Abrigando Zelaya, Embaixada do Brasil tem água e luz cortados

Presidente afastado retornou secretamente ao país e se refugiou na embaixada brasileira para evitar ser preso. Dono de canal de TV teme banho de sangue

Manifestações como as realizadas no dia 9 de setembro estão em Tegucigalpa (Foto: Edgard Garrido/Reuters)

Boatos, repressão e incerteza voltaram a definir o cenário de Honduras com o  inesperado regresso do presidente deposto Manuel Zelaya, abrigado pela Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.

O edifício da representação diplomática está sem água e eletricidade, cortados na manhã desta terça-feira (22). Além disso, as linhas telefônicas foram bloqueadas e a única comunicação entre o Itamaraty, o ministro Celso Amorim e os funcionários diplomáticos brasileiros no país é feita por celular.

Um gerador de energia é usado para garantir luz ao prédio e a Embaixada dos Estados Unidos foi acionada para que colabore com fornecimento do diesel usado pela máquina.

De Nova York, o presidente Lula pediu que as leis internacionais sejam respeitadas pelos golpistas. “É um direito, eu diria, internacional e nós esperamos que os golpistas não mexam na embaixada brasileira, e esperamos que negociem”, afirmou depois de lembrar que conversou por telefone com Zelaya pela manhã. Além do Brasil, Estados Unidos, União Europeia e a Organização dos Estados Americanos (OEA) pediram negociações e a volta do regime democrático no país da América Central.

O chanceler brasileiro, Celso Amorim, acrescentou que não vai tolerar qualquer ação contra a embaixada e que pode pedir uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar da garantia de que a missão diplomática em Honduras não será afetada.

O presidente da Academia Brasileira de Direito Internacional e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Wagner Menezes, afirma à Rede Brasil Atual que o governo hondurenho é cada vez mais ilegítimo à luz da lei e que o desabastecimento da embaixada significa uma violação das leis internacionais.

Ele observou que a eventual invasão do prédio significaria um erro ainda maior. “Se acontecer, teremos desdobramentos sérios. Na história diplomática da América Latina, isso não ocorreu. O Direito Internacional vai até onde existem os mecanismos disponíveis. Além deles, só o conflito”, afirma, lembrando que o asilo político não é a vontade de Zelaya, que quer o retorno ao poder.

Em resposta aos rumores crescentes de invasão da embaixada, a vice-ministra de Relações Exteriores do governo golpista hondurenho, Marta Lorena, desmentiu a possibilidade, ao mesmo tempo dizendo-se respeitadora das convenções internacionais e cobrando uma posição clara do Brasil sobre o status político de Zelaya na embaixada.

Na mesma linha, o presidente golpista Roberto Micheletti afirmou que seu governo respeitará a imunidade diplomática do local em que está refugiado Zelaya, mas falou à Reuters em tom de cobrança: “Nós não iremos fazer absolutamente nada que confronte outro país irmão, nós queremos que eles compreendam que ou lhe dão asilo político ou lhe entregam às autoridades hondurenhas para seu julgamento”. “Se ele (Zelaya) quiser ficar vivendo lá uns 5 ou 10 anos, nós não temos nenhum inconveniente para que viva lá”, afirmou.

Do lado de fora, o governo golpista ordenou ao Exército que reprima toda manifestação favorável ao presidente legítimo, que aguarda a abertura de negociações para definir se é possível reassumir o cargo. Centenas de manifestantes são dispersados com bombas de gás lacrimogêneo que inclusive caem dentro do terreno da embaixada, território considerado brasileiro por leis internacionais.

Em conversa por telefone, a integrante da Via Campesinha de Honduras, Wendy Cruz, relatou que os feridos são arrancados dos hospitais e que muita gente detida é levada para um estádio. Ela está trancada em uma casa junto com outros militantes dos movimentos de resistência.

A página HablaHonduras.com, um projeto de jornalismo colaborativo, divulga informações sobre a questão no estádio Chochi Sosa. Uma conversa telefônica relata que há mais de cem pessoas no local, muitas delas feridas e sem qualquer atendimento médico.

O sítio abriu espaço para colaborações via email, twitter e mensagem de celular, recebendo informação de agressões em San Pedro Sula. Um homem anônimo mandou um texto afirmando que, pela manhã, todos que puderam saíram às ruas, até que começou a repressão. “E na televisão oficial a programação é normal, como se nada ocorresse. Em alguns carros de paramilitares circulam homens encapuzados que detêm as pessoas e as levam raptadas ao campo de concentração na vila olímpica (estádio Chochi Sosa)”, relata.

