IDHM

Isolamento e falta de recursos mantêm Norte do país na rabeira da educação

Como todo o Brasil, região avançou nos últimos 20 anos, mas ainda continua muito atrás em relação aos centros melhor avaliados

Prefeitura de melgaço/pa

Escola em Melgaço, no Pará: município mostra maior índice desigualdade em educação no país

São Paulo – As grandes distâncias, o isolamento de muitas regiões, a falta de investimentos em estruturas adequadas, além de programas que preparem os professores para a realidade das comunidades amazônicas, são fatores que fazem da região Norte do país a mais atrasada na educação escolar. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela RBA a partir dos dados do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), divulgado no último dia 29 pelo escritório da Organização das Nações Unidas em Brasília.

Os dados mostraram grande avanço do Brasil, entre 1991 e 2010, nos três itens de medição: educação, longevidade e renda. A região Norte também avançou, mas como estava muito atrás em 1991, continua na rabeira agora, ao lado de algumas áreas do Nordeste.

É na educação, porem, que a desigualdade se mostra mais acentuada. O primeiro colocado nesse item é o município de Águas de São Pedro, no interior de São Paulo, com índice 0,824 (quanto mais próximo de 1, melhor a situação). Na outra ponta da tabela está Melgaço, no Pará, com 0,207.

Entre as cinco piores colocadas estão cidades do Pará, do Amazonas e de Roraima, todas na região Norte.

Para o professor do campus de Marabá da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador do curso interdisciplinar de Licenciatura em Educação do Campo, Haroldo de Souza, o acesso à educação formal na região Norte é um dos fatores determinantes para que a educação mantenha-se em níveis baixos na região. “A falta de recursos e de professores qualificados na educação básica são outros obstáculos.”

No Pará, Melgaço e Chaves, a primeira e quarta cidade piores colocadas no ranking fazem parte da região da Ilha de Marajó, em que os municípios têm população descentralizada e fraca concentração urbana.

“A distribuição geográfica é muito dispersa, com territórios muito grandes. Acaba sendo criado um movimento em que não se consegue fortalecer as escolas. Marabá até tem maior concentração urbana, por exemplo, mas o grande contingente da população está no campo”, diz o professor.

Formação urbana

Souza ressalta que, além de municípios pobres, que consequentemente não conseguem manter escolas equipadas e pagar professores qualificados, há dificuldade em formar professores dispostos a irem para áreas rurais.

“É difícil deslocar para zonas rurais o professor que se forma na cidade, na dinâmica da educação urbana. Nosso curso de formação de professores da zona rural vai justamente nesse sentido, de tentar formar profissionais que possam continuar nas comunidades e possam dar vida a essas escolas.”

Souza destaca que os professores formados em cursos tradicionais têm a tendência de ser absorvidos nos grandes centros. “Quando muito eles vão dar uma outra aula nestas áreas mais afastadas, mas não se vinculam à realidade desses lugares, não desenvolvem pesquisa, não desenvolvem vínculos com as comunidades.”

Apesar de o estado do Pará receber repasses da União por meio de fundos como o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), os recursos são insuficientes, segundo o professor.

“Os investimentos vêm aumentando, mas é uma leitura geral, os recursos crescem, mas muitos estão na linha de custeio, como pagamento de bolsas temporárias a professores. Há pouco sendo feito na questão estrutural, para garantir funcionamento das escolas.”

Souza observa que, mais do que garantir a oferta escolar, é necessário que o Estado garanta as condições de acesso a esta oferta, como merenda e transporte, que em algumas regiões tem de ser fluvial.

De fato, dados do IBGE e do Ministério da Educação mostram que o problema não está na oferta de vagas. Nesse item, o Pará não fica nada a dever a São Paulo, por exemplo. No estado mais rico da federação, 6% dos jovens em idade escolar estão fora da escola. No Pará, são 8%.

“Sem investimentos estruturais e pedagógicos, a escola acaba sendo preterida por outra lógica, a do mercado do trabalho, em que a criança e o jovem têm de ajudar em casa trabalhando”, diz Souza.

Reflexo regional

Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), os índices alcançados no indicador Educação do IDHM refletem a desigualdade econômica entre as regiões e os municípios da federação. “O que causa essa desigualdade é muito simples. Muitas escolas são municipais e os municípios são desaguais. Como é que temos educação igual com municípios desiguais? Município pobre não pode pagar professor, não pode construir prédio.” Das 11.311 escolas de ensino básico no Pará, 10.030 são municipais.

O Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC) que trabalha na elaboração de diretrizes para a educação pública do país, e funciona como um canal de diálogo entre a população e o governo federal, afirmou que ainda está estudando os índices do IDHM para se posicionar oficialmente sobre a questão. O conselheiro Raimundo Moacir Feitosa, entretanto, afirmou que a questão da desigualdade na educação acompanha a desigualdade de recursos disponíveis.

“Há um movimento já ocorrido que nos permitiu melhorar os índices, mas ainda há dificuldade muito grande porque houve evolução de todos os estados. A parte da população com renda muito baixa, apesar de ter evoluído, evoluiu numa escala ainda menor do que os extratos de renda superior. Onde a renda é menor, as populações são mais vulneráveis à desorganização das políticas públicas essenciais, com educação e saúde.”

Segundo Feitosa, a melhora de mais de 100% nos índices de ensino do país – em 20 anos, o indicador Educação subiu 128,3% nos números – é o resultado de investimentos feitos na área.

