Pesquisa sugere abolir ideia de homogeneidade da América Latina

Professor constata estereótipos em livros didáticos dos ensinos médio e fundamental e indica mudanças para dar conta da diversidade da região

Um lugar marcado pela miséria, destinado à eterna dependência e com populações idênticas. O estereótipo de uma região que abarca 33 países, diversas línguas e diferentes níveis de desenvolvimento econômico foi constatado pelo professor Wagner da Silva Dias, que concluiu este ano sua dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Sempre incomodado por ter de lidar com um material didático superficial e com equívocos apresentados a crianças e adolescentes nos ensinos fundamental e médio, o geógrafo decidiu estudar o tema a fundo. Inicialmente, selecionou algumas obras mais utilizadas nas escolas brasileiras e, a partir daí, formulou conclusões.

A primeira delas, e principal, é a homogeneização de visões a respeito do subcontinente que vai do México à Argentina, passando por América Central e do Sul. Há populações pequenas e outras enormes; democracias consolidadas e regimes autoritários.

Antropologicamente, os livros pouco falam da diversidade cultural e linguística. “Quando há um boliviano, pode ser aimará ou quechua. O mesmo vale para brasileiros, para mexicanos. Há uma diversidade étnica gigantesca. Se há diferenças dentro do gentílico nacional, que se dirá do supranacional, do latino-americano?”, analisa Wagner da Silva Dias.

Para ele, mudar a atenção destinada à América Latina dentro das escolas não significaria aumento de carga horária. Seria suficiente, por exemplo, começar explicando a origem do termo. Na França do século XIX, a noção de um pan-latinismo foi cunhada para dar conta de uma região sobre a qual o país teria direito a uma espécie de herança deixada pelo fim do colonialismo. Depois, passada a Segunda Guerra Mundial, o termo em si surgiu oficialmente no nome da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).

Apenas as décadas seguintes consagrariam América Latina como um nome que não estava apenas ligado a questões políticas e econômicas, mas geográficas e culturais, embora exista, na visão do pesquisador, a grave falha de desconsiderar as línguas não-latinas muito presentes no continente, como as pré-colonização e as dos imigrantes. Uma aliança e uma diversidade que não estão refletidas nos livros.

“Quando o estudante pega um texto, vai carregar aquela visão, vai se basear nele. O livro didático muitas vezes é a única fonte de consulta para aquele aluno. Há um risco de perder a noção de diversidade por conta de um texto que trata tudo como igual”, avalia.