Memória derrubada

Amigos tentam resistir, mas casa de Caio Fernando Abreu vai ao chão em Porto Alegre

Associação ainda tentou impedir a demolição, concluída ontem à tarde

Nádia Weber
Nádia Weber
Associação entrou com ação na Justiça e marcou ato para hoje, mas a demolição foi mais rápida

São Paulo – Foi rápido. Movimentos se organizaram para tentar um último esforço de resistência e mobilização, inclusive judicial, mas a casa onde o escritor Caio Fernando Abreu viveu seus últimos anos foi definitivamente derrubada no final da tarde de ontem (18), em Porto Alegre. Restaram escombros, tristeza e lembranças.

O imóvel fica, ou ficava, na rua Oscar Bittencourt, no bairro de Menino Deus. Em abril, a prefeitura concedeu licença em abril para demolição de duas casas vizinhas, incluindo aquela onde morou o escritor, jornalista e dramaturgo. Segundo a Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade informou ao portal g1, a licença foi expedida “de acordo com as regras de licenciamento urbanístico e ambiental” da capital gaúcha. Não se sabe o que será construído no local.

“A cultura é viva”

Ainda na tarde de ontem, a Associação Amigos do Caio Fernando Abreu entrou com ação popular para tentar impedir a demolição, que foi concluída horas depois. A entidade também divulgou carta aberta pela preservação do espaço.

Caio Fernando Abreu: obra inquieta que atravessou gerações (Adriana Franciosi/Divulgação)

“A cultura é viva, e se não preservarmos o que temos de concreto hoje, amanhã serão apenas fragmentos desbotados de um tempo que não volta mais”, diz um trecho do documento. “A casa do Menino Deus foi cenário para um novo Caio F, que se dedicava à arte da vida, das cores, das flores, em tempos de admirar e escrever sobre a beleza deslumbrante dos girassóis. (…) Que este espaço possa permanecer na cidade, como um respiro, uma lembrança deste lugar descrito na obra de Caio Fernando Abreu.” A demolição, rápida, ocorreu antes do ato previsto para hoje ao meio-dia. (A foto que abre este texto é da historiadora Nádia Weber, que tem especialização, entre outros temas, em memória e bens culturais.)

Sem respeito pela memória

O movimento para salvar a casa começou em 2010, com o objetivo de transformá-la em centro cultural. “Mas o mercado imobiliário é muito mais ágil e mais forte que o mercado cultural, infelizmente. A casa acabou sendo leiloada antes da gente conseguir desenhar o projeto”, afirmou ao jornal Sul 21 a presidenta da associação (criada em 2011), a produtora cultural Liana Farias. “Eu estou muito triste de ver como o nosso país não tem nenhum cuidado com a memória, não tem nenhum respeito pela história, não só das pessoas, mas também da cultura. (…) Quem leu a obra do Caio conseguiu entrar várias vezes naquela casa.”

O autor nasceu em 1948 em Santiago do Boqueirão (RS), trabalhou em jornais e revistas e publicou vários livros. Sua obra mais lembrada é Morangos Mofados, de 1982. Em 1984, ele ganha um prêmio Jabuti com O Triângulo de Águas, publicado no ano anterior. Outras obras conhecidas são Os dragões não conhecem o paraíso (1988) e Onde andará Dulce Veiga? (1990).

No início dos anos 1970, perseguido pela ditadura, exilou-se na Europa, depois de se esconder em uma chácara da também escritora Hilda Hist. Em 1994, descobriu ser portador do HIV. Morreu em Porto Alegre em 1996.