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Dérbi dos Imigrantes: o clássico com pouca mídia, mas muita rivalidade

Representantes de suas colônias em São Paulo, Juventus e Portuguesa se enfrentam há 87 anos em um duelo repleto de tradição, história e provocações

ALÊ VIANNA/CA JUVENTUS

Desde 1930, foram disputados 119 jogos: a Lusa teve 65 vitórias, com 25 vitórias do Moleque Travesso e 29 empates

São Paulo – Derby Paulista, San-São, Choque Rei e Majestoso. Todos esses nomes são conhecidos de quem gosta ou acompanha futebol. Porém, ainda no estado de São Paulo, outro grande clássico se destaca, ainda que ultimamente não chame tanta atenção: o Dérbi dos Imigrantes, protagonizado por Juventus e Portuguesa.

Disputado desde 1930, o duelo histórico leva esta alcunha pelo fato de os dois clubes terem sido fundados por imigrantes. O Juventus, por italianos, e a Lusa pelos portugueses. Ambos também são mantidos até hoje por descendentes dessas colônias, as duas maiores da capital paulista.

Apesar de não ser o confronto mais falado nos bares e na mídia esportiva – atualmente também por conta da má fase das duas equipes – cada jogo tem um clima diferente, seja nas arquibancadas da Rua Javari ou até dentro de campo no Canindé.

No último domingo (27), os dois se enfrentaram na Rua Javari, sob o sol das 10 da manhã. Ao chegar cedo no estádio, já é possível encontrar torcedores do Juventus que viraram a madrugada à espera da partida.

Próximo do Bar do Cebola – ponto de encontro juventino pré e pós-jogo –, já se ouve o comentário: “hoje vai ser foda”. Horas antes de jogo, torcedores lusitanos passavam em frente ao boteco para provocar os rivais.

O analista e juventino Melvin Traldi conta que a ansiedade toma conta da torcida do chamado Moleque Travesso – apelido dado ao Juventus após vencer o Corinthians por 2 a 1, no Parque São Jorge, em sua estreia no futebol profissional – desde a semana que antecede o jogo. “Clássico mexe com a gente. Tem um diferencial a mais. A gente se prepara a semana toda, tem gente que não dorme.”

Faltando minutos para iniciar a partida, as torcidas revolvem cruzar os portões da Rua Javari. Provocações dos dois lados. “Venha aprender com a gente como se ganha o alentando/mas vocês são amargos“, canta a torcida do Juventus para os torcedores rubro-verdes.

Do outro lado, com rojões e ofensas, vem a resposta “Torcida mista!”, frase repetida dezenas de vezes pelos portugueses, referência ao fato de muitos apoiadores do Juventus terem o clube como segundo time, torcendo preferencialmente para um dos grandes do estado.

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Rua Javari possui capacidade para 4 mil torcedores. Para quem acostumado com as novas arenas, o estádio é uma ‘volta ao passado’

O primeiro Dérbi dos Imigrantes

A primeira partida do dérbi foi em 18 de maio de 1930, com vitória lusitana por 2 a 1, no Pacaembu.

Apesar dos 87 anos, apenas um jogo decidiu um título. Em 1940, durante a final do Torneio Relâmpago do Pacaembu (em comemoração à inauguração do estádio), 50 mil pessoas presenciaram o triunfo do Juventus por 3 a 0.

O clássico também foi o primeiro jogo da Portuguesa como proprietária oficial do estádio do Canindé, em 9 de dezembro de 1956. A Lusa venceu por 2 a 0.

Desde então, em 119 jogos a Lusa teve 65 vitórias, com 25 vitórias do Moleque Travesso e 29 empates.

Ao falar do rival, os torcedores brincam com o mesmo tema: a “ilusão” que o outro vive. “Eles acham que tem torcida de verdade, mas 90% deste estádio torce para Palmeiras, Corinthians ou São Paulo. É tudo misto. Juventino é coisa da imaginação deles.”, afirma o aposentado rubro-verde Sérgio Gusmão.

“A nossa questão com eles é prática. Eles se acham grandes, mas não são rivais de ninguém. Na cabeça do português, ele sempre foi uma coisa a mais do que eles são, mas aí fica com essa amargura. Todo jogo com eles é uma vitória, porque sempre ganhamos deles na torcida”, comemora Melvin.

Nas arquibancadas do Canindé, o cântico da torcida da Mooca para provocar é outro: “Ô Ô Ô, estádio do trator“. A brincadeira remete a uma quase “lenda urbana” que cerca o estádio da Marginal Tietê. Após o término da construção do local, teria se notado que um trator havia sido deixado no espaço onde seria o gramado. Sem ter como retirá-lo, já que o local já estava devidamente murado, o veículo teria sido enterrado sob o campo.

