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Movimentos protestam contra revisão do Plano Diretor em São Paulo sem participação popular

Cerca de 1.500 pessoas marcharam pelas ruas do centro de São Paulo, nesta terça (10), e cobraram do prefeito Ricardo Nunes o adiamento da revisão. “Momento de pandemia não é oportuno e estão atendendo somente ao interesse do mercado imobiliário”, denunciam

UMM-SP/Divulgação
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São Paulo – Contra a revisão do Plano Diretor sem a participação popular, movimentos de favelas, ocupações, cortiços, população sem-teto e pessoas engajadas em mutirões de habitação popular, protestaram pelas ruas do centro de São Paulo na manhã desta terça-feira (10). Principal diretriz para o desenvolvimento urbano da capital, a legislação vem sendo revisada em meio à pandemia de covid-19 pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), sem levar em conta os interesses da sociedade civil, preferindo privilegiar empreiteiras, conforme denunciam os manifestantes. 

Organizados também pela União dos Movimentos por Moradia de São Paulo (UMM-SP)  e a Frente São Paulo pela Vida, formada por mais de 370 entidades da sociedade civil, eles cobram que o processo seja suspenso até que a crise sanitária esteja controlada e a consulta pública seja acessível. Aprovado em 2014, durante o governo de Fernando Haddad (PT), a Lei 16.050 previa, desde a sua vigência, revisão para este ano. No entanto, os movimentos sociais reivindicam que a pandemia prejudica o processo em tempo hábil e impõe outras prioridades.

MP-SP também critica revisão

“Nós queremos o adiantamento (da revisão do plano diretor de São Paulo). Primeiro porque não é possível garantir a participação popular em um prazo tão curto, especialmente nesse momento em que ainda estamos na pandemia e que a cidade vive um caos social, com emergência alimentar, emergência do emprego e do dia a dia. Nós entendemos que não é oportuno nesse momento a revisão e também porque a prefeitura está atendendo somente o interesse do mercado imobiliário. Eles sim querem rever o plano porque querem ganhar e lucrar mais com a cidade. Hoje a cidade tem outras prioridades que não é a revisão do plano diretor”, afirmou a ativista Evaniza Rodrigues, uma das lideranças da UMM . 

As críticas também são reconhecidas pelo Ministério Público de São Paulo. Nesta segunda (9), o órgão recomendou que a administração municipal adie o início das audiências públicas no processo de revisão.  Em parecer encaminhado a Nunes, os promotores de Habitação e Urbanismo apontam que a prefeitura deixou de cumprir os requisitos para que o processo fosse acessível a toda a população. A promotoria afirma ainda que “não há existência de urgência”. E cobra que a prefeitura apresente “os estudos técnicos já elaborados e que venham a ser realizados”. Assim como garanta a “inclusão digital” da população mais vulnerável no processo de revisão. 

“A situação excepcional da pandemia da Covid-19 torna razoável que os trabalhos de revisão ultrapassem o termo final”, justifica a promotoria. 

Interesses das empreiteiras

Evaniza explica que está em jogo, por exemplo, parte dos recursos arrecadados pelo Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que são destinados à construção de moradia popular e a projetos de mobilidade. O fundo é financiado pela chamada outorga onerosa paga ao poder público pelas construções urbanas que ultrapassem o tamanho máximo definido pelo plano diretor. Segundo a liderança, é interesse das empreiteiras construírem imóveis verticalizados cada vez maiores, pagando menos pela outorga. 

Para tentar impedir que o prefeito “passe a boiada”, nas palavras dos movimentos, cerca de 1.500 pessoas marcharam, calcula a organização, por volta das 10h, do Largo São Bento em direção à Secretaria Municipal de Habitação. Em frente à sede da pasta, os manifestantes também protestaram contra os despejos e cobraram por projetos e programas de moradia digna.  

