Direitos humanos

Curta feito por usuários da rede de saúde mental aborda tratamento humanizado

'Trajetórias de Uma Crise' foi roteirizado, produzido e encenado por frequentadores da rede pública de saúde mental de Guarulhos. Filme estreia dia 10 em São Paulo e será exibido em várias instituições

Divulgação

Para o diretor Marco Ribeiro, a produção do curta proporcionou a melhora da autoestima dos usuários da rede

No próximo sábado (10), às 11h, estreia no Cine Direitos Humanos, no Shopping Frei Caneca, em São Paulo, o curta-metragem Trajetórias de Uma Crise. Roteirizado, produzido e encenado por usuários da rede pública de saúde mental de Guarulhos e dirigido por Marco Ribeiro, o filme de 20 minutos será lançado exatamente no Dia Mundial da Saúde Mental.

A obra, uma ficção baseada em fatos reais, retrata a trajetória de duas pessoas em situação de sofrimento psíquico que recebem atendimentos bem diferentes entre si. Durante uma crise, Santiago Cruz de Souza é levado ao Hospital Municipal de Urgências (HMU), onde é amarrado e recebe medicamentos à força. Já Joana dos Anjos é levada ao Centro de Atenção Psíquico Social (Caps), onde é acolhida, ouvida e tratada de forma humana. Como parte do tratamento, ela participa de atividades lúdicas, como oficinas de teatro, música e de leitura e recebe medicamentos de forma consentida.

O filme nasceu com a proposta de uma oficina de vídeo voltada para os usuários e trabalhadores da rede de Saúde Mental de Guarulhos, como parte do projeto “Saúde e cultura: a construção de percursos culturais, itinerantes e imprevisíveis”, financiado pelo Ministério da Saúde e executado pela Secretaria Municipal de Saúde.

Segundo o diretor geral do curta, o jornalista e radialista Marco Ribeiro, o filme é “um instrumento político de debate sobre o procedimento dedicado aos pacientes em crise que são levados aos HMU e tratados de modo cruel, desumanizado”, afirma. “Propus que fizéssemos um vídeo que falasse sobre a realidade deles, ideia com a qual o grupo concordou e assumiu inteiramente. Eles percorreram todas as etapas: argumento, roteiro, captação de áudio e vídeo, produção, atuação e edição”, conta.

Tudo feito de forma coletiva. Frequentadores, trabalhadores do Caps – uma psicóloga, uma terapeuta ocupacional, uma socióloga – e o diretor se encontravam semanalmente para discutir sobre o filme. Segundo Ribeiro, tudo era decidido por consenso. “Só o roteiro, ficamos discutindo quase dois meses. Uma ação terapêutica onde a invenção da estória dos personagens dialogava com as experiências de vida de cada um. Certa vez, um dos participantes do grupo declarou: ‘Um dos dias em que a gente mais compartilhou o que a gente vive…’ Até os nomes e caracterização visual e da personalidade dos personagens eram discutidos. Esse processo, inclusive, deu mais segurança para que eles atuassem. Fizemos pequenos ensaios para a gravação, mas não havia texto: dirigíamos a gravação apenas contando como era a situação da cena e eles improvisavam, falando do seu modo.”

Para o diretor, a produção de Trajetórias de Uma Crise fortaleceu os usuários da rede de saúde mental e proporcionou a melhora da autoestima entre eles. “A construção de um trabalho como esse possibilitou um importante deslocamento dessas pessoas, que saíram de uma lógica socialmente instaurada da incapacidade para uma de criatividade e atuação no mundo. Outra coisa importante foi a denúncia contida no filme sobre os maus-tratos a que elas/eles são submetidos quando chegam em crise ao HMU. Incluir a denúncia foi unanimidade entre eles e também um desabafo, pois a maioria já passou por isso”, declara Marco Ribeiro.

A trilha sonora traz a participação de dois grupos atuantes na área de saúde mental. O primeiro, Harmonia Enlouquece, nasceu a partir do projeto “Convivendo com a Música”, do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro. O segundo, o Coral Cênico Cidadãos Cantantes, criado há mais de 20 anos em São Paulo, gravou a música Dor Elegante especialmente para o curta-metragem. A faixa Pirex, de Itamar Assumpção, também compõe a trilha do filme.

“O curta Trajetórias de uma Crise rompe paradigmas. A estética do belo, do bonito e do perfeito foi quebrada. Dar acesso à população a ferramentas para que ela possa se expressar é uma atitude de romper com o que a grande mídia faz. Se ver representado num vídeo, além de ser uma política de Saúde é também uma política de Comunicação”, opina Ribeiro.

Além da exibição gratuita no Cine Direitos Humanos neste sábado, o curta-metragem também será apresentado em outros locais, como instituições de saúde mental, cineclubes, coletivos e seminários. Na próxima quarta-feira (14), às 19hs, ele será exibido gratuitamente no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes. Para saber outras datas, horários e locais de projeção, envie um e-mail para [email protected].

Trajetórias de uma Crise
Quando: sábado,10 de outubro, às 11h
Onde: Cine Direitos Humanos de São Paulo, no Shopping Frei Caneca
Rua Frei Caneca, 569, Consolação, São Paulo (SP)
Quanto: grátis

Quando: quarta-feira, 14 de outubro, às 19h
Onde: Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes
Rua Inácio Monteiro, 6900, Cidade Tiradentes, São Paulo (SP)
Quanto: grátis
Mais informações: (11) 2555-2840