Blumenau luta para evitar futuros desastres em áreas de risco

Cidade catarinense busca se refazer de desastre geológico de 2008. Mas, especialista alerta para possibilidade de ocorrências piores

Parte de Blumenau, após as chuvas de 2008, que atingiram diretamente 9 mil pessoas (Foto: Secretaria de Comunicação do Exército Brasileiro)

São Paulo – Em novembro de 2008, a população e as autoridades de Blumenau, na região nordeste de Santa Catarina, a 130 km de Florianópolis, foram surpreendidas com uma série de deslizamentos que afetaram um terço da população.

Os deslizamentos foram consequência de 14 semanas de chuva, a pré-disposição geológica da região e o tipo de ocupação do solo. Segundo dados oficiais, essa conjunção de fatores se mostrou trágica e deixou nove mil pessoas desabrigadas. “Ninguém esperava aquilo”, descreve Vera Krummenauer, diretora de Planejamento Urbano da cidade.

Origem do problema

De acordo com Rafaela Viera, urbanista e professora da Universidade do Vale do Itajaí (Univale), apenas “40% de Blumenau é passível de ocupação”.

Entretanto, morros e encostas foram ocupados pela população sem condições de acesso à moradia que procuraram áreas de “baixo valor comercial”.

Em pequena proporção, áreas de risco também foram ocupadas pela população de maior renda. “O desastre de 2008 foi democrático, atingiu pessoas de todas as classes”, lamenta  Rafaela.

Logo após o desastre, sentido por toda a população, a cidade começou a se refazer. “O processo de reconstrução deve ser mais forte e mais correto”, afirma o secretário adjunto de defesa civil, major Aldo Batista Neto. Ainda em 2008, a Secretaria de Planejamento foi reestruturada com a criação de uma diretoria de Geologia e a Defesa Civil ganhou status de secretaria e passou a se responsabilizar pela emissão de alvarás e fiscalização de obras.

Em março deste ano, uma nova legislação para disciplinar o zoneamento da cidade entrou em vigor, com restrições severas à ocupação do solo. A legislação amplia as zonas de proteção ambiental, onde o nível de ocupação é menor e obedece a critérios rígidos. Também aumenta a restrição a construções em áreas de cheias e de risco geológico.

As construções em áreas “normais” dependem de laudos dos responsáveis técnicos, explica Vera. Por outro lado, áreas livres de enxurradas e enchentes terão o potencial de construção mais explorado.

A população também deve manter 20% de permeabilização do solo e fazer captação de água da chuva. “Não se pode mais impermeabilizar 100%, como acontecia antes”, menciona. “Captação de água de chuva também vai ser obrigatório”, detalha.

A prefeitura realizou a remoção de famílias de 500 residências em áreas de risco, de um total de 800, que devem ser demolidas, cita o major Neto.

Defesa Civil

Desabrigados

Um ano e meio após os deslizamentos, duas mil pessoas ainda moram em locais provisórios.

Demolições

500 residências de um total de 800, em áreas de risco, foram demolidas.

Neto sustenta que a cidade demorou dois anos para elaborar o Plano Municipal de Redução de Riscos, a partir de oito tipos de mapas. Mas, admite que poucas cidades possuem um plano de redução de riscos.

Para lidar com os deslizamentos, a cidade mudou o foco da Defesa Civil, que a partir dos incidentes passou a incluir a preparação para lidar com deslizamentos, além das enxurradas. “Antes, as enchentes eram o problema. Mas em 2008, o modelo de chuva foi totalmente diferente”, explica o major.

Alerta continua

Para o presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Médio Vale do Itajaí, Juliano Gonçalves, a população de Blumenau ainda corre sérios riscos. “As prefeituras não atuam na gestão, no planejamento”, avalia. “Nenhuma ocorrência é novidade. São questões cíclicas, portanto previsíveis”, dispara o especialista.

Ele afirma que a própria prefeitura desrespeita o plano diretor porque 95% dos prédios públicos estariam na ilegalidade.

Amparada em um decreto municipal, a prefeitura teria deixado de emitir alvarás para construções, até que a nova legislação entrasse em vigor, a partir de março passado. O resultado foi que a população passou a reconstruir a cidade por conta própria, mesmo onde houve deslizamentos, ou seja, em áreas de risco. “A prefeitura incentivou construir na ilegalidade. A população reconstruiu onde caiu, por omissão da prefeitura”, critica.

Gonçalves calcula que as construções irregulares vão potencializar dez vezes mais a ocorrência de novos problemas. “Algumas obras de reconstrução já caíram”, denuncia Gonçalves.

A especulação imobiliária, outro problema comum nas cidades, também permanece, diz o especialista. “O mercado não pode regular a ocupação urbana. Tem de ser pública”, detecta. “O local mais inseguro fica com a classe menos favorecida e nenhuma ação concreta foi tomada para modificar essa situação”, continua. “Vai acontecer de novo”, alerta. E lamenta.

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