Às vésperas da exumação de Neruda, PC chileno questiona isenção de perito

Germán Tapia Coppa assinou documento em 2012 dizendo que a causa da morte tinha sido um câncer de próstata

Santiago – Marcada para esta segunda-feira (8), a exumação dos restos do poeta chileno Pablo Neruda foi questionada pelo Partido Comunista do país – do qual Neruda era militante –, que criticou a formação da equipe. Serão ao todos 14 peritos, nomeados pelo Serviço Médico Legal do Chile (SML). Isso porque um dos integrantes é Germán Tapia Coppa, que em março de 2012 publicou documento atestando que a causa da morte tinha sido um câncer de próstata, descartando necessidade de exumação.

O PC chileno tentou barrar Tapia Coppa, mas o pedido foi negado pela Corte de Apelações de Santiago. Segundo Eduardo Contreras, advogado que representa o partido, a escolha é controversa. “Embora não exista uma norma, é comum em casos como este que a opção seja por profissionais que ainda não se pronunciaram, porque possuem uma visão menos comprometida com uma tese”, disse.

Em resposta ao PC, o ministro Mario Carroza, da Corte de Apelações de Santiago, afirmou que Tapia Coppa será mais um dos peritos do processo, “dentro de uma equipe que conta com profissionais chilenos e estrangeiros, e que tanto o PC quanto a família levarão peritos observadores para avaliar o procedimento”.

Ao contrário de Tapia Coppa, o PC não tem nenhuma objeção sobre Carroza, que já comandou outros dois casos de vítimas da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990): o do general Alberto Bachelet, pai da ex-presidenta Michelle Bachelet, e o do presidente Salvador Allende, cuja tese de que havia se suicidado durante o bombardeio ao Palácio de La Moneda, em 11 de setembro de 1973, era questionada.

Neftalí Reyes Basoalto, conhecido como Pablo Neruda, morreu em um leito da Clínica Santa María em 23 de setembro de 1973 – 12 dias após o golpe. Na mesma noite, militares invadiram sua casa em Santiago, levaram documentos, destruíram parte da biblioteca e alguns pertences, como quadros, vasos e móveis.
 
No atestado de óbito – assinado por um médico ligado ao regime militar –, consta como causa da morte a metástase de um câncer na próstata. A versão nunca foi contestada, até que em novembro de 2011, relato de Manuel Araya, assessor pessoal de Neruda, revelou que ele foi assassinado com uma injeção letal, aplicada por agentes da ditadura.

Segundo Contreras, em um primeiro momento “vimos [o relatório] com certa desconfiança, mas com o tempo fomos vendo que o depoimento de Araya é confirmado pelas evidências que a investigação foi encontrando”. Entre elas, a de que o jornal El Mercúrio publica a notícia afirmando que “a morte ocorreu devido a efeitos colaterais ocorridos após a aplicação de uma injeção para acalmar suas dores”.

A reportagem foi a primeira prova a favor da versão de Araya, pois confirmava que houve uma injeção. A Clínica Santa María alega que não possui nenhum antecedente médico de Neruda em seus arquivos, “o que é estranho, por se tratar de uma figura dessa importância”, opina Contreras, além de impedir “maiores certezas sobre os procedimentos que se realizaram naqueles dias”.

Outra evidência importante é a contradição entre os depoimentos de Sérgio Draper, médico da clínica. Em entrevista ao Mercurio, em 1976, ele afirmou ter estado “com Neruda durante seus últimos minutos, enquanto agonizava”. Porém, para a atual investigação, Draper disse ter deixado a clínica ao meio-dia, muitas horas antes do falecimento, e relatou que o médico encarregado do poeta, e que teria decidido aplicar a injeção, se chamava “Doutor Price”.

Testemunha inusitada

Outro fator positivo para a versão de Araya é que a grande maioria dos depoimentos dos que estiveram com Neruda em seus últimos dias relata que ele demonstrava boa aparência e estava disposto a denunciar a ditadura em instâncias internacionais. “Uma iniciativa que não condiz com a de uma pessoa enfraquecida por um câncer terminal”, sublinha Contreras. O advogado conta que as únicas pessoas que teriam visto Neruda doente foram as impostas à investigação pela Fundação Neruda.

Gonzalo Martínez, que na época era embaixador do México no Chile, confirma o desejo de Neruda de denunciar os crimes.  Ele contou em depoimento que embaixada mexicana já havia preparado um voo para o poeta e a esposa em 25 de setembro, a convite do presidente do México na ocasião, Luis Echeverría.

Outro depoimento reforçou a tese de que vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1972 não estava doente. Em uma entrevista, Araya disse que Neruda estava tão bem disposto que ele precisava levá-lo quase que diariamente à casa de uma sobrinha de Matilde Urrutia, sua terceira esposa. O poeta ia escondido, porque tinha um romance com a jovem.

O relato, com potencial de criar um escândalo familiar, trouxe novos ingredientes para o caso. Alícia Urrutia se apresentou voluntariamente e confirmou a Carroza que teve um caso com Neruda em 1973. Os dois mantiveram relações sexuais poucos dias antes do golpe. Ela contou que, na época, não percebeu qualquer diferença na saúde do poeta.