Impunidade

Ministério Público pede ao STF que trabalho escravo seja considerado crime imprescritível

Depois de 2.575 resgatados no ano passado, dados parciais dos três primeiros meses de 2023 revelam 918 trabalhadores nessa situação

MPT-RS
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Caso do trabalho análogo à escravidão na empresa Fênix, contratada por vinícolas gaúchas, teve repercussão nacional

São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o crime de submeter alguém à condição de trabalho análogo à escravidão seja considerado imprescritível. Ou seja, sem prazo para estabelecer punição. O crime está previsto no artigo 149 do Código Penal. A Procuradoria pede ainda concessão de liminar para que tribunais e juízes se abstenham de declarar prescrição até que o mérito seja julgado.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada no STF teve colaboração do Ministério Público do Trabalho (MPT). A Procuradoria lembra que no ano passado as operações resgataram 2.575 pessoas da situação de trabalho análogo à escravidão. Neste ano, até 2 de março, foram 918, crescimento de 124% sobre igual período de 2022. O MPF argumenta que a “frequente prescrição desses delitos”, algo incompatível com as normas internacionais, tem impacto direto no combate à prática, além de estimular a sensação de impunidade. Recentemente, o caso das vinícolas gaúchas teve grande repercussão.

Até oito anos

Pelo artigo 149, reduzir alguém à condição análoga à de escravo – com trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes, restrição da locomoção ou dívida – prevê pena de dois a oito anos de reclusão. A pena é aumentada 50% se o crime for cometido contra criança e adolescente ou por motivo de preconceito (de cor, raça, etnia, religião ou origem). No entanto, a prática mostra impunidade para esse tipo de crime.

“A persistência da escravidão e de suas formas análogas, enquanto grave violação do arcabouço constitucional e internacional existente, denota um cenário de proteção insuficiente”, afirma na ação o procurador-geral da República, Augusto Aras. Assim, o crime deve ser inserido no contexto de graves violações de direitos humanos, que são imprescritíveis pelo entendimento do Direito Internacional. Nesse sentido, fixar limite de tempo para a punição pelo Estado, para esse tipo de crime, representaria violação a preceitos fundamentais como dignidade humano e valor social do trabalho, entre outros.

Práticas abusivas

“O estado ou a condição de um indivíduo refere-se tanto a uma situação jurídica como a uma situação fática, isto é, é dispensável um documento formal ou uma norma jurídica para comprovação do fenômeno. Existe uma estreita relação entre as distintas práticas abusivas conceituadas como escravidão. A inter-relação entre estas condutas pressupõe que um mesmo fato pode ser qualificado sob distintos conceitos e que, em nenhum caso, são excludentes entre si”, sustenta o MPF.

Ainda na ação, a Procuradoria cita decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que “reconheceu em diversas ocasiões ser inadmissível a incidência da prescrição” em investigações e eventuais punições por graves violações de direitos humanos. Em 2016, a Corte condenou o Brasil por prática de trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, no Pará.

“A necessidade de punir exemplarmente a escravidão ainda é medida de reparação histórica, sobretudo, quando, mesmo 134 anos após a abolição formal da escravização de pessoas no país, a realidade comprova a persistência de formas de escravidão contemporâneas, a atingir setores mais vulneráveis por fatores históricos, sociais, econômicos, migratórios, étnicos, raciais e de gênero”, afirma ainda o MPF.


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