Educação infantil

Movimentos populares da zona leste de São Paulo saem em defesa do ‘Bolsa Creche’

Padre Ticão, da paróquia São Francisco, em Ermelino Matarazzo, entende não haver espaço no momento para discussões conceituais a respeito do ensino de qualidade quando milhares de crianças têm negado seu direito à educação infantil

Valter Campanato/ABr

Polêmico, o benefício prevê o repasse de meio salário mínimo para a mãe de cada criança fora da creche

São Paulo –  Popularmente conhecido como Bolsa Creche, o projeto de lei municipal que concede auxílio de meio salário mínimo a mães que não conseguiram vaga para seus filhos em creches municipais paulistanas segue em meio a polêmicas. Na semana passada, a gerente de programas e projetos da Fundação Abrinq – Save the Children, Denise Maria Cesário, manifestou repúdio à proposta de autoria do vereador Jair Tatto (PT), aprovada em primeira votação em novembro passado e que aguarda entrada na pauta para segunda votação. Se aprovada, segue para sanção ou veto do prefeito Fernando Haddad.

De acordo com Denise, o projeto não resolve o problema da falta de vagas em creches no município e ainda representa retrocesso. Para ela, o valor proposto é insuficiente para custear uma creche de qualidade, em tempo integral, que ofereça espaço, infraestrutura e condições adequadas, com ambiente pedagógico apropriado e educadores preparados para o desenvolvimento infantil.

“Além disso, se aprovada, a proposta vai estimular a criação de creches domiciliares, em espaços inadequados, sem as mínimas condições para suprir as necessidades educativas e de cuidado que as crianças pequenas necessitam”, diz, lembrando que a sociedade lutou muito para elevar as creches ao patamar de espaço educativo, essencial para o desenvolvimento infantil, e não apenas um espaço de cuidados, verdadeiros depósitos de crianças, como era configurado quando o serviço estava vinculado à assistência social.

A gerente da Fundação Abrinq, que ressalta não aceitar medidas paliativas que não respeitem os direitos já conquistados pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outras legislações, defende o cumprimento do direito à educação pública de qualidade desde a creche. E critica ainda outros defeitos do projeto, como o repasse das verbas públicas para o setor privado e a desvinculação entre o repasse do recurso à família  e a matrícula da criança em creche ou pré-escola.

No entanto, para lideranças de movimentos sociais da zona leste, embora a proposta esteja longe do ideal – creches gratuitas mantidas pelo poder público – constitui alternativa que não pode ser desprezada. Com papel destacado na luta por moradia, saúde e educação em toda a zona leste, o Padre Ticão, da paróquia São Francisco, em Ermelino Matarazzo, defende a proposta.

“Claro que o ideal é ter uma bela creche para as crianças. Mas enquanto essas escolas não são oferecidas, é legítimo que as famílias recebam ajuda financeira do poder público para manter seus filhos em creches particulares. O que não podemos aceitar é que as crianças pequenas, em especial as mais pobres, fiquem fora da escola, muitas vezes nas ruas”, diz Padre Ticão.

O religioso e líder comunitário entende não haver espaço no momento para discussões conceituais a respeito do ensino de qualidade quando milhares de crianças têm negado seu direito à educação infantil. “Só quem vive de perto essa realidade de exclusão percebe a urgência de medidas mesmo que paliativas.”

No próximo dia 8, às 10h, o padre e lideranças das regiões leste, sul e norte serão recebidos na Secretaria Municipal de Educação pelo secretário Cesar Callegari. No centro da pauta, a falta de vagas nas creches justamente nos bairros onde a carência é maior. “Estudos mostram que a oferta e a construção de novas escolas é maior nas regiões mais ricas da cidade”, diz o religioso.

Coordenador da Associação de Mulheres Jardim Camargo Velho, no Itaim Paulista, o assistente social Anderson Migri da Cunha vai à reunião reivindicar  mais vagas em creches conveniadas e o aumento das verbas para essas entidades parceiras da prefeitura. “Os recursos geralmente chegam defasados, insuficientes para as unidades custearem o pagamento de funcionários e das despesas. Para continuar atendendo, muitas são obrigadas a fazer festas praticamente todos os finais de semana”, diz.

“Nos bairros periféricos há crianças de 10 anos cuidando de crianças de 3 enquanto suas mães saem para trabalhar”, lamenta o vereador Jair Tatto, que afirma ter ouvido todos os setores – exceto os empresários da educação – durante a elaboração da proposta. Como o projeto aguarda segunda votação, Tatto pretende realizar audiências públicas para aprimorar o texto. Ele acredita tanto na aprovação pelos vereadores como na sanção pelo prefeito Haddad.

Em dezembro passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu prazo até 2016 para que a gestão paulistana crie 150 mil novas vagas em creches e pré-escolas, sendo que metade deve ser criada até junho de 2015.