Nos EUA

Em resposta a espionagem americana, Dilma defenderá na ONU internet livre

Neutralidade da rede e governança multissetorial da rede mundial estarão entre os temas defendidos pela presidenta em seu discurso na abertura da assembleia geral das Nações Unidas na próxima semana

Roberto Stuckert/Planalto

Tradicionalmente, cabe ao Brasil o discurso de abertura na Assembleia Geral das Nações Unidas

São Paulo – A defesa de uma internet livre será um dos destaques do discurso da presidenta Dilma Rousseff na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, na próxima semana. Será mais uma demonstração da importância que o tema ganhou na agenda do Planalto após as denúncias de que o esquema de espionagem da NSA, agência de segurança da Casa Branca, rastreou comunicações pessoais de Dilma.

Esse foi um dos pontos mais abordados pela presidenta durante a reunião que realizou na segunda-feira (16) com membros do Comitê Gestor da Internet (CGI), entidade de governança da internet brasileira que reúne representantes de governo, setor empresarial, sociedade organizada e da comunidade acadêmica.

Ainda antes do encontro, Dilma afirmou a jornalistas que iria abordar em seu discurso a espionagem norte-americana, que a levou a cancelar a visita que faria a Barack Obama em outubro. Em entrevista concedida na sala VIP do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, Dilma destacou que seu discurso vai salientar a necessidade de se manter a neutralidade da rede mundial de computadores e a proibição de usar a internet para ações de espionagem. Segundo ela, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já foi informado do teor do discurso.

De acordo com Veridiana Alimonti, uma das representantes da sociedade civil no CGI, Dilma se mostrou muito interessada nos detalhes do modelo apresentado e nas discussões sobre governança internacional da internet que ocorrem em diversos fóruns. “Ressaltamos a importância de uma governança da internet que contemple todos os setores e que leve em conta a experiência que o CGI já tem aqui no Brasil há tanto tempo. Também há a necessidade de que a internet seja regida por princípios, como o próprio decálogo que o CGI aprovou, em 2009, que chegou a inspirar o Marco Civil da Internet”, relata a conselheira.

Veridiana destacou que já existe uma discussão para o estabelecimento de uma governança multissetorial em nível internacional para a internet, iniciada na Cúpula Mundial sobre a Sociedade de Informação da ONU. “Tem um processo que acontece em fóruns organizados dentro do sistema ONU de pensar uma governança da internet multissetorial e que também seja mais equilibrada entre os países”, explica.

Apoio à neutralidade da rede

O governo brasileiro também trabalha para desenvolver o tema internamente, como demonstra o pedido de urgência na tramitação do projeto de lei que cria o marco civil da internet, emitido pelo Planalto na semana passada. A própria reunião com o CGI, que contou com a presença de sete ministros, foi uma demonstração da virada na pauta.

“Nós não tínhamos, até então, tido uma reunião com a presidenta no governo Dilma”, conta Veridiana. “Essa movimentação, em si, já foi muito importante para que nós pudéssemos apresentar algumas questões sob a nossa perspectiva. Isso mostra que o governo está tratando as diversas questões com relação à internet como prioridade, e é claro que tem relação com os recentes acontecimentos.”

Segundo a conselheira, a presidenta afirmou que o governo está disposto a defender a neutralidade da rede, mas destacou a importância de ter o apoio do CGI, porque há desafios pela frente, como a possibilidade de emendas que alterem o texto a pedido das empresas de telecomunicações.

Os conselheiros criticaram o parágrafo segundo do artigo 15 do Marco Civil, que cria uma exceção para que as violações de direitos autorais sejam retiradas do ar sem necessidade de decisão judicial. “No momento em que falamos que o artigo estimulava a retirada de conteúdo sem ordem judicial, ela não gostou muito”, relata Veridiana.

Os membros do CGI defenderam que o tema não seja tratado no marco civil, que já define que sejam seguidas legislações em contrário. “No caso de responsabilidade de conteúdos por terceiros, não é só direitos autorais que é uma questão. Tem outros casos de legislações específicas com relação a racismo, crime contra a honra etc.”

Outra preocupação manifestada foi em relação à proposta de incluir no marco civil a obrigatoriedade de armazenamento de dados em servidores localizados no território brasileiro. “Existe alguma controvérsia em relação a isso, primeiro porque, em termos de espionagem, isso não é muito efetivo porque há outras formas de se capturar dados. Pelo próprio tráfego dos pacotes na rede as empresas de telecomunicações conseguem fazer isso. Ou se os dados estiverem armazenados aqui e espelhados fora as empresas também conseguem”, explica.

Além disso, há preocupação a respeito da lei brasileira, que não é clara em relação à privacidade dos usuários. “Você estaria guardando os dados aqui, só que nós não temos muitos parâmetros definidos para a proteção de dados pessoais. Nesse sentido, nós colocamos na reunião que seria mais interessante que essa discussão do armazenamento de dados não fosse feita no marco civil, mas em um outro projeto de lei que ainda está no governo, que é o anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais. Nele, ela poderia ser feita com mais cuidado, com questões mais técnicas, e também porque viria, junto com ele, um regime de proteção de dados”, defende Veridiana.