De volta para o passado

Convocação de Paulo Guedes provoca primeira divergência na CPI da Covid

Oposição quer explicações do ministro da Economia, mas senador Omar Aziz (PSD-AM), que presidirá CPI, não. Para economista João Sicsú, Guedes deve ser convocado

Valter Campanato/Agência Brasil
Valter Campanato/Agência Brasil
Para oposição, Guedes fere código de conduta da alta administração pública

São Paulo – A CPI da Covid – que deve ser instalada esta semana – deve ou não convidar o ministro da Economia, Paulo Guedes? Essa questão provocou, nesta segunda-feira (19), a primeira divergência entre o senador Omar Aziz PSD-AM), escolhido para presidir o colegiado, e a oposição. “Se depender de mim, não tem por que ele ser convocado”, disse Aziz à rádio CBN. O economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discorda. Para ele, é preciso explicar por que o Brasil de Jair Bolsonaro e Guedes faz o contrário, em saúde e economia, do que se vê em todo o mundo.

A tese vigente no chamado mundo civilizado é de que o combate ao vírus não deveria ser encarado como custo, mas investimento. Investir em planejamento, na compra e distribuição de vacinas – o que o governo brasileiro não fez – obviamente facilita em muito o combate à crise sanitária. Mais do que isso, há outros gastos fundamentais, enfatiza Sicsú. Como auxílios para donos de restaurantes pagarem seus empregados, por exemplo. Isso permitiria aos estabelecimentos ficarem fechados, deixando de ser focos de contaminação, além de evitar a “propagação” do desemprego.

“Há duas questões em relação à economia: a liberação de recursos direcionados à saúde e também para investimento econômico e social, como auxílio emergencial. Quanto maior o valor e quanto mais prolongado for o benefício, mais as pessoas ficam recolhidas e há menos contaminação e menor ocupação dos hospitais”, destaca o professor da UFRJ. O que o processo de vacinação e controle da pandemia significa? “O próprio governo vai ter bons resultados, que também serão para todas as áreas”, diz Sicsú.

“Resolver no voto”

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), a posição do virtual presidente da CPI contrasta com o da oposição, mas não chega, ainda, a ser um problema. “Eu diria que é uma divergência que temos que resolver no voto. Acho que foi uma declaração não muito pensada do Omar. Paulo Guedes tem que ser convocado. Não tem como não ser”, afirma. Na opinião do senador, a crise “tem tudo a ver com Guedes”. A CPI tem de apurar de que maneira se deu a aplicação dos recursos públicos liberados, se foram ou não gastos como deveriam. “E (a CPI terá também de) apurar a nossa tese de que o governo adotou uma posição de que era mais importante deixar o vírus circular, todo mundo pegar, fazendo com que o governo não tivesse que gastar dinheiro.”

Possível vice-presidente da CPI da Covid – que deve ser relatada por Renan Calheiros (MDB-AL) – , o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) afirmou no Twitter que a comissão tem de apurar “o que o ministério (da Saúde) fez de errado e o por quê. Quem atrapalhou?”. Ele acrescenta questões que têm de ser exploradas. “Pedir à Polícia Federal os 76 inquéritos abertos por mau uso de recursos do COVID. O governo federal foi omisso ou não na aquisição de vacinas?”, questionou (grafia da postagem mantida). Segundo ele, é preciso “garantir que o foco TOTAL do poder público seja na VACINAÇÃO!”

Brasil no passado

Na contracorrente do rumo de outros países, o Brasil ainda discute ajuste fiscal, teto de gastos, privatização, reforma administrativa. Ou seja, “olhando para a década de 90”, como aponta Sicsú. Do ponto de vista civilizatório, países como China, Estados Unidos e as nações da União Europeia investem na reestruturação da economia, na sindicalização, nos investimentos em larga escala em saúde e infraestrutura. “Enquanto esses países olham para o futuro, o Brasil olha para a década de 90.” Era a época em que os países da América Latina importaram as teorias neoliberais de Margaret Thatcher (no Reino Unido) e Ronald Reagan (nos EUA) dos anos 80.

Olhando para o futuro, os Estados Unidos de Joe Biden lançaram, no final de março, um gigantesco plano para financiar a infraestrutura, o desenvolvimento e o emprego, abrangendo desde a indústria até o corte das emissões de carbono, tudo numa perspectiva de reduzir a desigualdade econômica. “Se o Brasil tem como referência a economia americana, deveria seguir as posições de Biden”, opina o economista da UFRJ. Os EUA, lembra, pretendem ter vacinado contra a covid 70% da sua população em todas as faixas etárias até julho.

Apesar de tudo, na área econômica a política de Paulo Guedes conta com mais apoios do que seria razoável diante da tragédia. “Os apoiadores do governo Fernando Henrique Cardoso nos anos 90, apoiam toda a política econômica de Paulo Guedes”, observa Sicsú. “Podem até também ser oposição ao governo. São uma oposição política, mas  votam a favor de toda a politica econômica”, conclui.