Volta por cima

Conselhos de Economia homenageiam Dilma e despertam golpismo e misoginia adormecidos

Conselhos Regionais e Conselho Federal de Economia escolhem a ex-presidenta como Mulher Economista de 2023 por seu trabalho à frente do Banco do Brics, que chefia desde março. Escolha foi ironizada pelos jornais “Folha” e “Estadão”, mas celebrada nas redes

Marcello Casal Jr./ABr
Marcello Casal Jr./ABr
Mesmo homenageada, Dilma Rousseff segue perseguida por setores que a perseguiam durante seus dois governos

São Paulo – A ex-presidenta Dilma Rousseff foi eleita “Mulher Economista de 2023” pelo sistema Cofecon/Corecons, que reúne conselhos regionais e o Conselho Federal de Economia. A homenagem considerou seu trabalho à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como “Banco dos Brics”. Responsável pelo financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável das maiores economias emergentes do mundo, que fazem parte da instituição, o NBD é presidido por ela desde março.

“Dilma Rousseff, atual presidente do Banco dos Brics, ex-presidente do Brasil e renomada economista, foi escolhida por sua significativa contribuição para o desenvolvimento econômico e social do país ao longo de sua carreira”, destacou o Cofecon em nota.

O resultado da premiação foi divulgado no último sábado (9). De acordo com os conselhos, o nome foi escolhido após quatro fases, com a formação de listas. Na etapa final foi realizada uma votação secreta. Realizado desde 2020, o prêmio já foi vencido pela economistas Denise Lobato Gentil, Tania Bacelar e pela atual ministra de Gestão e da Inovação em Serviços Público, Esther Dweck.

A proposta do prêmio, segundo seus realizadores, é também “destacar a importância de reconhecer e valorizar as mulheres que desempenham papéis relevantes na promoção do desenvolvimento com responsabilidade social”. “A escolha de Dilma Rousseff como a Mulher Economista de 2023 reflete o reconhecimento do seu legado e expertise no campo econômico, bem como seu papel fundamental na formulação e implementação de políticas que moldaram a trajetória econômica do Brasil”, ressaltou o Cofecon/Corecons. A solenidade de entrega ocorrerá em 2024, durante a posse da nova diretoria do Cofecon, em data a ser confirmada.

Repercussão

A decisão dos conselheiros econômicos, como era de se esperar, despertou a ira dos setores recalcados, misóginos e golpistas. Além de minimizar os conselhos e o prêmio, ainda distorceram os fatos. O jornal Folha de S.Paulo destacou na manchete as “pedaladas”. Na mesma linha, O Estado de S.Paulo falou em “recessão”.

Tratamentos esses que foram contestados nas redes sociais. Internautas compararam o caso ao tratamento “machista” dado a Dilma também durante o processo de impeachment contra o seu governo. “O Estadão e outros veículos de imprensa acusando o golpe e chorando é algo impagável. Para eles, somente figuras como Paulo Guedes, Armínio Fraga e os economistas da escola austríaca merecem destaque. Parabéns, Dilma Rousseff! Continue fazendo essa gente se morder de raiva”, ironizou o jornalista Cesar Calejon, que acaba de lançar o livro Esfarrapados – Como o elitismo histórico-cultural moldou as desigualdades sociais no Brasil (Civilização Brasileira).

O articulista dos sites Diário do Centro do Mundo (DCM) e Brasil 247 Tiago Barbosa também classificou a “justa eleição de Dilma Rousseff como economista do ano” como uma “bofetada da história na cara de uma mídia canalha, misógina, golpista e mentirosa. É reparo contra uma narrativa cretina usada para justificar o ataque ao Brasil executado por um conluio fascista e antinacional”, escreveu na rede X, antigo Twitter.

Trajetória de Dilma

Formada em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Dilma atuou como secretária da Fazenda (1986-1988), de Energia, Minas e Comunicação do Rio Grande do Sul (1993 e 1998), até que se tornou ministra de Minas e Energia no primeiro governo Lula. Entre 2005 e 2010, Dilma assumiu a Casa Civil. Em 2010, concorreu às eleições presidenciais e venceu o pleito com mais de 56% dos votos válidos, tornando-se a primeira mulher no Brasil presidenta da República.

A economista foi reeleita em 2014, mas, sem maioria no Congresso, Dilma acabou sendo impedida de governar até ser deposta por um processo de impeachment em 2016. Reconhecida como um golpe jurídico, parlamentar e midiático, a manobra foi justificada pelo cometido de suposta “pedaladas fiscais”. Ainda em 2016, a então presidenta da República foi inocentada por uma perícia do Senado das acusações.

Inocentada

O laudo técnico da Casa mostrou que, “pela análise dos dados, dos documentos e das informações relativos ao Plano Safra, não foi identificado ato comissivo da Exma. Sra. Presidente da República que tenha contribuído direta ou imediatamente para que ocorressem os atrasos nos pagamentos”. Em agosto, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), com sede no Distrito Federal, também inocentou Dilma Rousseff de ter cometido as chamadas “pedaladas fiscais”, ainda hoje citadas pela mídia comercial.

Além da injustiça jurídica, o processo de impeachment também legitimou a misoginia contra a ex-presidenta. É o que mostra a professora na área de Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Perla Haydee da Silva, autora da tese de doutorado De Louca a Incompetente: Construções Discursivas em Relação à Ex-Presidenta Dilma Rousseff em uma rede social.

O trabalho comprova que o modo como Dilma foi tratada, inclusive pela imprensa comercial, tem relação direta com os discursos sexistas sobre as mulheres de uma forma geral. Revelando uma sociedade controladora e machista, que limita a mulher aos espaços domésticos para excluí-las dos espaços públicos e de poder. 

Redação: Clara Assunção


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