para entender

Como funcionam as eleições nos Estados Unidos?

O processo eleitoral norte-americano é secular e cheio de detalhes. As eleições indiretas diferem em muito do modelo brasileiro

flickr/DonkeyHotey

O elefante é o símbolo do partido republicano; o asno representa os democratas

São Paulo – A corrida eleitoral nos Estados Unidos, que escolherá seu 45º presidente, estampa manchetes em todo o mundo e desperta atenção pelo impacto que produzirá, pelo poderio econômico e político norte-americano. No pleito deste ano, que deve chegar ao desfecho entre outubro e novembro, os protagonistas são os candidatos Donald Trump e Ted Cruz, para o lado dos republicanos, com Hillary Clinton e Bernie Sanders na disputa entre os democratas.

Para os brasileiros, habituados a eleições diretas com candidatos pré-selecionados pelos partidos políticos, a lógica norte-americana pode parecer destoar do comum. O primeiro detalhe que chama a atenção é a bipolaridade. Embora haja várias legendas, na prática apenas dois partidos disputam a vaga para a presidência da maior economia do mundo. Outro ponto a chamar a atenção é a possibilidade de votações prévias dentro do partido – estágio atual do processo que vai escolher o sucessor de Barack Obama: uma verdadeira batalha dentro dos partidos para definir qual candidato concorre na disputa final.

“As eleições nos Estados Unidos são muito peculiares e com muitos detalhes. Contudo, é um sistema secular, tradicional, que ninguém reclama”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Tullo Vigevani. O país já elegeu  44 presidentes, e a legislação norte-americana permite apenas uma reeleição, sem a possibilidade descontinuada, ou seja, uma vez que o presidente cumpriu seu mandato (com possibilidade de uma reeleição), ele se torna inelegível para o mesmo cargo.

Primárias

O processo das eleições prévias (ou primárias) começou este ano pelo estado de Iowa, no dia 1º.  Pelo lado democrata, Hillary Clinton ganhou por curta margem de Bernie Sanders, o candidato mais à esquerda, que vem surpreendendo por atacar o mercado financeiro em seus discursos. Do lado conservador republicano, o magnata Donald Trump, que vinha liderando as pesquisas, foi derrotado por Ted Cruz. Qual o impacto desses resultados?

“As primárias são regidas por critérios locais de cada estado. As formas como se faz a escolha de um candidato ou de outro são muito diferentes”, explica Vigevani. Existem algumas formas possíveis para os estados da federação escolherem seus candidatos: eleições convencionais, caucusese convenções. “O estado determina a forma com que é realizada a escolha de acordo com a tradição. O sistema norte-americano é muito federalista, é muito respeitada a diferença entre os estados”, diz o professor.

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‘Caucus’ do partido democrata

Em Iowa, primeiro estado a realizar as primárias, o sistema utilizado é o chamado caucus. A palavra não possui uma tradução lógica em português, porém é possível exemplificar o processo. “Esse sistema não tem cédula eleitoral. São reuniões entre os eleitores, realizadas em diferentes locais de cada cidade do estado, em que os eleitores discutem e, ao final, quem apoia um candidato se posiciona em um canto da sala, ou auditório, ou igreja. Quem apoia outro candidato, em outra parte do local, e assim por diante”, diz Vigevani.

Outra forma possível de realizar esta votação é pelo sistema tradicional, no qual os eleitores comparecem em suas zonas eleitorais e preenchem cédulas de votação. Ainda existem as convenções, que são formais e podem contar com a presença dos candidatos. Neste ano, 35 estados utilizarão as eleições regulares. Dez farão caucuses e cinco, convenções.

Após esses processos, os votos são contabilizados em todas as cidades de cada estado. “Não há obrigatoriedade de o eleitor comparecer para as votações. Só vai quem está mobilizado”, recorda o professor, atentando para o fato de que nesta etapa votaram apenas os cidadãos que possuem registro nos partidos e fizeram questão do sufrágio.

Um resultado disso, por exemplo, foi o número de eleitores que participaram do caucus de Iowa. Cerca de 356 mil votos foram contabilizados no estado,e o número total de inscritos no colégio eleitoral supera os 2 milhões.

Convenções de julho

Após as eleições primárias, surge a figura do delegado. Eles são fundamentais no processo final para a decisão do futuro presidente. “Os delegados são escolhidos proporcionalmente ao número de votos que teve um candidato em um determinado estado. Eles são escolhidos de acordo com a votação que obteve cada pré-candidato”, diz o professor.