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Manifestantes caminharam do Largo São Bento, no centro de São Paulo, até a secretaria municipal de Habitação (Sehab), de onde seguiram em marcha para a Prefeitura e a secretaria de Direitos Humanos (Foto: UMM-SP/Reprodução)

Despejos e paralisações de programas

A co-vereadora Samara Sosthenes, da mandata Quilombo Periférico (Psol), destacou que “não tem como aprovar (a revisão do plano diretor) sem ter diálogo com a população e os movimentos que pautam moradia na cidade de São Paulo”. Moradora da Ocupação Prestes Maia, na região central, a segunda maior da América do Sul, e exemplo de organização popular, ela também contesta que o edifício, ocupado há mais de uma década, não teve até hoje o projeto de revitalização selecionado pelo Minha Casa, Minha Vida Entidades. 

Integrante do Conselho Municipal de Habitação, Luiz Cláudio Marcolino afirma que a paralisação do programa é responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro, mas também do prefeito Ricardo Nunes e do governador João Doria (PSDB). “O projeto Minha Casa, Minha Vida foi parado e amanhã terá uma reunião em Brasília no Ministério de Desenvolvimento Social. E eles querem responsabilizar os movimentos sociais pelas obras paradas, quando a responsabilidade é tanto do governo de São Paulo, como do governo federal, do prefeito e do secretário de Habitação.” 

Os movimentos também contestam que o programa municipal “Pode Entrar”, voltado para a habitação da população de baixa renda, desde a gestão do ex-prefeito Bruno Covas (PSDB) não contratou nenhuma obra. Representando a Articulação da Vila Andrade, na zona sul da capital, a militante Teresa, identificada apenas pelo primeiro nome, denunciou ainda que as comunidades e favelas da região “estão sofrendo com ordens de reintegração de posse e despejos administrativos”. 

Cobrança de políticas públicas

Teresa criticou o investimento municipal em Parcerias Público Privadas (PPPs) e Projetos de Intervenção Urbana (PIUs). Que, segundo ela, “fazem com que as comunidades sejam retiradas do seu local para serem excluídas para muito mais longe da cidade e do centro. Não vamos permitir isso”, reivindicou. 

Durante o ato, os movimentos também cobraram que sejam derrubados os vetos de Bolsonaro e Doria aos projetos que suspendiam despejos na pandemia. Uma comissão de cinco lideranças foi recebida pela secretaria de Habitação para uma reunião, cobrada desde o ano passado. Do local, o protesto seguiu até a Prefeitura de São Paulo. Vereadores da oposição, Juliana Cardoso e Alfredinho, ambos do PT, e Toninho Vespoli (Psol) também acompanharam o ato que bradava por moradia digna. Da sede do município, os movimentos seguiram até a Secretaria de Direitos Humanos, para uma nova reunião com os gestores da pasta. 

Leia mais: Estado de São Paulo concentra 28% dos despejos durante a pandemia

De acordo com a UMM-SP, além de denunciar manobras por trás da revisão do plano diretor de são Paulo, o objetivo é também cobrar pela segurança alimentar da população mais pobre e em situação de rua. Na pandemia, os movimentos estimam o número de sem-teto saltou de 30 mil para estimada 50 mil pessoas desabrigadas. Ainda segundos os movimentos, além da desaceleração nos programas de urbanização e regularização fundiária nas favelas, centenas de famílias foram excluídas do auxílio aluguel. 

Prefeitura não responde críticas

A RBA entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo e a Sehab, questionando-as sobre as críticas das entidades. Em nota, o município esclareceu apenas seu posicionamento sobre o Plano Diretor Estratégico que afirmou considerar “legítima e elogiável a preocupação da sociedade com a revisão intermediária”. A administração acrescentou que “responderá a recomendação do Ministério Público dentro do prazo solicitado, assim como permanecerá à disposição do órgão para esclarecer todo o processo participativo de revisão”. “A gestão municipal assegura que todos os mecanismos para a participação social estão sendo garantidos para o fortalecimento do debate sobre a cidade e reafirma seu compromisso com um debate amplo, democrático, transparente e participativo para a construção de uma cidade mais inclusiva e justa”, descreve. 

Ainda de acordo com a nota, 660 entidades entre universidades, movimentos sociais, associações de bairro e entidades de classe, se cadastraram para participar do processo participativo.


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