Esdras Amado Lopez, proprietário e gerente do Canal 36 de televisão, alerta para o risco de um banho de sangue em Honduras caso a presença militar e as restrições de circulação nas ruas da capital Tegucigalpa sejam mantidas. A emissora foi invadida, segundo Lopez, por um batalhão do exército e teve a energia elétrica cortada para impedir a transmissão de informações sobre a chegada de Zelaya ao país.

O Canal 36 teria sido o primeiro a noticiar, em Honduras, a chegada de Zelaya. Durante toda a crise institucional, a emissora tem funcionado como porta-voz dos partidários do presidente eleito.

“Honduras está sequestrada”, acusa o empresário em entrevista à TeleSur. “Honduras inteira não pode se mobilizar, há um sequestro massivo, as pessoas não podem ingressar de outras cidades na capital, não podem chegar ao quarteirão onde está a Embaixada do Brasil, porque há tanques e soldados armados”, denuncia. Ele aponta ainda restrições à liberdade de expressão.

Questionado sobre o que poderia ocorrer caso a embaixada brasileira fosse invadida por tropas, ele fez um alerta enfático: “Não quero dizer o que vou dizer. Se esta questão avançar desta maneira e o governo seguir provocando desta maneira, impedindo o livre trãnsito, reprimindo o povo e a imprensa, em Honduras pode ocorrer um banho de sangue, coisa que não queremos”.

Ele sustenta que o canal de TV tem pedido para se manter a calma e o diálogo, “mas o governo tem permanecido em sua postura provocativa”.

Ainda segundo Lopez, transmissores do Canal 36 foram destruídos com substâncias químicas e ataques com bombas de gás lacrimogêneo foram feitos contra a equipe. Ele afirma ter recebido ameaças de morte e vê uma “retaliação pessoal da parte do presidente Micheletti”.

“Foi o único canal ‘militarizado’ (invadido por militares). Um batalhão inteiro fez a intervenção”, afirma. Com isso, ele sustenta que a operação teve conhecimento do comando das forças armadas. Além disso, o presidente golpista teria acusado a emissora de “terrorismo midiático” ao noticiar a vinda de Zelaya a Honduras.

Tensão e toque de recolher

Além do toque de recolher, o governo do presidente interino Roberto Micheletti advertiu o Brasil que seria “diretamente responsável pelos atos violentos que possam ocorrer dentro ou fora” da embaixada.

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, alertou sobre os ânimos exaltados em Honduras. “Ambas as parte possuem simpatizantes que precisam ser contidos e ter cautela nos próximos dias com suas atitudes”, afirmou Hillary na segunda-feira (21) em Nova York, depois de conversar com o presidente costarriquenho, Oscar Arias, cuja mediação em Honduras tem fracassado até o momento.

Zelaya foi deposto e expulso do país em 28 de junho por soldados armados para a Costa Rica. Ele defendia a realização de uma consulta popular sobre uma nova constituição que poderia incliuir a reeleição presidencial para futuros presidentes. A medida foi considerada por seus críticos como uma mostra da influência do presidente venezuelano, Hugo Chávez, em Honduras.

Charge do jornal El Tiempo

Zelaya pediu durante a noite de segunda-feira que a população desafie o toque de recolher e inicie uma marcha rumo à capital, Tegucigalpa. “Chamo todos os cidadãos que venham para Tegucigalpa porque estamos na ofensiva final para a restituição da presidência”, afirmou ele a uma rádio local desde a embaixada brasileira.

A queda de Zelaya colocou Honduras em sua pior crise política em décadas e foi condenada pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Barack Obama, União Europeia e outros governos latino-americanos.

O governo interino, nomeado pelo Congresso no dia do golpe, rechaçou a possibilidade de Zelaya voltar ao país, a menos que fosse preso para enfrentar acusações de corrupção e tentativas de mudar a constituição.

Não havia sinais de que as forças de segurança hondurenhas tentaram entrar à força na embaixada, mas o chanceler Celso Amorim, disse a jornalistas em Nova York que “qualquer ameaça à embaixada brasileira seria uma violação da lei internacional”.

Com informações de agências internacionais.