm outro sistema previdenciário. Até os dias de hoje não se mexe nas aposentadorias dos militares chilenos, que têm altos custos porque a vida militar é muito curta, mas a vida deles é longa, pois são pessoas saudáveis. Com 45 ou no máximo 50 anos já estão se aposentando e vivem 80, 85, 90 anos.

Aqui no Brasil, também a proposta original de reforma da Previdência excluiu a previdência dos militares.

Claro, é que os militares têm as armas, e com as armas não se negocia. Não é aconselhável. Mas isso só mostra que não é bom o sistema que está sendo proposto, porque se fosse tão bom todos iriam querer estar ali. E se querem ser exceção é porque não querem estar ali.

Senador, falando da questão das Forças Armadas, o Chile teve uma transição que muitos acham que foi tímida em relação à ditadura que existiu no país, embora tenha havido até uma transição mais rigorosa do que aconteceu aqui no Brasil, onde os mecanismos de Justiça foram muito mais brandos, alguns não existem e outros estão hoje sob ataque. Gostaria que o senhor comentasse como foi a passagem para a democracia no Chile e também se é possível fazer algum tipo de comparação com países vizinhos.

No Chile a transição foi com os militares e não contra os militares. Pinochet foi derrotado em um plebiscito, em uma consulta cidadã, que na última hora tentou não reconhecer, mas os outros militares disseram “não, não queremos instabilidade”, e teve que cumprir a Constituição. Portanto, ele foi derrotado em uma eleição, mas não politicamente.

Foi iniciada uma transição com os militares porque era fundamental manter o modelo econômico imposto por eles, mas com alguns acordos políticos para poder direcionar uma parte dos investimentos nacionais ao combate da extrema pobreza gerada no regime militar, mas que também é histórica.

Portanto, tivemos êxito em erradicar a extrema pobreza. Mas quando o pobre deixa de ser pobre e vai se transformando em uma classe média emergente, os mecanismos falham. Não o acompanham. E essa a frustração de quem nos acompanhou. Porque eram pessoas que votavam conosco, que saíram da pobreza pelas políticas progressistas dos governos da Concertacíon, mas chega um momento em que sentem que (as políticas públicas) já não as beneficia e ficam em uma situação de vulnerabilidade. É uma classe média muito vulnerável e foram eles que deixaram de votar (N.E. No Chile, o voto é facultativo). Não votam na direita, mas não vão votar. Então no Chile votaram 40%, 45% dos chilenos nas eleições presidenciais e não mais do que 30%, 32% nas eleições locais.

Há um desencanto pelo modelo porque não acompanhou a classe média e essa é uma das debilidades que o país tem nesse momento e que temos que corrigir. E que tem que estar nos discursos progressistas. Por exemplo, os sindicatos, no Chile, protegem o trabalhador sindicalizado, mas o que acontece com esse trabalhador que perdeu o emprego? Que teve que se tornar, entre aspas, um empreendedor, que é um trabalhador precário. Não está contemplado no discurso. Na verdade, as mulheres querem entrar com muita força no mercado de trabalho chileno, com muito atraso em relação ao resto da América Latina, mas é por conta própria, também entram em um mundo de exploração, de instabilidade, de incerteza. Tudo que os empresários reclamam como condição para se desenvolver, as classes médias não têm. Mas que legislação nós temos, como os protegemos com políticas públicas? Isso é o que estão exigindo de nós.

Os partidos políticos progressistas, assim como os movimentos sindicais, que defendem os interesses dos trabalhadores, têm que entender que o conceito de trabalhador é muito mais amplo. Tem que incluir aqueles a quem é dito que “não, você não é trabalhador, é um empreendedor”, essa pessoa acredita nessa história e sente que é um empresário. Mas não, não é um empresário. Porque depende de um só provedor ou de um só cliente, e que além disso o maltrata, paga quando quer, fatura em 3, 4, 5 e até 6 meses no Chile. Então é um explorado de outra maneira.

E quando o senhor fala da formação de uma classe média emergente por conta das políticas dos governos da Concertación ,aqui no Brasil nós tivemos também um processo semelhante nos governos do PT. De certa forma a gente pode dizer que foram em parte vítimas do próprio êxito?