Apesar das diferenças entre os torcedores, há semelhanças na história das equipes. Ambos os clubes foram criados por meio de uma fusão. A Lusa surge, em 1920, após uma união de cinco times representantes da colônia portuguesa. Já em 1924, o Cotonifício Rodolfo Crespi F.C. (que depois passaria a se chamar Clube Atlética Juventus em 1930), nasce após a junção de dois times formados por trabalhadores de uma fábrica de tecidos da família Crespi.

A história do clube e do bairro é narrada pelas músicas da torcida Setor 2, que fica atrás do gol esquerdo do estádio. “Eu sou um operário. Da Mooca, sim senhor!” ou em “Somos do bairro da Mooca. Bairro de luta e tradição!”.

A sensação de clássico não se restringe apenas aos jogadores e torcedores, mas também à imprensa, segundo conta o narrador da Web Rádio Mooca, Renato Corona. “Narrar esse jogo tem um sentimento diferente. A torcida espera até uma narração mais emocionada e a gente entra no clima dessa rivalidade.”

Para ele, o clássico é totalmente diferente dos outros de São Paulo, principalmente por se tratar de dois clubes queridos pela população paulistana. “São dois times que é difícil alguém não simpatizar”, afirma. Segundo ele, a grande vontade é ter o dérbi na A-1 do Paulistão. “Se só um dos dois subir, não tem graça.”

Duelo de irmãos

Nascidos no bairro da Mooca, os irmãos José Lázaro Robles, o Pinga I, e Arnaldo Robles, o Pinga II, iniciaram suas carreiras em clubes diferentes. Pinga I – o mais novo –, se firmou desde cedo na categoria de base da Portuguesa e logo subiu para o profissional. Já o mais velho, Pinga II começou a carreira nos juvenis do Juventus.

Pouco tempo depois da efetivação nos profissionais, os irmãos trocaram de clube: Pinga II foi para o Juventus e Pinga I, para a Portuguesa. A mudança permitiu que os dois se enfrentassem. Em 9 de abril de 1944, pelo Campeonato Paulista, aconteceu o primeiro duelo: vitória do Juventus por 2 a 1, no Pacaembu. Em setembro daquele mesmo ano, voltaram a se enfrentar e, novamente, o Juventus venceu, por 3 a 1, na Rua Javari.

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Os irmãos Pinga quando jogavam na Portuguesa de Desportos em 1947

A história conta que Pinga I ficou envergonhado com a derrota e não voltou para casa, para não ouvir brincadeiras do irmão juventino. Só voltou à noite, depois que todos estavam dormindo.

Anos depois, os dois jogaram juntos pela Portuguesa.

Jogos do Moleque Travesso são considerados um evento à parte. O clima da Javari é considerado diferente, muito pela sua construção, que data de 1941, permitindo ao torcedor ficar poucos metros do gramado.

Entre as arenas de plástico e concreto do estádio juventino, os torcedores “mistos” não titubeiam: preferem a Javari. “É o único estádio com esse ambiente familiar. É antigo, mas aconchegante. Você não sai de casa já pensando nos problemas que vai ter que enfrentar, em fila para entrar, trânsito, empurra-empurra. É tranquilo. Meus filhos pedem mais para vir pra cá do que pra ir na Arena Corinthians”, explica Carla Pedroso, gerente de vendas.

O clássico também é um atrativo para os simpatizantes, principalmente, pelo fato de permitir que haja torcida visitante presente (desde 2016, os grandes clássicos paulistas só recebem a torcida mandante). “Ver um Palmeiras e Corinthians é legal, mas é muito chato só ter você ali no estádio. Aqui, além de não ter a violência entre as torcidas, traz um pouco daquele sentimento dos anos 1990. Arrepia”, define o vendedor Carlos Sales.

Já o juventino e desenvolvedor de softwares Lucas Daiki, diz que o calor do estádio de concreto prevalece sobre a monotonia das arenas. “A maior diferença é o ambiente. Aqui é mais familiar, com mais emoção do futebol. Lá é tudo mais frio, sem o fator torcida, mais teatral”, afirma. E acrescenta: “jogador que não jogou na Javari não pode ganhar título de melhor do mundo”.

A resistência do concreto, atualmente substituído por cadeiras, é cantada pelos torcedores. “Quem tem arena não vai poder reclamar. Já se vendeu…” ou no “Ódio eterno ao futebol moderno!“.

