Ação e proteção

Governo Lula anuncia ações para enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes

Medidas anunciadas pelo Ministério dos Direitos Humanos incluem a reformulação do Disque 100. “Não quero viver em um mundo em que o representante diga que pintou um clima com adolescentes”, afirmou o ministro Silvio Almeida

TV BrasilGov/YouTube/Reprodução
TV BrasilGov/YouTube/Reprodução
"Temos um compromisso renovado do governo federal de compor essa aliança colocando toda a sua capacidade a serviço da proteção de cada menino e menina no país", destacou Silvio Almeida

São Paulo – O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MCDHC) lançou, nesta quinta-feira (18), um conjunto de ações para prevenção, combate à exploração e defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de violência sexual. As medidas anunciadas marcam o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído há 23 anos, em memória ao caso da menina Araceli Crespo que foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada no dia 18 de maio de 1973, com apenas 8 anos. 

Esse trágico episódio completa 50 anos, em 2023. E reforça, de acordo com o governo federal, a necessidade de seguir no combate a todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes. Apenas nos primeiros quatro meses deste ano, quase 400 mil violações de direitos humanos contra essa população foram registrados no Brasil pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. As denúncias foram enviadas pelo Disque 100, o serviço gratuito e ininterrupto do governo federal para recebimentos de violações contra a dignidade humana. 

Os casos de violência sexual, segundo a Ouvidoria, somaram 17.580 violações em mais de 9 mil denúncias feitas entre janeiro e abril. Um número que, de acordo com o ministro Silvio Almeida, “espanta, causa tristeza e revolta a cada um de nós”. O titular da pasta de Direitos Humanos e Cidadania participou da cerimônia, na manhã desta quarta, onde destacou o conjunto de ações e cobrou união para “reverter esse cenário desolador”. Trata-se, segundo Almeida, de um esforço interministerial, interinstitucional e intersetorial em parceria com a sociedade civil. 

Ações anunciadas

“Conclamo hoje, portanto, toda a sociedade civil, as instituições públicas e privadas ao esforço conjunto de olhar e cuidar e proteger nossas crianças e adolescentes. A nossa infância e juventude gritam por socorro e precisam da nossa atenção especial. Temos um compromisso renovado do governo federal de compor essa aliança colocando toda a sua capacidade a serviço da proteção de cada menino e menina no país”, declarou Almeida. 

Entre as dezenas de medidas anunciadas está a recriação da Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. O presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, participou do evento, onde deu posse aos novos membros. O órgão, desfeito na gestão do governo anterior, de Jair Bolsonaro, é responsável por trabalhar de forma articulada contra a exploração sexual. E, de acordo com o MDHC, ele também será o principal instrumento para reconfiguração do novo Plano Nacional de Enfrentamento das Violência, que será construído. 

A pasta também anunciou a constituição de um Centro Integrado de Escuta Protegida em cada região do país. O equipamento atenderá crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência com equipe especializada. O investimento inicial previsto é de R$ 2,5 milhões. Almeida também lançou o programa Cidadania Marajó, com o compromisso de efetivar medidas robustas e efetivas no município paraense. Alvo de bolsonaristas, o Marajó tem hoje um dos menores índices de desenvolvimento do Brasil. 

O caso Marajó

O objetivo da nova gestão é que, com o programa, ações periódicas de escuta ativa sejam feitas. Itinerantes por meio da Ouvidoria Nacional também estão no escopo da ação que contará também com apoio do sistema de justiça e do governo do Pará. “Temos como missão reverter os índices críticos de violência sexual que ocorre na região. Tudo será feito com ampla participação social. Nós queremos e iremos abraçar o Marajó, mas não ficaremos só no abraço. Nós queremos devolver a cidadania e os direitos a essa população que teve sistematicamente seus direitos negados”, rebateu o ministro também em relação à gestão de Damares Alves na mesma pasta. 

O atendimento via Disque 100 também deverá ser aprimorado, assim como o Ligue 180, em parceria com o Ministério das Mulheres. Por meio do Ministério da Saúde, o MDHC também voltará a publicar o boletim epidemiológico sobre os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. A medida havia sido interrompida pela gestão de Bolsonaro. “Somos um governo da ciência. Aqui negacionista não se cria”, ironizou Almeida.

Em outra frente, também foi lançado o programa Mapear 2.0, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. A iniciativa será responsável pelo levantamento de pontos vulneráveis de exploração sexual de crianças e adolescentes às margens das rodovias federais. Um relatório será elaborado bienalmente sobre tais ocorrências. E, por meio dele, a Polícia Federal desenvolverá ações educativas, de inteligência e repressão, segundo o governo. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) também será recolocada no fluxo de encaminhamento das denúncias do Disque 100, para os conselheiros tutelares. 

Repúdio ao passado

“Crianças e adolescentes no Brasil, vocês merecem estudar. Crianças e adolescentes no Brasil, vocês merecem sorrir. Crianças e adolescentes no Brasil, vocês merecem estudar. Vocês merecem ter um futuro. (…)”, repetiu o ministro de Direitos Humanos. 

“Eu sonho para todos vocês e todos nós aqui que fiquemos velhos, que as crianças e adolescentes tenham o direito de envelhecer bem e que todas as pessoas entendam de uma vez por todas que vocês merecem viver sem medo, sem violência, sem abuso e sem exploração. Eu quero viver em um país e em um mundo em que eu não tenha medo do fato da minha filha ser preta, mulher, criança e adolescente. E eu quero ainda viver um mundo em que eu não tenha medo da maldade da pessoa adulta, que é capaz de matar o sonho da inocência. Eu não quero viver em um mundo em que o representante diga que pintou um clima com adolescentes”, completou Almeida. 

A expressão “pintou um clima” faz referência à forma como o ex-presidente Bolsonaro narrou um encontro que teve com crianças e adolescentes venezuelanas de 14 e 15 anos, ano ano passado. A frase causou revolta e preocupou ativistas e estudiosos que alertaram apara a conotação grave da expressão que poderia ser vista como um “discurso de autorização”. O caso também foi lembrado pela primeira-dama e socióloga, Rosângela da Silva, a Janja, em carta ao evento. 

Envolvida diretamente nas ações de combate à exploração sexual na infância e adolescência, Janja destacou que “o único clima que podia pintar” era de emergência e união pelo combate a essa realidade de violência. 

Participação social

O representante do Comitê de Participação dos Adolescentes (CPA), vinculado ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Raul Zanetti da Rocha, de 15 anos, homenageou as vítimas dessa tragédia, lembrando também dos 50 anos do crime contra Araceli Crespo. 

Para o ativista, entender o aumento dessas violências passa pela compreensão dos diversos tipos de exploração sexual que existem e os espaços em que elas acontecem. “Temos que entender que existe violência sexual digital, a importunação sexual e o assédio. Que existe a violência sexual nos relacionamentos e nas instituições, muitas das quais deveriam ser lugar de acolhimento e proteção dessas crianças e adolescentes”, ressaltou.

“Partindo disso, cabe aos conselheiros tutelares o papel de recebimento desses casos e também de divulgar tanto o 18 de maio, quanto demais eventos com servidores que trabalham diretamente com essas crianças e adolescentes, como unidades de saúde, centros de esportivos e de lazer. E, principalmente, os professores. Na maioria das vezes são eles os primeiros profissionais a saber todos esses tipos de violência e atrocidades que os adultos podem cometer”, advertiu Rocha.