Outros cantos

Zé Renato volta a cantar com público. A música acolhe, e o ‘desastre’ do governo atual vai passar

Cantor estará neste sábado no tradicional Rival Refit, no Rio. Ele celebra a volta, receia que a pandemia ainda demore e lamenta a “gestão catastrófica” do atual governo

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'Dá sempre um acolhimento para nós, artistas, da mesma forma que a música tem acolhido o público', diz Zé Renato sobre subir ao palco

São Paulo – O cantor Zé Renato voltará a se apresentar com a presença de público neste sábado, às 21h, no Teatro Rival Refit, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro, instalado na Cinelândia, região central e inaugurado em 1935. No palco, apenas ele e o guitarrista João Moschkovich, seu filho. Na plateia, apenas 40% da lotação, entre outras medidas de protocolo sanitário. Também serão arrecadados alimentos não perecíveis, como parte da campanha Salve Produção, voltada a profissionais do entretenimento.

Mesmo com a certeza de que a crise sanitária vai demorar ainda, o cantor celebra o retorno, já que foram poucas oportunidades de cantar com plateia presente nesse período de isolamento. “Dá sempre um acolhimento para nós, artistas, da mesma forma que a música tem acolhido o público”, diz Zé Renato. Ele lamenta a “gestão catastrófica” do governo em relação à pandemia.

História dolorosa

O artista espera, por sinal, que esse governo acabe antes de 2022. Diz estar torcendo “para que esse desastre, essa história tão dolorosa para os brasileiros, acabe o mais rápido possível”.

O repertório tem parcerias com Joyce Moreno, Lula Queiroga, Thiago Amud. Traz um soneto de Sidney Miller, Ilusão, musicado recentemente. Canções de Paulinho da Viola, Orlando Silva e Zé Keti, autores que Zé Renato homenageou ao longo da carreira com discos solo. O de Zé Keti, Natural do Rio de Janeiro, por exemplo, está completando 25 anos. Recentemente, o cantor lançou álbum ao vivo, gravado em 2004, com músicas do repertório de Orlando Silva.

Boca Livre

Reaberto, o Rival tem vários eventos já programados. Em 9 de julho, a brasileira-hondurenha Indiana Nomma fará tributo a Mercedes Sosa. Uma semana depois será a vez de Rosana, cantora com discos gravados e sempre lembrada por sucessos como O Amor e o Poder. incluída em trilha sonora de novela global.

E o show de amanhã, claro, terá canções do Boca Livre, grupo vocal surgido no final dos anos 1970 com um LP independente (1979) e cultuado até hoje. Em janeiro, Zé Renato e Lourenço Baeta (que substituiu Claudio Nucci em 1980) anunciaram sua saída do grupo, por divergências políticas. Maurício Maestro e David Tygel permaneceram. “Espero que as pessoas não associem o Boca Livre a esse final que foi triste, realmente, e fiquem com uma imagem de um trabalho bacana, que durou bastante tempo, Espero que fique isso, a beleza do trabalho.”

No dia 26 você estará no Rival com seu filho. Esteve recentemente no CCBB com o Cristóvão Bastos… Qual a sensação de subir ao palco novamente? Sente-se totalmente à vontade?

A sensação é ótima, é assim que a gente está habituado a trabalhar. Esse show certamente é marcante por isso também. Durante a pandemia, tive poucas oportunidades de estar fazendo show com uma parte do público. Dá sempre um acolhimento para nós, artistas, da mesma forma que a música tem acolhido o público.

É uma forma de sentir a música de um jeito que a gente está acostumado. Mesmo que a gente saiba que é uma situação que vai se prolongar ainda por muito tempo, de qualquer forma uma maneira de a gente sentir a música viva, como a gente gosta.

Você acredita que no ano que vem voltaremos a ter casas com público? Qual a sua expectativa em relação ao controle da pandemia?

A gente fica triste ao ver o que está acontecendo. Minha expectativa não é boa porque é um processo muito mais lento do que precisaria. Está vendo uma gestão catastrófica do governo, e isso faz com que a gente fique apreensivo, fique triste, diante de mais de 500 mil mortos, muitas mortes poderiam ter sido evitadas. Ficamos com a esperança de que isso mude, mas do jeito que está, com esse governo atual, as chances são muito pequenas.

