Relatório da Comissão da Verdade servirá para ‘derrubar impunidade’, diz Pinheiro

Coordenador da CNV afirma que texto final poderá ser base para investigações sobre agentes do Estado responsáveis por torturas e assassinatos durante a ditadura

O coordenador da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, durante evento em São Paulo no começo de abril (Foto: Poline Lys/Brazil Photo Press/Folhapress)

São Paulo – O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Paulo Sérgio Pinheiro, disse hoje (29) em São Paulo, durante abertura da reunião com representantes de comitês da memória, verdade e justiça de todo o país, que o relatório final do grupo encarregado de enumerar as violações de direitos humanos durante a ditadura “servirá para a futura investigação judicial para a responsabilização dos agentes do Estado na estrutura repressiva”. O intuito, complementou, é “derrubar a impunidade que ainda prevalece” sobre crimes cometidos pelo regime.

Além de Pinheiro, participam do encontro outras duas comissionadas: a psicanalista Maria Rita Kehl e a advogada Rosa Cardoso, que na semana passada concedeu entrevista à RBA antecipando algumas informações da reunião. Uma delas, ratificada hoje pelo coordenador da CNV, é a de que já existe consenso dentro do grupo sobre a necessidade de divulgar permanentemente as informações compiladas pela comissão. “Não vamos deixar tudo para o relatório final”, atestou Pinheiro. “Temos o compromisso de anunciar os primeiros resultados tão logo estejam consolidados.”

O relatório parcial, resultado do primeiro ano de trabalho da CNV, será apresentado no próximo 13 de maio, após reunião da presidenta Dilma Rousseff com os seis comissionados em atividade – o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, permanece afastado por razões de saúde e deve pedir sua renúncia nos próximos dia. “Publicaremos um balanço de prestação de contas inclusive utilizando indicadores que construímos para que a sociedade e nós possamos fazer o cumprimento de nossos objetivos.”

Um desses objetivos, de acordo com Paulo Sérgio Pinheiro, será expor a existência de uma “responsabilidade compartilhada” sobre as graves violações de direitos humanos (tortura, sequestros, desaparecimentos e assassinatos) e diversos setores da sociedade. “Enfatizaremos a cumplicidade do poder judicial no encobrimento dos crimes e reconstituiremos a colaboração de empresas e empresários para a manutenção do sistema paralelo de repressão articulado com as forças armadas”, discursou.

Anistia

Para tanto, o coordenador da CNV disse que vai trabalhar para que conste das recomendações do relatório final, a ser apresentado pelo grupo em 2014, a revisão da Lei de Anistia, promulgada em 1979 e ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010. A lei perdoou os crimes cometidos pelos torturadores e assassinos a serviço do Estado, colocando no mesmo saco jurídico militantes que resistiam ao regime e repressores. “Ainda que a comissão não tenha ainda deliberado a respeito, fiquem certos que defenderei nas recomendações a implementação integral da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos condenando a Lei de Anistia no Brasil.”

Chamou atenção no discurso de Pinheiro as numerosas referência ao trabalho da comissão que apurou os crimes cometidos pela ditadura argentina, coordenada pelo escritor Ernesto Sabato, e que produziu o célebre relatório Nunca Más. “O que Ernesto Sabato dizia no prólogo do Nunca Más argentino se aplica integralmente ao Brasil: Como não atribuir [aquelas práticas] a uma metodologia do terror planificada pelos altos mandatários? Como poderiam ter sido cometidos por perversos que atuavam por conta própria sob um regime rigorosamente militar, com todos os poderes e meios de informação que isto pressupõe?”

O coordenador da CNV esteve em Buenos Aires em abril. Atualmente, outro comissionado, José Carlos Dias, está na capital argentina absorvendo a experiência do país vizinho. Durante a reunião de hoje, em São Paulo, os membros da comissão deverão receber recomendações dos representantes dos comitês de verdade, memória e justiça que lotaram o pequeno auditório do Hotel Marabá, no centro da capital.

O improviso do evento, que foi transferido de última hora, fez com que muitos militantes de direitos humanos – que estiveram reunidos durante o final de semana para articular suas petições à CNV – acabassem ficando longe demais da mesa. “E se quisermos jogar uma cadeira neles, como faremos?”, brincou um deles. O comentário revela um certo sentimento de decepção com os trabalhos da CNV que foram expressados durante a reunião, mas que a imprensa não pôde ter acesso.