reforma em debate

Reforma tributária deveria mirar mais jatinhos e menos arroz, defendem sindicalistas

Em audiência na Câmara dos Deputados, Sérgio Nobre defendeu taxar renda e patrimônio dos “super-ricos” como forma de combater a concentração de riquezas

Lula Marques/ Agência Brasil
Lula Marques/ Agência Brasil
Nobre defendeu nova tabela de IR e desoneração da produção para reindustrializar o país

São Paulo – “Quando a gente fala em taxar as grandes rendas, às vezes o povo pensa na classe média. Não é da classe média que estamos falando. Estamos falando de gente muito rica, além da conta.” A observação é do presidente da CUT, Sérgio Nobre. O sindicalista participou de audiência do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que discute a reforma tributária nesta quarta-feira (19).

Segundo ele, é preciso inverter o sistema tributário brasileiro, porque quanto mais incide sobre o consumo e a produção, “é mais injusto”. Em contrapartida, defendeu o aumento da tributação da renda e do patrimônio, de modo a ampliar a contribuição dos “super-ricos“.

“Um trabalhador que ganha um salário mínimo, quando ele vai comprar um quilo de café ou de arroz, ele paga um imposto que está embutido, indireto, que é o mesmo de quem ganha R$ 1 milhão por mês. Então é injusto”, criticou Sérgio. O debate foi proposto pelo coordenador do GT da reforma, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), e pelos deputados Fernando Mineiro (PT-RN) e Newton Cardoso Jr (MDB-MG).

Como outro exemplo das distorções no sistema tributário, Nobre lembrou que os trabalhadores pagam Imposto de Renda (IR) sobre participação nos lucros ou resultados – a chamada PLR –, enquanto os lucros e dividendos distribuídos aos acionistas estão isentos de tributação. Para ele, está uma das causas da histórica concentração de riquezas no Brasil.

Renda e patrimônio

Assim, além da taxação dos lucros e dividendos, ele também defendeu a elevação dos tributos sobre as altas rendas e heranças. Nesse sentido, disse que “é muito difícil de explicar” que donos de helicópteros, iates e jatinhos recebem isenção, enquanto o trabalhador médio é obrigado a arcar com o IPVA de seus veículos.

Além disso, Nobre defendeu não apenas a correção da tabela do IR, mas a mas a construção de uma nova, “mais progressiva”. “Quem ganha muito, tem que pagar muito. Tem que ter uma tabela progressiva, com muito mais faixas do que tem hoje, inclusive aumentando a alíquota máxima de arrecadação para quem tem salários elevados”. Ele disse que hoje esse é um dos maiores “descontentamentos” entre os “trabalhadores especializados” – citando bancários e metalúrgicos – diante da carga tributária “pesadíssima”.

O presidente da CUT disse preciso “desonerar” a produção, para estimular a retomada do emprego industrial. “Achamos que esse país não tem jeito se não se reindustrializar. Sem indústria, a gente não vai para lugar nenhum”. Integrante da comitiva brasileira que visitou à China, Nobre afirmou que, por lá, tudo é voltado para favorecer o desenvolvimento industrial, desde o sistema educacional aos impostos. Aqui, segundo ele, “é tudo ao contrário, inclusive o sistema tributário”.

Reforma combinada

O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, citou levantamento recente da Oxfam que mostra que os 3.390 indivíduos mais ricos do Brasil (0,0016%) detêm 16% de toda a riqueza do país, mais do que 182 milhões de brasileiros (85% da população). Para ele, é “impossível” pensar numa reforma tributária sem levar em conta brutal desigualdade no país. Ironizando, disse que os super-ricos não apenas devem contribuir mais, como deveriam pagar tributos de maneira retroativa.

Por outro lado, Miguel defendeu que a reforma tributária tinha que ser “completa”, e não “fatiada”, como defendem as lideranças do Congresso, inclusive do próprio governo. A primeira fase da reforma inclui a PEC 45, que simplifica a tributação. Ela cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), que substitui cinco tributos: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS.

Após aprovação, o governo deve enviar proposta para acabar com a isenção sobre lucros e dividendos e de aumentar alíquotas que incidem sobre altas rendas e grandes patrimônios. Essa segunda parte, de acordo com Torres, é o “nervo mais sensível” da reforma. Ele teme que as condições políticas se alterem, e a taxação dos “super-ricos” não encontre a mesma boa vontade que o tema da simplificação.

Justiça fiscal

Já a socióloga Adriana Marcolino, do Dieese, disse que o Brasil ainda está muito distante do que se poderia chamar de “justiça fiscal”. Ela citou estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em que os 10% mais pobres da população comprometem 23,4% da renda com impostos indiretos. Por outro lado, para os 10% mais ricos, esses tributos comprometem apenas 8,6% das suas receitas.


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