Sem ‘camisas de força’, Frei Betto diz ter obsessão por produzir obra literária

Ele conta que passou a se isolar para escrever após uma sessão de búzios. Cansado das crônicas, sua meta é construir uma obra de ficção. 'Escrevo com a pele', diz

Segundo Frei Betto, as coisas que ele tinha a dizer por meio de ensaios, por exemplo, já foram ditas (Foto: Divulgação)

São Paulo – Livre das amarras proporcionadas pelo pensamento político e religioso, que no entanto não deixam de estar presentes, o jornalista e escritor Frei Betto quer agora se dedicar à ficção. “Minha obsessão hoje é fazer uma obra literária. O fato de eu ter entrado na militância política muito cedo (13 anos) e depois numa ordem religiosa (dominicanos) são duas camisas de força para quem quer fazer ficção”, afirmou, na noite de quinta-feira (29), ao lançar o livro Minas do Ouro, um romance histórico passado em sua Minas Gerais – ele nasceu em Belo Horizonte. Autor de vários livros que retratam o período da ditadura, Frei Betto diz que a arte não passa pela esquerda nem pela direita: “Tem de produzir beleza”.

Segundo o autor, as coisas que ele tinha a dizer por meio de ensaios, por exemplo, já foram ditas. Mesmo as crônicas que continua produzindo regularmente são feitas por obrigação. “Já não faço por prazer”, diz Frei Betto.

Minas do Ouro foi o livro que mais consumiu tempo do escritor, que já lançou mais de 50 obras. Essa exigiu 13 anos, superando Batismo de Sangue, que levou 10, e foi escrito em tempos duros, abordando o sofrimento de Frei Tito, dominicano que não suportou as torturas impostas pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury e se suicidou tempos depois, em 1974, na França. “As pessoas tinham medo de falar. Eu precisava escutar ex-presos políticos, pesquisar o regime militar, que ainda vigorava”, lembra.

Pesquisa, por sinal, é fundamental em qualquer obra, garante o escritor, que quando estava na escola considerava o bandeirante Fernão Dias praticamente um super-herói. “O perigo do romance histórico é cair no ensaio. O desafio é construir o começo, meio e fim.”

E escrever, para ele, é um ato solitário e silencioso. Frei Betto conta que, na época de Batismo de Sangue, foi levado a um terreiro e uma mulher, jogando búzios, disse que ele estava fazendo um trabalho que exigia muito. E acrescentou que ele estava falando demais. “Se você parar de falar, ele (o trabalho) vai render”. “E não deu outra”, afirma o escritor, que desde então se isola quando está envolvido com um trabalho. Reserva 120 dias por ano apenas para escrever. “Não são seguidos, mas são sagrados”, conta.

Além disso, ele redige inicialmente a mão, para, como diz, dar “sabor literário” ao texto. “Escrevo com a pele, não com a razão”, afirma Frei Betto. “E não tenho pressa de terminar, de publicar.”

Sobre as novas mídias, Frei Betto conta que tem conta na rede de microblogues Twitter, mas não conversa com os seguidores. “Eu dialogo, com outro nome, com algumas pessoas que sigo.”

Finalista, com Hotel Brasil, do prêmio Jabuti (que já ganhou em 1982, com Batismo de Sangue), ele garante que não quer entrar para a Academia Brasileira de Letras (ABL). “Soltaram aí na Veja online que sou ‘candidatíssimo’. Não sou. Estou na fase da vida que não tenho mais paciência para reunião. Não tenho a veleidade de ir para a Academia”, desmente. “Costumo dizer que alguns são imortais porque sobrevivem à própria obra. A obra morre e eles continuam lá.”

“Agora, para entrar na Academia, deveria se apresentar uma obra”, ironiza. Embora o escritor não tenha feito qualquer menção direta, o mais recente eleito para a ABL, o jornalista Merval Pereira, foi motivo de questionamentos e até de piada por não ser autor de livros, exceto coletâneas de artigos publicados na imprensa.