O ‘mano’ que Elis cantou para sempre

São Paulo – “Você precisa conhecer o nosso mano que está no exílio. Ele sabe mais do que eu e Chico juntos.” Era o que Henfil dizia a Aldir Blanc, […]

São Paulo – “Você precisa conhecer o nosso mano que está no exílio. Ele sabe mais do que eu e Chico juntos.” Era o que Henfil dizia a Aldir Blanc, parceiro de Chico Mário, o Chico da frase. O “mano” era Herbert de Souza, o Betinho, que morava na Canadá. O compositor se sensibilizava com o carinho dos irmãos e gravou a história na mente, conforme conta Dênis de Moraes no livro “O Rebelde do Traço  – A Vida de Henfil”. Nessa história ainda se juntarão dois personagens, João Bosco e Elis Regina. Estava para nascer o hino não oficial da anistia, uma história ainda incompleta do Brasil.

Antes disso, Elis e Henfil tiveram de superar desentendimentos, originados quando o cartunista “enterrou” a cantora no chamado Cemitério dos Mortos-Vivos, devido à participação (forçada) na Olimpíada do Exército. Quando ficaram frente a frente, Elis queixou-se de injustiça. Mesmo achando que ela “fraquejou”, conforme disse a Regina Echeverria no livro “Furacão Elis”, Henfil “desenterrou-a”. Reconciliaram-se.

De volta para Aldir Blanc, que em certa noite de sábado foi chamado por João Bosco para colocar letra em uma melodia recém-composta. Era uma homenagem a Charles Chaplin, que morrera no final de 1977, e inspirada na canção Smile. “Primeiramente, fizemos algo meio chapliniano, mas depois resolvemos extrapolar, aproveitando a letra para falar do sufoco dos exilados”, contou Aldir no livro sobre Henfil. Foi aí que apareceu o “irmão do Henfil” – de quem Aldir sempre ouvia falar –, além das Marias e Clarices, representando as mulheres que perderam os maridos por causa da ditadura. Maria, mulher do operário Manuel Fiel Filho, e Clarice, que era casada com o jornalista Vladimir Herzog.

Faltava o toque final, a interpretação. Elis e Henfil ouviram juntos a música, cantada por João Bosco em um gravador. E o cartunista conta que “desabou” após ouvir a interpretação de Elis, com arranjo de César Camargo Mariano. “Eu desmontei ali. Quando Elis botou a voz, e eu percebi principalmente que ela estava botando mais a emoção do que a técnica, aí eu desbundei. Quando acabou a música, percebi que a anistia ia sair, e olha que estávamos no começo da campanha, mal juntávamos quinhentas pessoas.”

Completa ou não, a anistia saiu, no mesmo ano (1979) em que O Bêbado e a Equilibrista foi lançada. Henfil ligou para Betinho, pôs a música na vitrola e falou: “Escuta aí, mano…”