Atraso

STJ confirma condenação por trabalho escravo em cidade que homenageia Palmares

Caso envolve 241 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em duas usinas em Pernambuco

Jorge Campos/Agência Brasil
Jorge Campos/Agência Brasil
Condições precárias de alojamento, alimentação e higiene, um cenário que se repete

São Paulo – Dois empresários que haviam sido condenados por submeter 241 pessoa em condições de trabalho análogas à de escravo tiveram a sentença confirmada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sessão realizada ontem (22). Proprietários de um grupo no interior de Pernambuco, eles foram condenados em primeira instância e absolvidos na segunda. Isso motivou o recurso do Ministério Público Federal (MPF) ao STJ.

Segundo a relatora do Recurso Especial (RE) 1.952.180/PE, ministra Laurita Vaz, a sentença de primeira instância não deixou dúvida quanto à “submissão das vítimas à condição degradante de trabalho”. O delito é previsto no artigo 149 do Código Penal. A magistrada do STJ contestou entendimento da segunda instância (Tribunal Regional Federal da 5a Região (TRF5), que havia considerado que o descumprimento de normas não era suficiente para configurar o crime de trabalho escravo e que os empregadores haviam firmado termo de ajustamento de conduta (TAC). A juíza lembrou ainda que o próprio tribunal reconheceu os fatos que tinham sido descritos na denúncia do Ministério Público.

Condições desumanas

A condenação envolve proprietários de grupo econômico formado pelas usinas Vitória e Vitória Agro Comercial, no município de Palmares, a “capital” da Zona da Mata Sul pernambucana. O nome remete justamente ao Quilombo dos Palmares. Fiscalização de auditores do Ministério do Trabalho, em 2008, constatou que os trabalhadores eram submetidos a condições desumanas. Conforme a descrição, sem acesso a água potável (que deveria ser trazida de casa ou adquirida nas usinas, a R$ 20 cada), sem alimentação adequada e local adequado para conservação da comida. Eram obrigados a fazer necessidades fisiológicas sem higiene e segurança.

“Também não havia, no engenho, equipamentos mínimos de proteção, como chapéu e roupas adequadas, sendo fornecida ao empregado apenas uma luva. Os trabalhadores eram obrigados, ainda, a comprar o facão que usavam na lavoura, por R$ 15”, lembra o STJ. O transporte era feito de forma irregular, por meio de tratores e carregadeiras. As jornadas começavam às 4h e iam até 16h30, com dois intervalos para refeição, de meia hora cada. Muitos não chegavam a receber um salário mínimo por mês. “Além disso, não havia, nas usinas, serviço médico e comunicação via rádio para casos de emergência. Também não era feito treinamento ou oferecida proteção especial aos empregados que lidavam com agrotóxicos.”


Justiça do Trabalho

Já no Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) manteve a responsabilidade da Costa Descobrimento – Investimentos Agrícolas, em outro caso de trabalho análogo à escravidão. Fiscais resgataram 39 trabalhadores na Fazenda Dois Rios, em Porto Seguro (BA). O caso se originou de ação do Ministério Público do Trabalho (MPT). Segundo informações da Secretaria de Assistência Social de Itabela, cidade próxima, esse grupo foi trabalhar em uma fazenda de café. Só que “diante das péssimas condições a que foram submetidos, decidiram voltar, mas não tinham recursos para tal”. 

Dessa forma, eles ficaram instalados em casas precárias, “com frestas que permitiam a passagem de animais peçonhentos e insetos”, sem camas, só lençóis e papelões no chão. O chuveiro era ligado à caixa d’água, em local aberto. Para as refeições, um fogão a lenha improvisado. “Os fiscais acharam, ainda, uma embalagem vazia de agrotóxico, utilizada pelos trabalhadores para pegar água”, relata o TST.

Na fiscalização, foi encontrado um trabalhador que se acidentou com motosserra. “Ele fugiu depois de discutir com um superior, que o ameaçou com uma pistola e efetuou um disparo”, informa ainda o tribunal. Assim, o MPT interditou quatro máquinas agrícolas e fez um TAC emergencial, que não teria sido respeitado por um dos réus. A empresa, por sua vez, recorreu, transferindo responsabilidade para um dos novos proprietários. Mas a decisão foi mantida em primeira e segunda instâncias. E confirmada agora pelo TST.