Estreia

Silêncio, família e desigualdade compõem o filme ‘Eles Voltam’

Longa-metragem trata sobre dois irmãos perdidos. Mas vai além: aborda relações entre classes, amadurecimento e solidariedade

Divulgação

A adolescente Maria Luiza Tavares ganhou prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília do ano passado

A cena que abre o filme Eles Voltam, que estreia amanhã (8) nos cinemas, é uma panorâmica de uma estrada no interior de Pernambuco. Ao longe, um carro para no acostamento, duas pessoas descem e o automóvel vai embora. Um menino, que não deve ter mais de 15 anos, e uma menina ficam parados esperando que o carro volte. Brigam por causa de um celular que está com pouca bateria. E esperam muito até que Peu (Georgio Kokkosi) decide ir a um posto procurar ajuda e obriga a irmã, Cris (Maria Luiza Tavares), a ficar ali, sozinha, à espera dos pais.

São quase 20 minutos de angústia e silêncio. Os poucos diálogos deixam entender que os irmãos tiveram uma briga e, irritados, os pais os abandonaram no meio da estrada para lhes pregar um susto. Tem-se a certeza de que vão voltar. Mas não. Peu, que foi buscar ajuda, também não volta. Um ciclista, curioso, pergunta se a menina é da região, e ela, com medo, silencia. Escurece e Cris passa a noite toda num banco de beira de estrada sozinha, sem comida nem água. Pela manhã, o mesmo ciclista passa e lhe oferece ajuda.

A menina de classe média, filha de um advogado e de uma dona de loja, sobe na garupa do rapaz, que a leva até sua casa: uma ocupação com barracos feitos de madeira, barro e lona. A mãe do moço, ao servir comida para a Cris, se questiona sobre o motivo do abandono: “Que estranho, uma menina tão branquinha, né?”, comenta com o filho.

A mulher organiza uma reunião com os assentados para pedir ajuda: “Se a gente levar ela pras autoridades, a gente corre risco com os que não são favoráveis a nós”. E assim começa um ciclo de solidariedade. Cris vai conhecendo uma realidade social bem distante da sua. Amadurece e passa a ter ideia das nuances da vida real. E o telespectador já não tem esperanças de que os pais voltem para buscá-la.

Mas ela volta à sua vida de classe média, agora quase tão estrangeira nesse ambiente quanto nas comunidades onde foi acolhida. Parece ter passado por uma pequena revolução interna. Seus silêncios e hesitações continuam presentes, mas algo mudou para sempre. E isso fica evidente durante o café da manhã que toma com o avô. Ao ver uma notícia na TV sobre um conflito por desocupação de terra, o avô faz um comentário favorável à retirada dos trabalhadores do terreno. Cris revida: “Se o senhor soubesse o lado deles, não falaria isso”.

Eles Voltam é o primeiro longa-metragem de Marcello Lordello, que escolheu ter nos papéis principais não-atores. O que ele conseguiu foi uma atuação muito real de Maria Luiza Tavares. Sua falta de comunicação é tão natural que incomoda. E isso acaba sendo o trunfo do filme: os gestos mínimos e sutis dos atores evidenciam uma frieza que nos dias de hoje é considerada normal, apesar de nada saudável social nem psicologicamente. Lordello consegue mostrar com êxito o abismo entre as pessoas e o vazio angustiante que povoa relações, especialmente nas famílias mais abastadas.

O filme dividiu prêmio de melhor filme com Era uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes, na edição de 2012 do Festival de Cinema de Brasília. Maria Luiza Tavares, que pouco tempo antes jamais imaginara que estaria numa tela de cinema, recebeu prêmio de melhor atriz. Sua colega de cena Elayne de Moura foi eleita melhor coadjuvante.

Eles Voltam
Direção: Marcelo Lordello
Roteiro: Marcelo Lordello
Elenco: Clara Oliveira, Elayne de Moura, Georgio Kokkosi, Germano Haiut, Teresa Costa Rêgo, Irma Brown, Jéssica Silva, Maria Luiza Tavares, Mauriceia Conceição
Produção: Mannuela Costa
Fotografia: Ivo Lopes Araújo
Trilha Sonora: Caçapa
Duração: 95 minutos

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