Mais de 12 milhões podem se beneficiar do vale-cultura

Similar ao vale-refeição o presidente Lula lança amanhã em São Paulo o vale-cultura que ainda precisa de aprovação do Congresso

O presidente Lula participa nesta quinta-feira, 23, da cerimônia de criação do Vale-Cultura, em São Paulo. Nos moldes do vale-refeição e alimentação, o projeto institui um benefício mensal de R$ 50,00, que o trabalhador poderá gastar exclusivamente na compra de bens culturais, como livros, CDs, DVDs ou ingressos para cinemas, museus, teatros e shows.

O benefício será pago pelas empresas, que poderão abater o valor no imposto de renda pago anualmente à Receita Federal, até o teto de 1% do total recolhido. O trabalhador que ganha até cinco salários mínimos mensais, terá um desconto em folha de pagamento de até 10% desse valor. Numa conta simples, dos R$50,00 de benefício, apenas R$ 5,00 será bancado pelo próprio beneficiado. Os que ganham acima de cinco salários terão desconto que podem variar de 20% a 90%.

Para entrar em vigor, o projeto de lei que será assinado pelo presidente Lula precisa passar pelo Congresso Nacional. Apesar da onda de escândalos em Brasília e da instalação da CPI da Petrobras, o secretário de Incentivo e Fomento à Cultura do governo federal acredita que não haverá problemas na aprovação do projeto.

“Já há uma frente parlamentar de apoio à cultura constituída, que conta com a participação de mais de 300 parlamentares, entre deputados e senadores. Eles estão ansiosos para discutir não só esse projeto, mas também as mudanças na Lei Rouanet”, conta Roberto Nascimento.

De acordo com o secretário de Incentivo e Fomento à Cultura, o projeto já estará protocolado e pronto para votação no dia 03 de agosto, data de retorno das atividades parlamentares na capital federal.

“O Ministério da Cultura já trabalha com a aprovação desses dois projetos até o fim do ano”, revela Nascimento.

O MinC considera o vale-cultura o teste de fogo para as mudanças que pretende propor na Lei Rouanet, que fomenta e incentiva a produção cultural no país desde 1991, através de renúncia fiscal. Desde o início do ano, o ministério percorreu cerca de 14 capitais, promovendo debates e colhendo propostas para a nova lei. Foram mais de 2 mil sugestões recolhidas pelo Brasil, que estão sendo sistematizadas num único projeto que também deverá passar pelo Congresso.

“É preciso criar novas fontes de financiamento para a Cultura”, disse Nascimento. “O vale proposto pelo governo não acabará com a Rouanet nem reduzirá as verbas de fomento. Mas com um cenário de exclusão aos bens culturais que temos no Brasil, é necessário também incentivar o acesso dos trabalhadores às produções culturais”, completa.

Desigualdade cultural

O acesso precário dos trabalhadores aos bens culturais foi o principal motivo de controvérsias nos debates sobre a reforma da Lei Rouanet pelo Brasil. Segundo o Ministério da Cultura, 85% de todos os recursos capitados nas empresas privadas são direcionados aos estados da região sudeste, principalmente São Paulo, Rio e Minas Gerais. O MinC também diz que apenas 14% da população brasileira vai regularmente aos cinemas.

Outro dado alarmante aponta que 96% da população não frequenta museus, 93% nunca foram a uma exposição de arte e 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança. “O consumo cultural no país ainda é visto com uma coisa de rico”, lamenta Roberto Nascimento.

Para a advogada Cristiana Olivieri, especialista em leis de incentivo cultural, a distorção na captação de recursos pela Rouanet também acontece porque os estados do sudeste concentram os maiores centros urbanos do país, onde a demanda por cultura é obviamente maior.

A advogada também lembra que muitas empresas envolvidas em produções culturais no país se instalam nessas capitais, em busca de acesso mais fácil aos mecanismos burocráticos que envolvem a captação de recursos.

“Nós não temos um projeto nacional que priorize a regionalização das produções econômicas”, diz a advogada. “As leis de incentivo seguem a linha da concentração das empresas, que estão majoritariamente no sudeste, juntamente com a massa populacional”, explica Cristiana Olivieri.

Segundo a especialista, vários projetos são concebidos no eixo Rio-São Paulo, mas são destinados a outras regiões do país.  Apesar da discordância pontual, ela admite que o vale-cultura é um passo importante para a produção de cultura no país. “O projeto cria a terceira perna de sobrevivência das empresas, que é a entrada de receita de bilheteria dos próprios eventos”, comenta Olivieri.

Atualmente a venda de ingressos cobre apenas 30% de muitas produções culturais no país. O restante das verbas são oriundas das leis de incentivo de estados, municípios e do próprio governo federal, que, além de injetar verba do orçamento, abre mão de parte da arrecadação fiscal junto às grandes empresários financiadores.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a maioria dos espetáculos também usa outras fontes para viabilizar os projetos. “A bilheteria corresponde apenas a 50% do orçamento norte-americano. Quanto mais comercial, maior o percentual de sobrevivência apenas com as receitas de público. Porém, grande parte dos produtores dos Estados Unidos buscam financiamentos por outros mecanismos”, comenta Cristiana Olivieri.

No Brasil, segundo a advogada, é preciso reforçar o tripé de incentivo à Cultura. O vale criado pelo governo vai injetar dinheiro no mercado, mas também é necessário um fundo público forte de financiamento e leis de renúncia fiscal mais objetivas, onde a decisão sobre a destinação das verbas não fique apenas sob a tutela das áreas de marketing das empresas.

Geração de emprego e renda

A previsão do Ministério da Cultura é que cerca de 12 milhões de trabalhadores sejam beneficiados com a aprovação do novo benefício no Congresso. O governo federal prevê ainda que o vale-cultura coloque R$ 7,2 bilhões no mercado cultural, financiando novos projetos, gerando emprego e mais renda para a população. O valor é sete vezes maior que os recursos anuais captados pelo mercado via Lei Rouanet.

“O país inteiro passa por um processo de redução das desigualdades sociais e regionais. Nesse momento a Cultura tem uma função primordial de qualificar, critica e estéticamente, esse consumo social e, consequentemente, qualificar a população brasileira para o futuro”, afirma Roberto Nascimento, secretário de Incentivo e Fomento à Cultura do MinC.

O lançamento oficial do Projeto de Lei que cria o Vale-Cultura acontecerá no Teatro Raul Cortez, sede da Fecomercio em São Paulo. Além do presidente Lula, participam da cerimônia a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o da Cultura, Juca Ferreira. Na ocasião, também haverá no local uma exposição sobre os Programas Mais Cultura e Cultura Viva, do MinC.