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Moradores criticam revisão do PDE e verticalização sem controle em São Paulo

Audiência pública para revisão do Plano Diretor Estratégico da capital paulista cobra responsabilidade social e ambiental das construtoras

divulgação/gov. SP
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Em foco nas discussões do PDE, o descontrole e a degradação ambiental como consequência da especulação imobiliária

São Paulo – O Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo (Lei 160150/2014) passa por revisão obrigatória neste ano, conforme planejado no texto original da lei, sancionada pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT). Embora as diretrizes centrais do projeto devam ser mantidas – em alguns casos, até mesmo com implementação aprimorada –, uma das principais preocupações dos paulistanos tem relação com a verticalização descontrolada em regiões da capital.

Como parte do processo de revisão do PDE, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (Smul) realiza durante esta semana uma série de audiências públicas temáticas. Hoje (28) foram discutidos temas relacionados ao meio-ambiente urbano. Em foco, o descontrole e a degradação ambiental como consequência da especulação imobiliária. Foram apresentados exemplos e questionamentos a gestores do poder público, que pouco intervieram durante as falas.

35 torres em dois anos

“Aqui no Cambuci, em dois anos, temos 35 torres que vão aparecer no bairro. Vão criar áreas mais impermeabilizadas. Devem aumentar enchentes, águas das chuvas devem descer para outros bairros. Não adianta fazer novos empreendimentos e não cuidar. Incentivar novos empreendimentos sem cuidar da permeabilidade. Enel, Sabesp, toda estrutura que chega (…) Enquanto isso, temos um plano de arborização que foi abandonado”, afirmou João Afif, que é morador daquele bairro da região central de São Paulo.

A má gestão da água foi apontada como ums das principais deficiências da administração pública municipal. Em especial, a falta de responsabilização das construtoras. De acordo com a prefeitura paulistana, foram abertos mais de 10 mil chamados sobre irregularidades em obras na capital até setembro deste ano. Destas, foram aplicadas 1.400 multas e 500 obras foram paralisadas. “Prédios jogam água que mina no subsolo fora, nas ruas, com bombas. O PDE poderia saber onde estão os bolsões de água e (avaliar) o que fazer com isso. Vemos aqui no bairro água desperdiçada todos os dias”, completou Afif.

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Desperdício sistemático

A questão do esgotamento dos recursos hídricos também passa pela construção descontrolada de prédios. Novos empreendimentos tocados com velocidade surpreendente atendem à especulação imobiliária, sem a correspondente responsabilidade sócio-ambiental e urbanística. “Me parece que muita coisa (positiva) do PDE o Executivo não quer que vá para frente. Como vamos discutir o plano sem sequer aplicá-lo? Sobre as águas subterrâneas, temos muita no subsolo, mas o que mais vemos são os mastodontes dos condomínios jogando água 24 horas por dia na rua. É preciso tomar conta desta água. É uma obrigação dos empreendimentos reservar água do subsolo para outros usos”, disse Fábio Pereira.

“São muitos empreendimentos, muita água sendo jogada fora. Moro na Aclimação, prédios e mais prédios 24 horas por anos jogando água. Tiram a água das garagens, bombeiam para as ruas. Que São Paulo queremos? Só prédios de 30, 40 andares? O céu roubado, as árvores roubadas? O que teremos? O que estamos fazendo com São Paulo? Se em um primeiro momento o adensamento era para trazer a população para o eixo do metrô, agora quem ele privilegia? Gente que pode pagar apenas”, disse Rosália Luz, referindo-se ao custo dos novos lançamentos residenciais na capital.

O PDE de São Paulo prevê o controle do adensamento urbano em regiões próximas a metrôs e terminais de ônibus. Entretanto, muitos dos empreendimentos construídos nestas regiões não atendem a nenhum interesse social, mas apenas à especulação. “O que tem sido construído são prédios de alto padrão. Não é para a população. A população continua invadindo (sic) área de manancial para viver. O PDE quis uma coisa mas parece que está ganhando a especulação, a ganância. E a cidade está cada vez mais opressora. Prédio, prédio, prédio”, completa Rosália.

Cidade para quem?

A audiência também tratou o tema de ocupações de risco em regiões de mananciais, em especial nos entornos da represa Guarapiranga. A falta de saneamento básico e a impermeabilização do solo que tangenciam a questão trazem problemas relacionados à falta à queda da qualidade da água fornecida para metade da cidade, que em na represa um de seus principais reservatórios. ” A questão ambiental está muito ligada à social e à educacional. Falam das invasões, mas essa questão não é só ambiental. Por que tem invasões? Há moradia social suficiente? Empreendimentos lançados estão suprindo a necessidade da população? Ao meu ver não. É um debate que precisa ser discutido”, disse a moradora Heloísa Gomes.

O PDE elaborado e sancionado na administração de Fernando Haddad prevê a preservação ambiental do entorno de São Paulo – o chamado “cinturão verde”. Entretanto, mesmo estes espaços estão na mira da especulação imobiliária. Jorge Mello, morador da região do Parque dos Príncipes, na divisa com Osasco (zona oeste), apresentou exemplos de seu bairro. “Teremos um choque habitacional com dois empreendimentos a serem lançados. Um deles (…) inicialmente serão 20 prédios, inseridos dentro de um clube de golfe. São para pessoas que realmente têm poder aquisitivo. Em outro empreendimento (da construtora Tenda) são 1.213 apartamentos com apenas 144 vagas de garagem. O negócio vai ficar ruim. Imagina o gargalo no trânsito. Não tem transporte público, ônibus, metrô suficientes.”

Participação

Por enquanto, o processo de revisão do PDE de São Paulo está em estágios iniciais, após um certo atraso em razão da pandemia de covid-19. O processo foi alvo de críticas da oposição, que pediu o adiamento da revisão em benefício de uma participação popular mais forte, através de encontros presenciais no fim da pandemia. Entretanto, a gestão municipal optou por proseguir com os trabalhos.

“As contribuições devem ser analisadas e sistematizadas de acordo com os temas. Então, será realizada uma devolutiva da secretaria com encaminhamentos. As formas de participação são as reuniões temáticas e a plataforma do governo Participe+ . A população também pode opinar no site planodiretor.sp.gov.br “, explicou o arquiteto da Smul Tales Moraes.

“A política ambiental se articula com sistemas estratégicos de desenvolvimento econômico. Destacam-se a conservação e recuperação do meio ambiente, reduzir a contaminação ambiental, proteger recursos hídricos, incentivar práticas de proteção, minimizar a impermeabilização, conservar a biodiversidade, melhorar a relação de áreas verdes por habitantes, reduzir enchentes, minimizar ilhas de calor e compatibilizar qualidade de vida, proteção ambiental e desenvolvimento”, completou.