América Latina tem fim de semana de eleições

Honduras vai a pleito desacreditado internacionalmente por golpe de Estado e Uruguai caminha para manutenção da atual coalizão

Charge de Allan McDonald ironiza a situação em Honduras: “Para que serve o voto?”. Esta semana, centenas de candidatos renunciaram por conta da não-restituição do governo legítimo (Imagem: HablaHonduras)

A América Latina tem neste fim de semana duas das mais importantes eleições da temporada continental. Honduras e Uruguai abrem caminho para Chile, Bolívia, Colômbia e Brasil, que também definem novos presidentes ao longo deste e do próximo ano.

Se a votação em Honduras inicialmente passaria quase desapercebida no restante do mundo, o golpe de Estado contra o governo legítimo de Manuel Zelaya tratou de dar novas cores ao evento de domingo (29). O regime golpista conseguiu aquilo que esperava desde o começo: ganhar tempo, evitando o retorno do presidente eleito ao poder.

Agora, a aposta é de que, depois da votação, o próximo governo assuma legitimado pelo apoio internacional. O reconhecimento do processo eleitoral pelos Estados Unidos foi um passo fundamental, que trouxe consigo o apoio de outras nações, como o Peru, sempre alinhado com a Casa Branca.

Mas se trata de uma conduta arriscada na avaliação de Rafael Villa, professor da Universidade de São Paulo (USP). Ele entende que a decisão do governo Barack Obama, sob pressão do Congresso e do Departamento de Estado, dá aval às regras estabelecidas por um governo que não é legítimo.

Do outro lado, o Brasil comanda o bloco das nações que não reconhecem sob hipótese alguma a eleição. A posição foi reafirmada esta semana pelo chanceler Celso Amorim, pelo porta-voz da presidência, Marcelo Baumbach, e pelo assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, para quem os golpes “preventivos” podem se tornar corriqueiros caso se legitime o próximo governo de Honduras sem o retorno de Zelaya ao poder.

Rafael Villa avalia como acertada a posição brasileira porque, ao mesmo tempo em que reafirma a autonomia em relação aos Estados Unidos, respalda o cumprimento das normas democráticas. “O Brasil espera também tirar proveito disso no futuro porque, se vier a acontecer outra tentativa de golpe, certamente os Estados Unidos terão responsabilidade por isso. O Brasil está agindo preventivamente”, afirma.

A União de Nações Sul-americanas (Unasul), que teve reunião nesta sexta-feira (27) em Quito, no Equador, manifestou que também não reconhecerá a votação de domingo – além do Peru, que já havia dado apoio à eleição, a Colômbia não participou do encontro.

Em visita a Bruxelas, o equatoriano Rafael Correa pediu que a União Europeia siga a decisão sul-americana e não dê respaldo ao processo caso “realmente esteja com a democracia”. Ele avalia que “se permitimos isso no século XXI, então permitimos qualquer coisa”.

Com tantas discussões, o cenário eleitoral em si fica para segundo plano. De acordo com os levantamentos existentes, o candidato conservador Porfírio Lobo é o favorito para chegar ao poder e estabelecer a ordem quebrada por Zelaya. Honduras vive uma espécie de bipartidarismo controlado por umas poucas famílias, um sistema que teve vigência inabalada até os últimos meses. Foi quando o presidente legítimo, ao dar-se conta dos problemas do país, resolveu aliar-se aos projetos em curso na América do Sul, com tentativa de distribuição de renda e maior participação popular.

Abrigado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa há várias semanas, Zelaya acredita que caberá aos tribunais internacionais o julgamento de seu caso, hipótese considerada pouco provável por analistas que entendem que, ainda que houvesse uma condenação aos golpistas, o cumprimento da medida seria difícil.

Enquanto isso, Porfírio Lobo, derrotado na eleição de 2005 pelo deposto, acena ao Brasil afirmando querer ajuda do país para sair da crise. Em entrevista à imprensa internacional, o candidato do Partido Nacional de Honduras afirmou ser admirador do governo brasileiro. “Estaremos batendo à porta do presidente Lula e de todos para restabelecer canais de amizade com todas as nações”, disse.

Uruguai

No Uruguai, a situação é mais tranquila e o cenário está próximo de definição. O candidato governista José Pepe Mujica, da liberal Frente Ampla, tem em torno de 50% dos votos, de acordo com as últimas pesquisas.

Ele deve vencer neste segundo turno o conservador Luis Alberto Lacalle, candidato que se queixou de interferência do Brasil no processo eleitoral. Lacalle se refere à visita do petista Olívio Dutra ao país esta semana. Dutra esteve reunido com Mujica e afirmou ao candidato que o presidente Lula deseja a permanência da esquerda na presidência do Uruguai.

Para Rafael Villa, o apoio de Lula está longe de se constituir em uma ingerência externa, ainda que o brasileiro tenha um peso grande no continente. “Embora a eleição se decida em fatores internos, a possibilidade de um relacionamento mais afinado com o Brasil é importante”, pensa.

A Frente Ampla chegou ao poder em 2004, primeira vez em que a esquerda atingiu a presidência uruguaia. Bem avaliado, o atual presidente, Tabaré Vásquez, enfrentou por alguns momentos dificuldade para transferir votos a Mujica. “El Pepe”, 74 anos, atualmente senador, foi guerrilheiro do movimento Tupamaros e enfrentou certa resistência de alguns setores da própria coalizão.

A expectativa é de que a base governista alcance também a maioria na Câmara e no Senado, evitando que Mujica tenha de ceder e fazer alianças com diversos partidos. 

Com informações da Reuters e da TeleSur.