‘Projeto que garante cotas para estudantes negros e pobres não deve ser aprovado antes de 2015’

Chefe de gabinete de autora do projeto não acredita que aprovação do Conselho de Direitos Humanos acelere a tramitação

São Paulo – Apesar de ter sido aprovado ontem (28) na Comissão de Direitos Humanos do Senado, o projeto de lei que garante cotas em universidades federais para estudantes negros e egressos de escola pública (PL 180, de 2008) não deve ser aprovado antes de 2015. Essa é a expectativa de Jorge Mota, chefe de gabinete da autora do projeto, deputada federal Nice Lobão (PSD-MA).

“É um projeto muito polêmico e, pela experiência, acredito que ele não seja aprovado nessa legislatura [período de quatro anos no Congresso Nacional, que termina em 2014]”, avalia o chefe de gabinete da deputada, que por problemas de saúde não pôde dar entrevista. “Essa questão envolve muitos interesses, por isso sempre encontra entraves”.

O projeto ficou de 1999 a 2008 na Câmara dos Deputados. Depois disso, seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, onde aguardou votação por mais quatro anos. No começo de 2012 ele foi aprovado e seguiu para Comissão de Direitos Humanos, onde obteve parecer positivo. “Agora ele deverá passar pela Comissão de Educação e depois por Plenária”, afirma Mota.

Ele, no entanto, admite que a deputada Nice Lobão está distante do projeto, devido às várias alterações que o texto sofreu. Originalmente ele previa apenas reserva de metade das vagas em universidades federais para estudantes egressos de escolas públicas. As cotas para negros e indígenas foi incorporada ao longo da tramitação.

“Era uma medida emergencial, devido à decadência do ensino público que ocorreu a partir da década de 60. Ela visava a garantir que a juventude pobre tivesse acesso a universidade, porque as vagas ficam com quem teve melhor formação nas particulares e nos cursinhos”, afirma Mota. “Acreditamos que o critério racial desperte a idéia de racismo e de diferença entre as pessoas”.

Questão social e étnica

O posicionamento contrário a cotas recebeu, em 2009, apoio legislativo da advogada Roberta Kaufmann, que por meio do partido Democratas entrou com uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal para julgar o projeto como inconstitucional.  Em abril, a unanimidade dos ministros reconheceu constitucionalidade das cotas.  

“Depois da decodificação do genoma humano, em 2003, sabe-se que a classificação racial não existe. Com o PL acabamos incentivando a crença no mito da raça”, afirma. “É necessário fazer a integração dos negros, que de fato são vítimas de preconceito e racismo, mas a idéia é fazê-la por meio de critérios sociais objetivos, como renda e formação em escola pública. No Brasil a pobreza tem cor”.

A decisão do STF foi considerada uma vitória para os movimentos sociais ligados a negros e indígenas: “Nenhum país do mundo ousou ficar tanto tempo adotando escravidão com uma parte da sociedade e depois querer que as coisas se resolvam naturalmente, sem fazer plano de inclusão”, afirma o presidente da organização Educafro, Frei Davi. “A questão social é grave. São duas doenças diferentes, que exigem remédios diferentes”.

“O projeto de lei é apenas um provocador”, avalia o Frei. “Sabemos que não temos como resolver nosso problema da noite para o dia. Precisamos de outras políticas publicas de inclusão, como por exemplo, cotas no programa Ciências sem Fronteiras [iniciativa do governo federal que oferece bolsas de estudo para intercâmbios e especializações]”.

Integrantes da entidade vão negociar reserva de vagas para negros e indígenas no programa junto ao governo federal ainda este mês. Caso não haja sinalização positiva, eles vão organizar um ato de protesto no aeroporto de Guarulhos, simultaneamente à partida de vôos que levam os estudantes bolsistas para intercâmbios.