Alívio

Justiça equatoriana ratifica condenação contra Chevron, mas reduz multas pela metade

Condenada em 2011 a pagar indenização de US$ 18 bilhões, empresa agora terá de pagar apenas US$ 9 bilhões. Pedido inicial das vítimas da contaminação ascendia a US$ 27 bilhões

Guillermo Legaria/EFE

Após deixar rastro de contaminação no Equador, empresa vai se livrando de punições

São Paulo – A Corte Nacional de Justiça do Equador ratificou na última terça-feira (12) sentença emitida em 2011 por um tribunal regional do país, e que responsabiliza a companhia petrolífera Chevron pela contaminação ambiental que assola a porção nordeste da Amazônia equatoriana há mais de 40 anos.

Os integrantes da suprema corte de justiça, no entanto, reduziram pela metade o valor da indenização que a empresa deverá desembolsar apenas para limpar os milhões de litros de petróleo e rejeitos tóxicos que despejou na floresta entre 1964 e 1992, período em que recebeu licenças governamentais para explorar as jazidas na província de Sucumbíos. A contaminação é responsável, entre outros problemas sociais, por um índice de câncer duas vezes maior do que no resto do país.

Leia também:

De acordo com a decisão, que esgota todas as possibilidades de recurso dentro do Equador, a Chevron terá de pagar uma multa de US$ 9,5 bilhões – metade do que havia sido estabelecido há quase três anos. Isso porque a corte suprema desconsiderou uma espécie de “castigo” que o juiz de Sucumbíos havia imposto à empresa quando emitiu seu parecer sobre o caso.

Na época, além de ter sido obrigada a pagar uma indenização de US$ 9,5 bilhões, a companhia fora condenada a pedir desculpas públicas à população equatoriana e aos mais de 30 mil camponeses e indígenas que sofrem diariamente com os efeitos da exploração irresponsável conduzida pela Chevron na Amazônia. Como os executivos se recusaram a pedir perdão, o valor da multa foi dobrado: subiu para US$ 19 bilhões, montante muito inferior aos US$ 27 bilhões pedidos no início da ação. Agora, a corte equatoriana liberou a Chevron da necessidade de se desculpar.

Frustração

“É uma decisão que já esperávamos, e que de maneira nenhuma nos surpreende, porque estamos respaldados pela verdade. A evidência científica que ratifica os danos causados pela companhia é abrumadora e não deixa qualquer dúvida”, disse ao jornal quitenho El Comercio um dos advogados da Frente de Defesa da Amazônia, Pablo Fajardo, que acompanha voluntariamente o caso desde o começo.

Com a sala abarrotada de pastas repletas de evidências e perícias e testemunhos dando conta da tragédia provocada no país pela Chevron, e com a experiência de quem sofreu na pele os efeitos da contaminação, Fajardo não parece muito satisfeito com a decisão da suprema corte equatoriana. “É uma pena que tenham se eliminado os danos punitivos, que era uma forma de castigar a má-fé processual com que a empresa atuou.”

A Chevron, obviamente, criticou a decisão do supremo equatoriano. “A sentença de Sucumbíos é tão ilegítima e inexequível hoje quanto tem sido desde o dia em que foi emitida, há quase três anos”, disse o porta-voz da empresa para a América Latina, James Craig, de acordo com o portal Ecuador Inmediato.

A companhia, que questiona nos tribunais dos Estados Unidos a legitimidade da decisão equatoriana, defende que a justiça do país deveria ter declarado nula a condenação. E isso apesar de todas as evidências. “A única decisão adequada que a corte poderia ter tomado sobre o recurso apresentado pela Chevron seria declarar nulo o processo e deixar sem efeito a ilegítima sentença.”

Apesar do pronunciamento da corte suprema do Equador, a Chevron dificilmente pagará a indenização de US$ 9 bilhões porque não possui qualquer ativo econômico ou financeiro no país. Por isso, desde o ano passado, os advogados que lutam contra a empresa estão pedindo à justiça de outros países – como Canadá, Argentina e Brasil – para que assumam a sentença proferida pelos tribunais equatorianos e executem as subsidiárias da Chevron instaladas em seus territórios. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, tem esse pedido em mãos há mais de um ano. É a maneira que as vítimas encontraram para que a companhia não saia impune.

Histórico

A Chevron foi considerada culpada por despejar aproximadamente 66 bilhões de litros de petróleo e demais elementos tóxicos na Amazônia equatoriana. Como consequência, o solo, os lençóis freáticos e os cursos d’água ficaram permanentemente contaminados. A empresa, que na época atendia pelo nome de Texaco, também foi condenada por ter aberto na floresta mais de mil piscinas onde lançou todo tipo de rejeito químico proveniente da extração petrolífera. Muitas permanecem ao ar livre até hoje. Outras foram soterradas e voltaram a brotar.

Foram quase 30 anos de prospecções, que renderam à empresa 1,7 bilhão de barris de petróleo. Nesse intervalo, dois povos indígenas (tetetes e sansahuaris) simplesmente desapareceram. Em 2009, a Revista do Brasil visitou Shushufindi, uma das cidades diretamente afetadas pela atuação da Chevron, e constatou o tamanho da tragédia. As cifras da violência são altíssimas para um município eminentemente rural de 18 mil habitantes, e o hospital local não vence tratar todos os casos de gastroenterite causados pela ingestão de água repleta de metais pesados.

Após alguns anos distante do caso, o presidente do Equador, Rafael Correa, voltou a fazer campanha de marketing contra a Chevron, exigindo que a empresa pague pelos danos sociais e ambientais que causou na Amazônia. O governo equatoriano está irritado com a postura da companhia, que tenta se esquivar da justiça acusando Rafael Correa de manipular os tribunais do país e atentar contra a independência dos juízes. Na visão da empresa, isso invalidaria as decisões que lhe desfavorecem.

Brasil

Essa não é a primeira vez – nem o primeiro país – em que a Chevron consegue aliviar punições judiciais recebidas após desastres ambientais. Ou mesmo escapar das sentenças. Um dos casos mais recentes ocorreu no Brasil. A empresa provocou um acidente geológico no Campo de Frade, na Bacia de Campos, que em novembro de 2011 acarretou no vazamento de 3,7 mil barris de petróleo na costa fluminense. Novos derramamentos voltaram a ocorrer em março de 2012, e indícios revelam que o petróleo continua escorrendo até hoje.

As ameaças de expulsar a Chevron do país, suspender suas atividades, processá-la e aplicar-lhe uma multa de R$ 20 bilhões pelos danos causados ao ecossistema marinho se reduziram a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 13 de setembro pelo Ministério Público Federal (MPF), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O protocolo determina que a Chevron terá de pagar R$ 95 milhões em compensações socioambientais, além das multas de R$ 25 milhões e R$ 42 milhões que já havia destinado, respectivamente, aos cofres da ANP e do Ibama. No total, considerando-se o desconto de 30% que a empresa pode conseguir junto às autoridades, como ocorreu nas indenizações anteriores, os vazamentos no Campo de Frade implicarão em punições inferiores a R$ 150 milhões: menos de 1% do valor inicialmente pretendido pelo MPF.