E no seu dia a dia, quais os cuidados que você adota? 

Olha, eu tento me cuidar da melhor maneira possível, seguindo as orientações das organizações de saúde, dos cientistas… É assim que a gente tem feito, eu e a minha família. Tento fazer a minha parte, torcendo para que as pessoas façam também. Só que a gente está vendo que existe estímulo muito grande à população por parte do Executivo, orientando exatamente o contrário.

Você é um pesquisador de pérolas da música brasileira. Um defensor de tradições, se podemos dizer assim. Nosso cancioneiro, já tão rico, tem muito a revelar ainda? 

Na verdade, eu não me considero um pesquisador. As coisas que eu tenho, esses discos que eu fiz homenageando artistas brasileiros, boa parte são coisas que eu vivenciei desde pequeno, desde a minha infância. Esse conhecimento, eu não me considero um profundo pesquisador, mas minha base musical foi construída a partir dessas informações que eu tive na minha casa. Isso fez com que eu armazenasse muita informação a respeito de música brasileira. Isso sem precisar estudar, uma coisa que a gente escutava em casa, shows e tal.

Claro que pra fazer um disco, como alguns desses que já fiz, sei bastante coisa… Alguns eu não precisei, outros, claro, como eu sou um ouvinte de música brasileira, ouço a música brasileira não só porque gosto, por prazer, mas também para estudar. São informações muito úteis para mim. Então, são coisas que eu faço naturalmente, que eu sempre fiz desde pequeno.

De gostar de ouvir, ouço o disco de novo, conhecer ao artista, compro outro disco, aguardo outro lançamento… Essa história está presente na minha vida, sempre esteve. A música brasileira é uma fonte inesgotável, a gente tem um país repleto de criadores, de artistas maravilhosos, ao longo dos anos, um país privilegiado nesse ponto. São criadores, artistas, que deixaram um tesouro, outras gerações, e as pessoas que estão aí, fazendo música. A música brasileira nunca ficou parada, nunca se estagnou, se renova naturalmente.

Algum projeto na cabeça?

Nenhum projeto, por enquanto. Neste ano, lancei um disco ao vivo, sobre Orlando Silva, um registro de um show de 2004. Antes disso, Paulinho da Viola… Agora, como tenho as essas informações, como falei, todas armazenadas, pode ser que alguma coisa surja, alguma ideia. Vamos ver. O tempo dirá.

Você começou a cantar e tocar muito cedo. Sempre teve certeza de que esse era o caminho a seguir?

Comecei a tocar violão com 11 anos… Não sei com precisão, com 16, 17 anos eu já sentia que a música tinha um papel importante, era uma coisa que não iria sair da minha ida jamais. Me tornar profissional ou não foi uma coisa que o tempo foi me mostrando. É uma história que eu acho que a gente nem escolhe, as coisas escolhem a gente. Por aí.

Em janeiro, a produtora do Boca Livre anunciou sua saída e do Lourenço do grupo. Certamente, uma decisão difícil, por tanta história acumulada em quatro décadas, mas parece que se chegou a um limite. Passados alguns meses, qual a sensação? 

Claro que tem uma tristeza de um projeto, um trabalho que ainda poderia ter ido mais adiante. Mas, por outro lado também, a certeza de que uma história bacana foi escrita. Acho que é isso que importa, que fique isso. Espero que as pessoas não associem o Boca Livre a esse final que foi triste, realmente, e fiquem com uma imagem de um trabalho bacana, que durou bastante tempo, registrado em discos e vídeos para quem quiser ver. Espero que fique isso, a beleza do trabalho.

Por fim, tem esperança de novos rumos para o país a partir do ano que vem, com as eleições? Ou é difícil aguardar até lá?

Espero que a gente consiga superar esse momento, espero que esse governo seja interrompido, não tenha que esperar até as outras eleições. Mas se tiver que esperar, vamos esperar. Tenho certeza que as coisas vão mudar. Essa é a minha esperança. Mas torcendo para que esse desastre, essa história tão dolorosa para os brasileiros, acabe o mais rápido possível.