Visita de Obama indica atenção maior dos EUA à América Latina e ao Brasil

Na última década, região ficou em segundo plano. Aumento da importância não significa, porém, prioridade

Visita de Obama durante crise política no Oriente Médio mostra mais peso para a América Latina (Foto: Jim Young/Reuters)

São Paulo – Após quase dez anos em que a maior parte das atenções dos Estados Unidos estiveram direcionadas ao Oriente Médio e a questões de segurança, a visita de Barack Obama a países da América Latina indica uma mudança na política externa da Casa Branca. Segundo analistas, a visita iniciada pelo Brasil neste sábado (19), incluindo também Chile e El Salvador, é uma tentativa de aprofundar laços e de convencer os países da região de que as intenções de Obama são, de fato, de promover uma “parceria entre iguais”, como ele próprio sugeriu na Cúpula das Américas de 2009.

Para Charles Kupchan, professor de Relações Internacionais da Georgetown University, a ordem na qual os Estados Unidos comandaram sozinhos a agenda mundial chegou ao fim. Para ele, a Casa Branca tem condições de seguir forte por algum tempo, mas terá de se abrir ao diálogo com as demais nações. “Obama tem um histórico diferente, uma postura diferente da que tinham os outros presidentes dos Estados Unidos. Isso oferece uma nova perspectiva para o Brasil e para o mundo.”

O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim prefere não analisar pormenorizadamente a visita de Obama, mas lembra que é a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos vem ao Brasil em um momento em que ocorre uma crise em outra parte do mundo – no caso, nas nações árabes.

Esse fato por si só indica que a diplomacia estadunidense reconhece a existência de uma ordem multipolar, o que seria impensável na virada do século. “Os Estados Unidos não têm a capacidade nem o interesse de ser a única potência do Oriente Médio”, resume. Ele pondera que o Brasil deve ter um papel ativo na solução dos problemas naquela região: “A ordem mundial está uma bagunça e alguém precisa colocar ordem na casa”.

Desde 2003, quando as negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) foi abandonada por resistências de países como Brasil e Argentina – que fizeram questão de negociar em bloco –, a região passou a merecer menos atenção dos funcionários do serviço diplomático a serviço de Washington.

A Guerra ao Terror, movida pelo ex-presidente George W. Bush com alvo no Oriente Médio, contribuiu para esse resfriamento, segundo analistas. Nesse intervalo, houve acordos bilaterais dos EUA firmados com Peru, Colômbia e Panamá, embora estes dois últimos não tenham sido aprovados pelo Congresso americano.

Além disso, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva promoveu uma expansão nas relações Sul-Sul, o que quer dizer priorizar nações como China, Venezuela e Irã. A diversificação de parcerias comerciais é defendida como forma de evitar uma dependência excessiva de uma única potência e foi parte da resposta mais rápida do país à crise financeira internacional de 2008 e 2009, que teve nos Estados Unidos sua origem e epicentro.

Em 2010, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro, o país exportou mais para a China do que para os EUA – 15,2% ante 9,6%, respectivamente. Nas importações, os itens norte-americanos ainda são 15%, contra 4,1% chineses. Apesar disso, em valores, as transações dobraram, alcançando US$ 46,7 bilhões.

Apesar de não haver indicações de mudanças na política externa, Dilma Rousseff ofereceu sinais de que quer trabalhar com Obama para reverter o declínio relativo no comércio bilateral durante os últimos anos e explorar outras iniciativas que, segundo ela, podem ajudar o Brasil a se tornar um país de classe média até o fim desta década.

Dilma declarou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que pretende demandar vagas para brasileiros em universidades de ponta dos EUA para cursos de exatas. Por meio de bolsas de estudo oferecidas pelo governo federal, seria um investimento em formação de profissionais qualificados.

Obama, por seu lado, tem interesse em ampliar as exportações dos Estados Unidos como forma de combater os altos índices de desemprego que enfrenta. Ao assumir, nomeou Arturo Valenzuela como encarregado da América Latina no Departamento de Estado, uma figura experiente e mais qualificada do que seus antecessores da Era Bush. No Brasil, o nomeado para comandar a Embaixada foi Thomas Shannon, de longa trajetória diplomática e que, antes de vir a Brasília,  havia sido secretário de Estado para o Hemisfério Ocidental.

A visita deste fim de semana pode ser vista como um sinal do interesse do mandatário da Casa Branca de aproveitar o momento favorável nas relações, especialmente em um contexto em que o Brasil é a oitava economia do mundo, com perspectiva de crescimento sustentável pelos próximos anos.

Mas questões domésticas podem reduzir essa importância a apenas esta viagem, a exemplo do que ocorreu com encontros entre chefes-de-Estado. O fato de não ter maioria no Congresso e precisar aprovar o orçamento anual além de ter de buscar forças para a disputa de sua reeleição no próximo ano fazem alguns analistas acreditarem que a América Latina ficaria em segundo plano.

Sem corte de taxas

Reuniões preliminares entre diplomatas dos dois países indicam que poucos avanços em termos de redução de tarifas de importação do etanol brasileiro serão alcançados nesta visita. Tampouco há disposição de Brasília em oferecer mais acesso ao mercado consumidor nacional. A tônica dos termos assinados deve envolver trocas tecnológicas em áreas como a petrolífera, agrícola e de satélites.

“Essa visita é para Obama dizer ao sistema político americano que um Brasil bem sucedido e forte é bom para os Estados Unidos”, defende Matias Spektor, especialista em relações Brasil-EUA da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. “Esse argumento não é óbvio. Muitas pessoas não acreditam nisso em Washington”, disse à agência Reuters.

A delegação inclui diversos secretários – de Comércio, Gary Locke, de Energia, Steven Chu, e o representante comercial dos EUA, Ronald Kirk. Além disso, há representantes de 60 empresas, majoritariamente do setor de infraestrutura e energia. O número não é tão expressivo quanto o de visitas a China e Índia, mas muitos deles devem permanecer mais no Brasil antes de se juntar a Obama no Chile.

Na prática, isso poderia significar expandir o déficit brasileiro no saldo comercial com os EUA. Há cinco anos, o Brasil tinha US$ 9 bilhões de superávit, mas o cenário foi revertido em favor da potência, em função principalmente da desvalorização do dólar frente ao real. Atualmente a diferença entre importações e exportações batem em US$ 7,7 bilhões a favor dos Estados Unidos.