Direitos humanos

Margarida Genevois lamenta ‘erros crassos’ que continuam causando mortes no país

Margarida, sobre as muitas perdas que poderiam ser evitadas: “Tenho pena de todos que se foram, e daqueles que ficaram com saudades”.

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Em Serra Pelada e no Carandiru: medo, raiva e telefone batido na cara do secretário

São Paulo – Em live de lançamento de sua biografia, ontem (19), Margarida Genevois, sem citar nomes, lamentou os “erros crassos” que continuam tirando vidas no país. “Vamos nos unir cada vez mais, porque a situação está difícil. Tá feia a coisa, nós todos sabemos. Fico com pena (…) desses parentes desses todos que se foram estupidamente, sem necessidade (…), erros crassos que poderiam ser evitados. Tenho pena de todos que se foram, e muito mais daqueles que ficaram com saudades”, afirmou.

Durante o evento, homenagens de vários ativistas de direitos humanos, como os ex-secretários Paulo Sérgio Pinheiro (Que fala em “momento trágico” para o país) e Belisário dos Santos Jr., além da professora Maria Victoria Benevides. Além desses companheiros de Comissão Arns, também participaram o escritor Frei Betto, autor das “orelhas” do livro, e o jurista Fabio Konder Comparato.

Comissão Justiça e Paz

E foi Comparato que, em 1972, indicou a socióloga Margarida para integrar a Comissão Justiça e Paz, que havia sido criada por dom Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo. “Foi esse convite que me fez descobrir o sentido que daria à minha vida”, diz a ativista em depoimento para o livro escrito por Camilo Vannuchi. O jornalista passou um ano entre entrevistas e pesquisas para escrever a obra, lançada pela editora Alameda.

Autora do prefácio, Maria Victoria destacou a “coragem” que a amiga teve ao assumir a presidência da CJP, “naqueles tempos”. Momentos duros, lembra, de ajuda aos exilados do Cone Sul, de dar retaguarda a brasileiros e suas famílias, procurando apoio para ter notícias dos desaparecidos ou dos que estavam presos. De amparo após a “violência contra o povo sem voz”.

Live de lançamento de livro sobre Margarida Genevois, escrito por Camilo Vannuchi (segundo de cima para baixo), reuniu ativistas de direitos humanos

Assim, a professora lembra de uma história que, segundo conta, a deixou impressionada, quando Margarida foi ao presídio do Carandiru, após o massacre que matou 111 presos, em 1992. Ela telefonou ao então secretário estadual de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, para protestar, e ele pôs em dúvida o que o ouvia. Indignada de ter sua palavra questionada, Margarida não teve dúvida: bateu o telefone na cara do secretário.

Naturalização da injustiça

Maria Victoria falou em medo e indignação, até chegar ao atual governo. “Estamos passando por tudo isso, mas não desistimos da esperança. Sem esperança não há aquele fermento para a luta”, diz. Ela destacou ainda o esforço para implementar uma política de educação em direitos humanos, “que hoje está em quase todos os estados”. Cita o padre uruguaio Luis Pérez Aguirre, a “educação problematizadora para os direitos humanos, para a democracia”. E, assim acrescenta, “que vamos conseguir derrotar o preconceito, a discriminação, a naturalização da injustiça”. 

“Alguns momentos eu realmente tive medo. Todo dia você via coisas absurdas. O Herzog, por exemplo, foi de vontade própria, se apresentou  no quartel. Depois de algumas horas ele foi trucidado, assassinado”, afirma, lembrando da morte do jornalista Vladimir Herzog no DOI-Codi de São Paulo, em 1975. “Isso dá muito medo, pode acontecer com a gente também, né? Mas mais do que medo eu tive indignação, eu tinha uma raiva uma indignação quase igual a essa que a gente sente hoje, todo dia, com essa governança que temos.”

Segundo ela, o medo ensina: “Mostra o que está errado, que a gente é pouca coisa, que preciso muito dos outros”. Outros momentos são lembrados, como em Marabá e em Serra Pelada, no Pará, com garimpeiros e trabalhadores rurais. Belisário quer saber quais os planos de Margarida Genevois. “Quero morrer em pé e trabalhando”, diz a jovem de 98 anos.