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Reformas tributária e trabalhista desafiam novo governo de El Salvador

Para economista, maior problema é que as grandes empresas privadas seguem sem investir no país e preferem mandar seu dinheiro para o exterior

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Rua de cidade do interior salvadorenho mostra bandeiras da FMLN. Expectativa dos mais pobres sobre o novo governo

San Salvador  – Na metade de 2009, quando o presidente Mauricio Funes assumiu, El Salvador já estava sofrendo os violentos embates da crise econômica mundial e de um modelo de desenvolvimento interno excludente e classista. Entre 2008 e 2009, o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 3,1% e as receitas fiscais, as exportações, o crédito, o consumo privado e até mesmo as remessas familiares, que em El Salvador representam a segunda maior fonte de divisas, se reduziam de forma acelerada.

Essa situação teve um impacto direto sobre o emprego, gerando um aumento significativo do desemprego e do subemprego. “O país estava estagnado e sem sinais de recuperação. Funes encontrou as reservas do Estado vazias e a necessidade de coletar 800 milhões de dólares para poder terminar o ano, honrando compromissos e dívidas herdadas das administrações passadas”, disse César Villalona, economista dominicano radicado em El Salvador.

A recuperação do comércio norte-americano e a austeridade orçamentária do novo governo, somadas à implementação de novos programas dirigidos à pequena e média empresa e à aplicação de estratégias econômicas e financeiras, permitiram a El Salvador uma lenta recuperação e um crescimento médio anual de 2%. “O país saiu do buraco e entrou em uma leve recuperação, reduzindo o déficit fiscal, aumentando as receitas públicas e reativando a economia. No entanto, o verdadeiro problema é que as grandes empresas privadas seguem sem investir no país e preferem mandar seu dinheiro para o exterior”, explicou Villalona.

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O economista dominicano Cesar Villalona

De acordo com dados do economista, entre 2001 e 2010, os oito grandes grupos econômicos salvadorenhos teriam tirado do país cerca de 8,7 milhões de dólares para investi-los no exterior. Apesar das limitações para levar adiante suas estratégias, o primeiro governo de caráter progressista da história de El Salvador aumentou sensivelmente o investimento social, sobretudo com programas dirigidos a reformar e melhorar a saúde e a educação.

Também investiu em obras públicas e na reativação da produção agrícola, privilegiando a pequena e a média empresa e as cooperativas agropecuárias. Isso permitiu reduzir sensivelmente a importação de alimentos, o desemprego e o subemprego.

De acordo com dados da Digestyc (Direção Geral de Estatística e Censo), entre 2009 e 2013, os lares que viviam na linha de pobreza foram reduzidos de 30% para 29% e os que viviam em pobreza extrema, passaram de 12% a 6%. “O futuro governo terá de manter essa linha progressista, tomando conta da macroeconomia ao mesmo tempo em que segue implementando os programas sociais, a redistribuição da riqueza e o apoio à pequena e à média empresa”, afirmou o economista.

Para fazer isso, Villalona acredita ser necessário aumentar as receitas públicas, ampliar o acesso ao crédito e reduzir o déficit fiscal, atacando com força a evasão de impostos – que está na casa do 1,7 milhão de dólares – e combatendo a “evasão legalizada” das exonerações fiscais. Além disso, deverá recuperar os quase 400 milhões de dólares das grandes empresas que endividam o Estado em termos de mora e promover uma reforma tributária progressiva.

Segundo a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), El Salvador continua sendo um dos países com a carga tributária mais baixa da América Latina, limitando o investimento estadual em obras e programas sociais e aumentando a dívida pública e o déficit fiscal. “Os neoliberais dizem que para eliminar o déficit é necessário reduzir o gasto público. Eu prefiro pensar que o verdadeiro desafio é dinamizar o mercado interno para que o Estado tenha mais dinheiro e possa ampliar o investimento público e seus programas”, afirmou Villalona.

Trabalhistas e sindicais

Quando, depois do primeiro turno eleitoral do último dia 2 de fevereiro, o Ministério do Trabalho salvadorenho informou que 164 empresas – incluindo 22 prefeituras – foram processadas por terem coagido seus trabalhadores a votarem em um determinado partido, em quase todos os casos no partido de oposição Arena (Aliança Republicana Nacionalista), ninguém se surpreendeu.

Para Gilberto García, coordenador do CEAL (Centro de Estudos e Apoio Trabalhista, na sigla em espanhol) essa situação anacrônica é reflexo de uma oligarquia empresarial salvadorenha que “não quer perder o controle econômico do país, nem muito menos pagar impostos. Pretende simplesmente voltar ao passado e parar a história.”

Durante os 20 anos de governos da direita salvadorenha, foram implementadas as receitas mais duras do modelo neoliberal. Depois da assinatura dos Acordos de Paz (1992), o partido Arena deu todas as facilidades para que o setor financeiro se impusesse à indústria nacional. “Dolarizaram a economia e entregaram as reservas internacionais aos bancos; substituíram a indústria nacional pela importação de bens e a instalação de empresas montadoras, e venderam os bancos a companhias estrangeiras, permanecendo como acionistas minoritários e administradores. Finalmente, se aliaram ao capital transnacional e todos os industriais se transformaram em importadores”, lembrou-se García.

Segundo ele, as dificuldades que o governo atual enfrentou e os desafios para o futuro têm a ver com elementos macroeconômicos e modelos de desenvolvimento, mas também com a necessidade de reformar a legislação trabalhista e garantir direitos trabalhistas e sindicais e um emprego digno. “O movimento sindical é um sobrevivente de 60 anos de ditadura militar, de 12 anos de conflito armado interno e de 20 anos de neoliberalismo. Precisamos de reformas profundas de toda a legislação que rege o emprego e o bem-estar social”, afirmou García.

Entre 2009 e 2013, foram criadas 13 mil novas empresas e gerados 113 mil novos empregos. No entanto, em El Salvador o emprego informal continua representando mais de 50% do total.

Entre os pontos mais urgentes a serem abordados pelo presidente que for eleito neste domingo (09/03), o especialista em questões sindicais aponta uma reforma legal-institucional que promova a negociação coletiva com as indústrias e que elimine os requisitos excessivos dos centros de trabalho. Além disso, “deve combater o antissindicalismo generalizado que existe no setor privado e promover um novo censo sindical nacional”, afirmou.

Atualmente, a taxa de sindicalização em El Salvador é de 7,38% da PEA (População Economicamente Ativa) e está concentrada no setor público. Além disso, no setor privado, somente 0,46% dos trabalhadores fazem parte da negociação coletiva. “Apesar de, nos últimos anos, ter havido um aumento na taxa de sindicalização, são necessárias reformas que permitam combater de frente o antissindicalismo e o que outorguem uma maior capacidade coercitiva às autoridades trabalhistas”, disse García.

O coordenador o CEAL pediu que o futuro governo condicione os incentivos econômicos previstos para as empresas ao respeito irrestrito das liberdades sindicais e dos direitos trabalhistas. “Os trabalhadores são vítimas de chantagem pela necessidade de trabalhar e pelo medo de serem objetos de ações de represália por se organizarem. O futuro governo deverá não apenas implementar a criação de emprego, mas promover o emprego digno, lutando contra as violações trabalhistas e sindicais que continuam acontecendo em El Salvador”, concluiu.