Bom, efetivamente, porque se não se acompanha com políticas públicas, essa classe média, no momento em que faz a comparação, percebe que melhora mas perde mais do que ganha. Seu esforço pessoal, que vai significar mais dinheiro eventualmente, vai fazê-la perder, curiosamente, o benefício que tinha antes. Esses são os gargalos  que ocorrem no Chile  e provavelmente também no Brasil.

A classe média é a coluna vertebral e é aí que temos que avançar. Não é mais a extrema pobreza. Há ainda uma pobreza específica, dura, e é preciso atendê-la, mas o grande tema é como proteger a classe média. E hoje em dia, com a automatização, a robotização, a terceirização do emprego e o emprego precário, a classe média está uma situação de instabilidade profunda, de enorme incerteza sobre seu futuro. E tudo indica que isso só vai se agravar. No Chile, todos os dias pessoas são demitidas no comércio, no sistema financeiro, nos serviços em geral. A mineração gera menos emprego e se perdem milhares de trabalhadores porque são substituídos por robôs. E os robôs não pagam impostos, ou seja, além disso não há recursos para melhorar a qualidade da educação.

E o Chile é um país autoritário, centralizado, a Constituição de 1980 ainda está vigente, o Congresso tem  muito pouco poder. A diferença para o Brasil é que no nosso Congresso não se pode fazer alterações, por exemplo, em matéria de uma reforma tributária que mude os mecanismos, você só pode dizer sim ou não àquilo que o presidente propõe. Portanto, a negociação é paralela ao que se passa no Congresso, não é no Congresso, a instituição formal, porque eu poderia dizer que estou disponível, mas proponho mudar o que propõe o presidente. Não, você não tem poder, tem que dizer sim ou não. Por isso o Congresso chileno é fraco, pela institucionalidade autoritária que ficou ligada a essa transição com os militares cujo modelo permanece até os dias de hoje.

E esse modelo de transição, na sua opinião, facilita o surgimento de figuras como a de Jair Bolsonaro?

O chileno tem uma tradição democrática. Por exemplo, existe no país uma figura que podemos chamar como um Bolsonaro chileno, o deputado Kast (José Antonio Kast Rist), que segue com um discurso muito fascistoide, conservador, que reivindica a ditadura militar. No Chile, morreram crianças, morreram adolescentes, havia um cerco para amedrontar as pessoas. Portanto, há muita dor. Não entendo matar alguém por causa da sua ideia, mas tem gente que sofreu invasão de domicílio, para ele, essa dor é uma tarefa inacabada. Além disso, é um discurso contrário aos direitos da mulher, da diversidade sexual e de gênero, aos povos originários, tudo se resolve com autoritarismo e mão dura.

E tudo isso em benefício de quem? De novos grupos empresariais, não os tradicionais, mas novos grupos empresariais que estão nessa da globalização, que não gostam dos sindicatos porque são barreiras ao livre jogo dos fatores de produção do livre mercado, não acreditam na seguridade social e acreditam que todos devem competir entre si. Com esse discurso ele chega, mas é uma elite econômica e social que não tenho visto se transformar em maioria no Chile. A direita chilena é republicana. Conservadora, mas é republicana.

Kast inclusive esteve no segundo turno aqui no Brasil junto com Jair Bolsonaro, pelo que o senhor fala é bastante similar o posicionamento dele em relação a determinados temas ao do presidente do Brasil.

Alejandro Guillier – Bolsonaro é um personagem como Trump, com ideias muito particulares. É perigoso porque é imprevisível. Provavelmente nunca vai fazer as coisas que fala mas gera temor e incerteza. O problema é quem está por trás. O que se percebe em muitos setores chilenos é que existe militares no poder e portanto há o temor sobre o que vivemos na América Latina com esse regime. Há também grupos empresariais, não todos os empresários, mas grupos empresariais antidemocráticos de todas as maneiras, provavelmente fanáticos religiosos, que se combinam e que geram uma coisa muito contraditória porque é estranho que um militar brasileiro tenha aderido a isso porque os militares brasileiros são nacionalistas, sempre foram partidários do desenvolvimento de um Brasil potente, com um projeto de fortalecimento da indústria. Não sabemos se Bolsonaro tem esse projeto, mas tudo indica que ele quer desmantelar o aparato produtivo onde o Estado joga um jogo muito importante. Portanto, creio que são setores, são grupos que misturam coisas muitos distintas e contraditórias.