Cristina

Governo argentino tenta restabelecer confiança da sociedade em índice de inflação

Criação de nova estatística é um primeiro passo para admitir que há sete anos havia manipulação de dados e tentar garantir algum tipo de controle sobre alta de preços, agravada por especulação

DAVID FERNÁNDEZ/EFE

O governo se tornou um alvo fácil de consultorias e especuladores devido à manipulação

São Paulo – O lançamento de um novo índice nacional de inflação foi um primeiro e crucial passo dado pelo governo de Cristina Fernández de Kirchner para tentar restabelecer a confiança social dos argentinos nas estatísticas oficiais, e sem o qual não se poderia passar às próximas etapas, que consistem em melhorar a economia, especialmente no que diz respeito ao controle dos preços, que vem deteriorando o aumento de renda dos últimos anos.

Sem admitir a manipulação promovida desde 2007, a equipe econômica anunciou ontem (13) o Índice de Preços Nacional Urbano (IPC-NU). Na primeira medição, em janeiro, o IPC-NU detectou alta de preços de 3,7%, indicador claramente mais próximo da realidade mostrada pelo Índice de Preços ao Consumidor, até então a única estatística oficial, que no mesmo período indicou inflação de 1%.

Porém, o governo não deu o braço a torcer: não admitiu que há manipulações nas medições promovidas pelo Instituto Nacional de Estatísticas (Indec). A explicação é de que o novo índice será mais fiel por promover uma medição mais ampla, em 520 variedades de 159 produtos em seis regiões do país, contra uma amostragem menor utilizada no IPC, que além disso tomava em conta basicamente os dados da Grande Buenos Aires.

Com isso, o governo evita punições de organismos multilaterais, em especial do Fundo Monetário Internacional (FMI), que pretendia sancionar a Argentina pela manipulação de dados. Além disso, politicamente, ao restabelecer a confiança da sociedade no indicador, evita que as estatísticas de consultorias privadas, muitas vezes exageradas para cima, prevaleçam. “O desenho deste índice mostra às claras a complexidade, o que abarca e o que necessita em logística para medir adequadamente a estrutura de preços”, disse hoje o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich, durante entrevista coletiva na Casa Rosada.

A inflação se transformou em um grande problema político para Cristina. O passar dos anos não deixou dúvidas, nem mesmo entre os mais fiéis peronistas, de que havia uma séria manipulação sobre as estatísticas. Admiti-lo era um passo difícil de tomar, mas que se tornou inadiável devido à deterioração das condições econômicas em geral.

O fato de o governo trabalhar com estatísticas não confiáveis foi também um combustível a mais para o aumento de preços, à medida que facilitou a multiplicação de uma inflação “psicológica”, ou seja, em que se facilitou o mergulho do país em uma espiral inflacionária provocada por especulação, que por sua vez agravou problemas econômicos que acabaram provocando mais pressão sobre os preços, o que facilitou o reajuste de preços por especulação.

Os controles impostos pela gestão de Cristina a partir do ano passado sobre o dólar também serviram de combustível neste sentido. A formação de um mercado paralelo capaz de especular e pressionar o preço da divisa no mercado oficial conduziu a novos problemas para o governo, agravando a inflação à medida em que mexeu com a balança comercial.

Em seu segundo mandato, iniciado em 2011, a presidenta lançou mão de uma série de medidas para tentar controlar os preços. Chegou a ser criada uma confecção própria de roupas e sapatos na tentativa de estabelecer uma média para os valores dos produtos e se avançou na ideia de abrir uma bandeira própria de cartão de crédito capaz de cobrar juros e tarifas mais baixos que os das operadoras tradicionais.

Um dos instrumentos mais importantes na tentativa de controlar os preços foram acordos setoriais com as maiores redes de lojas do país e com os donos dos mercados “chinos”, relevantes em grandes centros urbanos – controlados por chineses, daí o nome. Mas também esse terreno se mostrou fértil para a especulação e para o descumprimento dos convênios firmados com o governo, já que se tratava de uma estratégia difícil de controlar.

Agora que o governo admite uma inflação mais alta terá de lidar com uma outra dificuldade: é possível que novamente comerciantes aproveitem para especular em torno desse índice mais alto. E será preciso esperar para saber se frente a esse quadro o governo manterá as estatísticas dentro de padrões confiáveis ou se apelará a novas manipulações.

“Não é a todos que satisfaz porque sempre estão as críticas de tecnicismos absurdos ou de caráter infundado”, criticou hoje Capitanich, para quem as consultorias privadas que estabelecem índices paralelos são “agentes encobertos da oposição política ou grupos midiáticos concentrados”.

Na mesma linha foi o ministro da Economia, Axel Kicillof, que considerou a inflação de janeiro “um fenômeno fora do comum” e tentou convencer a população de que daqui por diante é esperada uma queda no ritmo. Ele culpou as empresas por tentar assustar as pessoas, tentando “semear o terror”, e afirmou que o governo conseguiu frear tentativas de desestabilizar a presidenta.

“Querem o plano sempre da direita, que é a redução do gasto público. Que falem a verdade às pessoas e digam que coisas querem reduzir. Querem cortar as aposentadorias, baixar os benefícios sociais?”, indagou. “As manobras especulativas são claras e o governo só está trabalhando para defender o bolso, o forno e a geladeira das pessoas. Estou disposto a discutir, mas precisamos de opiniões sérias.”