Entretanto, apesar de o estádio remeter ao passado dentro da modernidade futebolística, há quem não se empolgue com a característica de ser um ponto fora da curva entre os estádios mais modernos. “Muita gente vem aqui pra viver essa coisa vintage. Para os outros é o pitoresco, mas isso é apenas nossa realidade”, conta Melvin.

Ao Central3, Fernando Toro, um dos fundadores da Setor 2, define o estádio como um museu. “A Javari vai ficar cada vez mais esse museu. São os pequenos que estão sobrando e vão servir de exemplo. Nós vamos servir de exemplo para algo que já foi. É um fóssil.”

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Torcida da Portuguesa amarga o declínio sem fim do time: desde 2013, o time caiu 7 vezes (4 no Campeonato Brasileiro e 3 no Paulista)

Das glórias ao descenso

Entre os títulos do Juventus, o que mais traz orgulho para sua torcida é a Série B do Campeonato Brasileiro, a antiga Taça de Prata, conquistada em 1983. Na atual era moderna, na qual as torcidas se gabam pelos elevados números de sócios torcedores, o Juventus já chegou à marca de 100 mil associados. Hoje, possui em torno 20 mil, que usufruem das dependências sociais juventinas.

Mesmo com uma história rica no futebol paulista, o clube pena nas divisões inferiores do estadual. Desde o descenso de 2008 para a Série A-2, seguido por outra queda no ano seguinte para a Série A-3, a equipe flutua entre as duas divisões de lá para cá. Hoje, enfrentando uma crise financeira, resiste na A-2 e sonha com uma volta à elite.

Já a Portuguesa, três vezes campeã paulista (1935, 1936 e 1973), bicampeã do Torneio Rio-São Paulo (1952 e 1955) e campeão da Série B do Brasileirão (2011) – ano em que surgiu o apelido de “Barcelusa” –, a Lusa viu seu auge em 1996, quando perdeu a final do Campeonato Brasileiro para o Grêmio.

Porém, a partir de 2013, a Lusa começou sua crise, na qual se encontra num poço sem fundo. Ano marcado pela escalação irregular do jogador Héverton, que resultou na punição ao clube com a perda de quatro pontos e determinou o rebaixamento para a Série B do Brasileiro.

Em 2014, mais um descenso: queda para a terceira divisão nacional. No ano seguinte, novo rebaixamento, agora, para a Série A-2 do Paulista. Já em 2016, o time caiu mais duas vezes: para a terceira divisão estadual e também à quarta divisão, a Série D do Brasileiro.

O jogo

Nos 90 minutos disputados na manhã daquele domingo (27 de agosto), e com quase 4 mil torcedores presentes, quem se deu melhor no duelo válido pela 10ª rodada da Copa Paulista foi a Portuguesa: 1 a 0, gol de Júnior Lemos, no final do primeiro tempo.

Com o veterano Marcelinho Paraíba (ex-Santos e São Paulo) armando a equipe rubro-verde, o time do Canindé conseguiu segurar a pressão do ataque juventino. Com a vitória, a Lusa vai chegando mais próximo da segunda fase da competição. 

Como a Portuguesa foi eliminada da Série D do Brasileiro e, até o momento, não tem participação garantida em nenhuma divisão nacional de 2018. A única saída é vencer a Copa Paulista para reconquistar a vaga no campeonato. Enquanto para o Juventus resta esperar 2018 e a Série A-2 do Campeonato Paulista que será a chance de enfrentar o rival lusitano e voltar ao lugar que sonha.

Julinho Botelho

Recusado pelo Corinthians, o ponta direita Júlio Botelho, mais conhecido como Julinho Botelho, surgiu nas bases do Juventus em 1948. Em 1950, foi promovido ao time profissional, onde ficou até 1951, após ser contratado pela Portuguesa por 50 mil cruzeiros.
Ídolo da Portuguesa, Palmeiras e Fiorentina, Julinho Botelho foi revelado pelo Juventus
Na Portuguesa, o ponta direita jogou ao lado de craques como Djalma Santos, Pinga e Nena, e se destacou rapidamente. Lá, Julinho foi importante para o título histórico do Torneio Rio-SP, após uma bela campanha que terminou com goleada de 4 a 2 sobre o Vasco, no Pacaembu – onde anotou um gol – e um empate em 2 a 2, no Rio.

Pelo clube do Canindé, Julinho Botelho fez 191 partidas e marcou 101 gols. Suas grandes atuações com a camisa rubro-verde renderam a convocação para a Copa do Mundo de 1954.