Direitos humanos

Dia dos Refugiados: Brasil elabora plano nacional para pessoas em deslocamento forçado

Da chegada nos aeroportos até a conquista do direito ao refúgio, pessoas em deslocamento forçado sofrem uma série de dificuldades

Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Burocracia e xenofobia são alguns dos percalços enfrentados por refugiados em todo o mundo

Porto Alegre – A cada minuto duas famílias se tornam refugiadas vítimas de algum  conflito no mundo. Cerca de 45 milhões de pessoas estão em situação de deslocamento forçado, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados no Brasil (Acnur-Brasil). O número é o maior dos últimos 20 anos. São pessoas que deixaram o país de origem pelo terror de perseguições ou guerras e não podem mais voltar. Síria, Mali, Sudão do Sul e República Democrática do Congo são os países onde há mais refúgio.

O Brasil reconheceu 4.338 refugiados, mas a estimativa é de que o número de pessoas que busca abrigo no país seja maior, devido ao processo de autorização levar até quatro anos. A demanda sobrecarrega entidades que trabalham no acolhimento destas pessoas e evidencia a necessidade de criação de políticas públicas por parte dos estados. Neste dia 20 de junho, Dia Mundial dos Refugiados, a boa notícia é que órgãos e entidades brasileiras já trabalham na criação de um Plano Nacional para Refugiados.

A Lei Nacional de Refugiados (Lei 9.474) existe desde 1997, mas o tema começou a ser enfrentado pelas autoridades de forma mais contundente a partir de 2002, diz a representante da Associação Antônio Vieira (Asav), Karin Kaid Wapechowski. Segundo ela, os crescentes conflitos nos países do Oriente Médio aumentaram a demanda e também contribuíram para que a pauta se tornasse mais visível às autoridades.

Desde a chegada nos aeroportos brasileiros até a conquista do direito ao refúgio, as pessoas em deslocamento forçado sofrem uma série de dificuldades que vão desde a língua local até a falta de abrigo, comida e acesso a serviços de saúde.A falta de conhecimento dos profissionais da rede pública sobre o direito destes cidadãos em serem tratados como qualquer outro nascido no Brasil também contribui para a exclusão dos refugiados, explica a defensora pública da União, Laura Zacher. Ela defende que não tem sentido ser negado o atendimento no SUS. “A legislação brasileira permite que eles trabalhem mesmo antes de sair a resposta do pedido de refúgio. Não tem porque não terem os outros direitos essenciais”, afirma.

A oficial do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados no Brasil (Acnur-Brasil), Renata Teixeira Pires, explica que um problema constante na relação dos refugiados para serem reconhecidos pela sociedade brasileira é a desinformação. “O papel do pedido de refúgio é o único documento que os garante a legalidade dentro do país e, se tu olhares um, verás como é um papel simples. A maioria das pessoas não conhece este documento, não sabe o que fazer diante de um. Além de ser algo muito simples mesmo, fácil de ser confundido com um simples papel”, diz.

Além do documento de refúgio, a xenofobia também reduz as possibilidades de emprego e condições dignas de sobrevivência nos países que buscam como opção de vida. “O Brasil é o único país que ainda permite que o refugiado trabalhe mesmo antes de adquirir o reconhecimento refúgio pelo governo federal. Mas, é preciso qualificar as pessoas para que pessoas boas não deixem de ser aproveitadas em postos de trabalho”, fala Renata.

O diagnóstico sobre a realidade de refugiados no Brasil não é discriminado por estado. Existem apenas estimativas de percentuais em cada região devido aos pedidos de reconhecimento de refúgio. Oriundos de 70 nacionalidades, os refugiados no Brasil estão em sua maioria nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Apenas 6% escolheram vir par o Rio Grande do Sul, mas ainda assim, o estado gaúcho elabora propostas para agregar ao plano nacional em elaboração no Conselho Nacional para os Refugiados em parceria com a Acnur-Brasil.

Na terça-feira (18), a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Porto Alegre reuniu as entidades e órgãos governamentais municipais e estadual para debater o tema. O grupo trocou experiências e fez proposições para a criação de políticas públicas que visem fundamentalmente o acolhimento e moradia para os refugiados. “Muitos chegam sozinhos, deixando as famílias para trás”, lembrou Laura Zacher, da Defensoria Pública da União. “Como o Estado permite a vinda dos familiares, temos que dar as condições necessárias para que isso aconteça. Muitas vezes, essas pessoas parecem invisíveis. Mas nosso trabalho é fazer com que elas se tornem visíveis para o Estado brasileiro”, disse. “Essa diversidade será muito positiva para toda a sociedade”, concluiu.

O programa Minha Casa, Minha Vida foi citado pela defensora federal como um direito de moradia aos refugiados. Porém, ela explica que, mesmo se enquadrando na faixa dos necessitados do programa, a Caixa Econômica Federal não inclui os refugiados no benefício. “Existe um boato de que são as prefeituras que não liberam e que não é verdade. A  CEF até hoje não deu resposta oficial do porque não permite o acesso dos refugiados sem o papel do reconhecimento. Eles dizem que é porque eles podem ir embora. Mas não tem como, eles são deslocados de forma forçada. Não tem como voltar”, defende.

A Acnur realiza uma iniciativa de reassentamento dos refugiados em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Amazonas e outros estados parceiros. Desde 2002, 560 pessoas já foram reassentadas, sendo 259 no Rio Grande do Sul. O fundo da Acnur também auxilia no financiamento de projetos voltados a políticas públicas que proponha soluções duradoras. “Qualquer iniciativa que for sugerida para casa de acolhimento deve levar em conta as especificidades dos refugiados. Não podemos colocar uma muçulmana no mesmo abrigo com outros homens. Ter a sensibilidade de não separar famílias também”, disse Renata Pires.

As sugestões do grupo gaúcho serão elaboradas em novos encontros e enviadas para a Acnur até julho, quando acontece reunião com o Conare. Para sensibilizar também a sociedade os refugiados para além das estatísticas, a Acnur lançou a campanha “1 Família”, que retrata pessoas que deixaram de forma forçada o país de origem e, às vezes, só tem tempo de pegar algum pertence ou objeto de valor pessoal. Nas imagens, meninas com vestidos de 15 anos, casais com fotos de família, crianças com revista em quadrinhos ou jovens com a foto de um amigo que conseguiu auxiliar a cruzar alguma fronteira convidam a reflexão sobre o que faríamos se fosse algum de nós que tivesse que deixar tudo para trás de uma hora para outra. No site, é possível fazer a própria foto com algum pertence.