Serão eleitos 538 delegados com razão proporcional aos eleitores registrados; número que também indica a quantidade de senadores e deputados que cada estado possui no Congresso. Quem nomeia os delegados são os próprios partidos nas chamadas convenções de julho. Nestes eventos, além de tal seleção, é declarado oficialmente o candidato de cada partido que vai disputar a presidência. “As prévias são expressas nas convenções dos partidos. São grandes festas para anunciar os vencedores.”

A partir daí, começa a reta final do pleito, com a disputa voto a voto entre os candidatos determinados por partido.

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Convenção do partido democrata realizada em 25 de julho de 1912 em Baltimore, Maryland

Colégio eleitoral e eleições indiretas

Para chegar até o colégio eleitoral e definir a figura do delegado, os cidadãos votam nas prévias para escolher entre candidatos do mesmo partido. Nas convenções de julho, cada partido anuncia o vencedor, além dos delegados que representarão o partido nas eleições em novembro, no colégio eleitoral. Os delegados são eleitores diferenciados, que a partir da reunião do colégio eleitoral nomeiam formalmente o presidente. Uma vez reunidos no colégio eleitoral para as eleições definitivas em novembro, os delegados podem votar em qualquer candidato, porém o mais comum é que siga o partido que o indicou para tal posto.

Uma peculiaridade do sistema eleitoral norte-americano é caracterizada pela “cor” de cada estado. Democratas são azuis e republicanos, vermelhos. O singular nesta etapa é que um estado majoritariamente vermelho (republicano), por exemplo, não manda os delegados democratas (azuis) para a reunião do colégio. “No colégio eleitoral existe a proporção de acordo com os habitantes de cada estado, mas lá estão apenas representantes do partido que venceu as eleições em cada estado”, explica o professor.

Esse tipo de eleições indiretas pode caracterizar um fato extraordinário e estranho aos habituados às eleições diretas, como os brasileiros. “A figura do colégio faz com que as vezes não haja uma coincidência entre os votos populares e o resultado final. Pode acontecer de quem o colégio eligir, não ter maioria absoluta dos votos populares”, acrescenta.

Em 2000, por exemplo, na disputa entre o republicano George W. Bush e o democrata Al Gore, o representante vermelho foi eleito pelo colégio eleitoral, mesmo sem a maioria dos votos da população. Gore recebeu maior quantidade de votos diretos, porém os delegados no colégio eleitoral nomearam Bush. Isso é possível em eleições muito acirradas, em que os representantes delegados possuem maior expressão na formalidade da nomeação do presidente. No último pleito, em 2012, o democrata Barack Obama foi reeleito com 52,9% dos votos populares e 68% do colégio eleitoral, contra seu adversário republicano Mitt Romney.

Cerca de 40 estados norte-americanos já possuem tradição de um partido específico. Califórnia, por exemplo, é um estado democrata, assim como Nova York e os estados do norte do país. Já o sul, estados como Texas e Flórida possuem hegemonia republicana. Esses estados mandam delegados representando apenas os partidos majoritários, conforme foi visto. Ora, então como as eleições são disputadas se já existe uma ideia bem formada sobre o posicionamento de cada estado? A resposta está nos chamados “swing states”.

“Os swing states são estados os estados intermediários, onde verdadeiramente se disputam as eleições, onde há um certo equilíbrio, onde não se sabe se ganhará o republicano ou o democrata”, explica Vigevani. Estes estados são, geralmente, o foco da disputa final entre democratas e republicanos. São eles que pendem para uma cor ou outra.

Todo esse sistema possui tradição secular e diversos detalhes. Não existe uma organização nacional para as eleições, os estados decidem e, muitas vezes, o processo fica por conta dos próprios partidos. Tal modelo permite uma predominância estável da hegemonia bipolar republicanos/democratas. O surgimento de outro partido com tal força é praticamente impossível, embora legendas menores surgem e sejam extintas. Para exemplificar, o Partido Verde (Green Party), possui alguns governos locais, porém sem expressão para a presidência. “Existem inúmeros partidos, mas o sistema eleitoral potencializa, fortalece a bipolaridade. Romper a polarização é muito difícil, justamente pelas circunscrições eleitorais, elas canalizam a polarização entre duas grandes forças”, conclui Vigevani.