Várzea

Com diversos ‘absurdos’, calendário 2021 da CBF prejudica nível técnico e expõe jogadores a lesões

Especialistas criticam sobreposição de jogos, desrespeito à Data FIFA e falta de pré-temporada no futebol

cbf/divulgação
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Para os especialistas, o ideal seria enxugar as datas do campeonato estadual na próxima temporada, ao menos para os clubes das primeiras divisões nacionais

São Paulo – O calendário de 2021 do futebol brasileiro, definido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), desrespeita atletas, prejudica os clubes e piora ainda mais o nível técnico do futebol profissional brasileiro. Na avaliação de especialistas, as novas datas previstas para as competições nacionais e estaduais agravam os já sérios problemas da modalidade no país.

Divulgado no último dia 19, o calendário prevê o início da temporada no dia 28 de fevereiro e término em 5 de dezembro, praticamente sem interrupções. Ou seja, as competições nacionais não vão parar durante a Copa América, que será realizada na Argentina e na Colômbia, a partir de junho.

O principal problema apontado pelos especialistas é a falta de descanso para os atletas das primeiras divisões. Em razão da pandemia de covid-19, o Campeonato Brasileiro de 2020 encerra no dia 24 de fevereiro do ano que vem, se não houver nenhum impedimento até lá. Portanto, quatro dias antes do começo dos estaduais. Além disso, os regionais continuarão sendo disputados em 16 rodadas, como neste ano.

O jornalista Gabriel Corrêa, editor do Footure – portal especializado em ciência do futebol –, acredita que o Brasil perdeu a chance de discutir a importância dos estaduais para os clubes de primeira divisão. “O que estão fazendo no calendário de 2021 é um crime com os jogadores e até com os torcedores, porque a qualidade vai ser ainda pior”, criticou à RBA.

Sem treino, sem qualidade

Após o calendário do futebol brasileiro deste ano ser alterado pela pandemia – esticando-o até 2021 –, a CBF não reduziu datas nem fez adaptações. Ao contrário, a entidade emendou as temporadas e retirou o período de férias dos jogadores.

Com isso, o ano que vem será desgastante para os clubes, já que os times disputarão competições sobrepostas. Sem pré-temporada, espaço para treinamentos e descanso, a qualidade do futebol tende a ser ainda mais prejudicada.

“Já é difícil trabalhar no Brasil por cultura do ‘resultadismo’ e imediatismo. Os técnicos nem conseguem desenvolver qualidade de treino, porque precisam dar respostas imediatas. Se somar o desgaste físico maior pela ausência de férias, com a qualidade do jogo, que já é ruim, vai continuar sofrido”, avalia Leonardo Bertozzi, jornalista do canal por assinatura ESPN Brasil.

Gabriel reforça que o nível técnico, em 2021, será ainda pior que o visto há tempos no futebol brasileiro. “O Vitória (da Bahia), por exemplo, fez quatro jogos em 11 dias, jogando em diversos estados (pela Série B do Brasileiro 2020). Não existe tempo para treinar e descansar: joga domingo; descansa na segunda-feira; faz um treino leve na terça; e quarta, está no campo. Não dá para cobrar do treinador extrair o melhor do time”, lamentou.

Datas FIFA

O calendário Oficial de Partidas Internacionais da FIFA, conhecido como Datas FIFA, também não será respeitado pela CBF no ano que vem. Nesses períodos, que começam a partir de março, os clubes de todo o mundo são obrigados a ceder seus atletas às seleções nacionais.

Em 2021, a Seleção Brasileira poderá desfalcar os clubes em até 18 rodadas do Campeonato Brasileiro. Durante a Copa América, em junho, a principal competição nacional de futebol terá nove datas disputadas durante a realização do torneio continental. Além disso, as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022 também ocorrerão nas mesmas datas que nove rodadas da Série A.

O também jornalista da ESPN Brasil, Ubiratan Leal, lembra que nas datas de eliminatórias, o desfalque será certo para os clubes. “O Tite (técnico da Seleção Brasileira) vai convocar quem for preciso, assim como as outras seleções da América do Sul. Isso vai acontecer, inclusive, em uma semifinal da Copa do Brasil, que está numa Data FIFA. Vai ser um show de horror”, afirmou, em vídeo publicado no seu canal do YouTube.

Por outro lado, Bertozzi afirma que o desrespeito à Data FIFA é de “mau gosto”. Ele lembra que as ligas de futebol ea Europa conseguiram readequar seus calendários aos compromissos internacionais. “A CBF não pode dizer que ‘não dá’, porque todos estão se adaptando e os torneios nacionais europeus terminarão antes da Eurocopa, respeitando o calendário internacional. É o mínimo”, disse.

Também impactadas pela pandemia, as principais ligas europeias abrem a próxima temporada no dia 12 de setembro, com previsão de encerramento em 23 de maio de 2021. Por sua vez, a Eurocopa, equivalente à Copa América, disputada entre seleções nacionais, que ocorreria neste ano, foi remarcada para junho do ano que vem.

Gambiarra

Novamente, atletas, treinadores e dirigentes do futebol brasileiro não se manifestaram sobre a precariedade do calendário de 2021. Leonardo Bertozzi critica o silêncio dos jogadores sobre a alteração imposta pela CBF de reduzir o intervalo mínimo entre partidas de 72 para 48 horas. A norma vai vigorar durante a maratona de sete meses, até fevereiro.

“O sindicato dos jogadores também não se opõe, não falaram nada sobre a norma da CBF ao reduzir o intervalo mínimo entre jogos, indo contra estudos da FIFA, que mostram como isso aumenta o risco de lesões e piora o rendimento em campo”, lamentou.

Para os especialistas, o ideal seria enxugar as datas dos campeonatos estaduais na próxima temporada, ao menos para os clubes das primeiras divisões.

Ubiratan acredita que os jogadores considerados titulares de seus times pedirão um período de descanso e os clubes disputarão os regionais com equipes alternativas. “Os clubes da Série A e B vão precisar jogar com o sub-23 e atletas da base, sem os titulares e reservas, nas primeiras semanas do calendário. Os clubes vão precisar programar folgas nesse período. Esse calendário é horroroso, péssimo, mas como não reduziram os estaduais, é o único jeito de minimizar os danos”, defende.

Gabriel Corrêa endossa a ideia, mas lembra que a Copa do Brasil está marcada para começar em 10 de março de 2021. “Quatro dias para recomeçar uma temporada é surreal. A resposta dos clubes para isso pode ser jogar o estadual com times reservas, sub-23. Porém, tem a Copa do Brasil no começo de março, ou seja, nem todos os clubes poderão abrir mão do time titular. Sinceramente, tenho medo do que será o futebol em 2021.”