“A questão da universalização do ensino fundamental foi muito importante nos últimos anos, assim como o aumento da obrigatoriedade escolar. Agora já estamos em fase de busca de um avanço maior, com a proposição de educação em tempo integral com o objetivo de se estabelecer uma jornada de turno único, com transformação completa da pedagogia”, disse.

A Lei 11.738, de 2008, instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.Para 2013, o reajuste de 7,97% levou à remuneração mínima de um professor com jornada de 40 horas semanais a R$ 1.567. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão, afirma que até hoje há dificuldade na implementação total da lei. Muitos municípios alegam que não conseguem pagar o valor designado por não terem recursos.

“Precisamos que essas escolas sejam de boa qualidade e tenham estrutura para fornecer aos professores, e precisamos de salário bom. Deve haver esforço para se pagar aquilo que todos merecem. Que todos recebam pelo menos o piso salarial profissional nacional, que até hoje é uma coisa totalmente não implementada no país.”

Feitosa, do CNE, observa que os índices do IDHM reforçam a necessidade de professores mais motivados. “É preciso olhar para estes índices e entender que é necessário que se tenha professor motivado, com condição de exercer sua profissão, que possa efetivamente cumprir seu papel. Não só o professor, mas os funcionários da escola como um todo”, comenta.

Para o conselheiro, é necessário que as contas dos municípios sejam abertas para que se verifique quais deles não podem, de fato, cumprir a lei e, que assim, possam requerer recursos da União. “Agora é hora de cumprir a lei do piso. Muitos estados e municípios dizem que não cumprem porque não podem pagar, e isso precisa ser colocado em debate. É preciso que se abram as contas todas para verificar a possibilidade de fazer a alocação de recursos.”

Discriminação positiva

Entidades que lutam pelo direito à educação, inclusive o CNE, defendem a destinação de 10% dos recursos da União para a educação. Afirmam que é preciso que se encontrem novas fontes para que mais recursos sejam investidos na área.

“É necessário que estes recursos sejam aprovados e que se faça uma discriminação positiva, oferecer mais para quem está mais atrasado, com uma estrutura educacional física melhor, professor mais bem formado, transporte escolar, material didático de apoio ao professor. Defendemos o uso de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação, o uso dos royalties do pré-sal e do fundo social do petróleo”. Segundo Feitosa, é necessário que a União reconheça estas áreas mais carentes e realoque os novos recursos.

O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 41/2013, que destina os royalties da exploração do petróleo à educação (75%) e à saúde (25%), foi aprovado no início de julho. Conforme cálculos do governo federal, a partir de 2014, a educação terá uma fonte adicional de recursos da ordem de R$ 2 bilhões ao ano, além de um montante estimado em R$ 42 bilhões ao longo da próxima década.

No embalo da “agenda positiva” do Congresso Nacional, o senador Renan Calheiros prometeu que a votação do Plano Nacional de Educação, o Projeto de Lei da Câmara 103/2012, que apresenta diretrizes e metas que servirão de referência para todos os níveis de ensino num prazo de dez anos, iria ser votado ainda em junho. A previsão é que siga para votação agora em agosto. De acordo com o texto atual, o volume de recursos da União no setor deve aumentar gradativamente no período, até alcançar 10% do PIB. O projeto aguarda relatório na CCJ, a cargo do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), presidente da comissão. Depois seguirá à Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) e ao Plenário.

“Os índices do IDHM só reforçam nossa luta pelos 10% do PIB para a educação. E contrariam o discurso de que os recursos existentes já são suficientes. Mostram que é necessário que regiões mais carentes recebam grandes investimentos para haver melhorias na educação”, afirma Roberto Leão, da CNTE.

Ensino médio

Ainda segundo o IDHM, 59% dos jovens no país não possuem formação em ensino médio. Para o coordenador do Programa Escola Cidadã do Instituto Paulo Freire, Washington Goes, o ensino tradicional não corresponde às necessidades e à realidade dos jovens. Além disso, as condições financeiras das famílias fazem com que o mercado de trabalho seja uma escolha quase que única para o jovem que se forma no ensino fundamental.

“A juventude deixa de ir para a escola porque há coisas mais atrativas e que parecem mais significativas. O próprio mercado de trabalho…você deixa de estudar porque precisa ir trabalhar. Há também a questão de qual o significado da escola para a juventude. Não é a juventude que não vai para a escola, a escola que a expulsa. No modelo tradicional de educação, em que não se leva em consideração as questões da juventude, e escola acaba não tendo significado para estes jovens”, afirma.

Sistema Único

O senador Cristovam Buarque tem proposta no sentido de federalização da educação, em que financeiramente, a União seria responsável por toda a educação básica do país. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2013) tramita agora no Senado Federal e espera escolha do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A proposta prevê que a União garantirá a igualdade de oportunidades educacionais e padrão-uniforme de qualidade nas diversas etapas e modalidades da educação básica pública.

“O único jeito de termos indicadores iguais é as escolas serem iguais. A única maneira de a escola ser igual é ela ficar sob a responsabilidade e o financiamento da União. Ninguém reclama de a União, sozinha, fiscalizar ou não escolas técnicas ou universidades federais”, diz o senador.

Para o conselheiro do CNE, Moacir Feitosa, a proposta é interessante, mas a execução pode apresentar problemas de recursos. “Do ponto de vista da proposição, me parece bastante interessante, mas há milhares de professores no país. É um volume significativo de recursos.”