Para Ministério Público, GCM abordar morador de rua é inconstitucional

Constituição restringe atuação de guardas municipais a proteção patrimonial. Prefeitura não poderia restringir acesso a espaços públicos

Moradores de rua amanhecem na Praça da Sé: em vez de políticas públicas, tratamento policial, truculência e ‘descarte’ (CC/miltonjungblog/Flickr)

São Paulo – O Ministério Público de São Paulo quer que a prefeitura da capital indenize a sociedade em R$ 20 milhões pelos abusos cometidos pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) contra pessoas em situação de rua. Além de ter recebido denuncias de diversas agressões, o MP argumenta que o decreto municipal que permite que a Guarda aborde os moradores de rua é inconstitucional. Leia a seguir trechos da entrevista com Alexandre Marcos Pereira, promotor de justiça de Direito Humanos do Ministério Público.

As atuais atribuições da Guarda Civil Municipal de São Paulo estão dentro dos objetivos para os quais ela foi criada?

Existe um decreto municipal em São Paulo que dá poder para a CGM fazer esse tipo de abordagem às pessoas em situação de rua. O que nós sustentamos na ação é que esse decreto é inconstitucional. Ele dá poderes à Guarda que fogem daquele papel que a Constituição atribui no artigo 144 parágrafo 8. As guardas municipais têm o propósito de resguardar o patrimônio do município. O que passar disso está fora da lei.

O município pode alegar que, ao tirar as pessoas de um logradouro público, a GCM, e portanto a prefeitura, está protegendo o patrimônio público?

Essa argumentação é absurda. A rua, a praça, o jardim, juridicamente, são bens de uso comum do povo. Ou seja, são bens que, embora pertençam à prefeitura, não podem ter o uso cerceado por ela. É possível até colocar regulamento administrativo, dizer que vai funcionar de tal hora a tal hora. Mas não pode determinar que só podem frequentar esses locais pessoas vestidas assim ou assado ou se estiverem calçadas. A restrição não pode ser pautada pelo critério de desigualdade. A prefeitura não pode dizer que pessoas de classe média ficam e não devem ser incomodadas e moradores de rua não podem. Isso é um absurdo. É uma recomendação ilegal.

Pode-se alegar que as recomendações têm caráter assistencial?

Toda essa política autoritária é travestida de uma política social. O decreto diz que é um programa de proteção à pessoa em situação de rua. Mas a prova que esse não é o objetivo é que elas não são levadas para a assistência social. Só são retiradas, como objetos.