Retrocesso

Paulo Lins critica intenção do governo Temer de privatizar universidades públicas

Para o autor do livro 'Cidade de Deus', ação ocorre justamente no momento em que negros e pobres têm mais acesso ao ensino superior

Flickr/Prefeitura de Votuporanga

‘O negro ainda não está em todos os lugares de destaque em que deveria estar’, diz Paulo Lins

São Paulo – O escritor Paulo Lins está triste. O autor do aclamado livro Cidade de Deus revelou seu sentimento com a voz pausada, em tom baixo e sereno, numa conversa logo após participar ontem (2) da cerimônia de lançamento da FlinkSampa, festa da literatura e cultura negra, em São Paulo.

A razão da sua tristeza é a constatação de que o governo interino de Michel Temer (PMDB) está querendo desmontar conquistas sociais que levaram décadas – ou séculos – para serem alcançadas, como é o caso do acesso da população negra à universidade. “Ele está querendo mudar coisas que não poderia mudar, inclusive a questão do ensino, querendo privatizar a universidade pública neste momento em que o negro e o pobre tem mais acesso. É terrível isto. Eu estou muito triste. Pensei que não veria isso, ao menos em nível institucional”, declara Paulo Lins.

O escritor argumenta que ainda não existe condição de igualdade de oportunidade entre o negro e o branco no Brasil e, justamente por isso, as políticas públicas que têm propiciado o maior ingresso de negros e pessoas de baixa renda ao ensino superior são importantes. “O negro ainda não está em todos os lugares de destaque em que deveria estar. Nesses lugares está sempre o branco. Isso acontece em todas as áreas, entre os médicos, empresários, em todos os setores em que o negro poderia estar junto ao branco, ele não está, não tem as mesmas condições de igualdade.”

Por outro lado, Paulo Lins acredita que o racismo no Brasil está diminuindo e que as frequentes manifestações de intolerância que hoje chamam a atenção são decorrência da ampliação dos meios de comunicação usados pelas pessoas. “Se formos ver a história do negro no Brasil, hoje morrem, assassinados pela polícia, muito menos negros do que há dez ou quinze anos. Esse racismo que surpreende hoje é porque está mais visível, em função dos meios tecnológicos. As pessoas estão se expressando mais. Mas sempre teve racismo, sempre foi assim”, diz.

Ao falar sobre o atual momento político do país, o autor de Cidade de Deus não altera a voz, mas é enfático em sua análise ao definir o processo de impeachment como um golpe. “Esse impeachment não é verdadeiro. A presidenta Dilma Rousseff não teria motivo nenhum para sofrer esse impeachment. Isso é um golpe. É uma volta ao poder de pessoas que estão roubando o Brasil há 500 anos, uma linhagem de ladrões. Esses homens representam um Brasil arcaico, preconceituoso e racista. Como governo interino, ele não pode destruir todos os avanços que tivemos na área social, não pode”, insiste.

Apesar da insatisfação, o escritor avalia que o momento é de mobilização contra o retrocesso político em curso. “Estamos fazendo várias manifestações nas ruas. Temos que lutar, democraticamente, sem violência. Vamos lutar, reivindicar, ir pra rua. É isso que tem que ser feito.”