Luta por justiça

Famílias cobram justiça em protesto e missa pelos três anos do Massacre de Paraisópolis

Ato em memória dos nove jovens mortos por operação da PM em baile funk em Paraisópolis, em 2019, é realizado a partir das 15h desta quinta, na Praça da Sé. Manifestação será seguida por missa na Catedral

Rovena Rosa/ABR e Arquivo Pessoal
Rovena Rosa/ABR e Arquivo Pessoal
“Nós, familiares, só podemos nos organizar para manter a memória viva, mostrar para a sociedade que os meninos eram inocentes, que eles mataram os meninos e eles não tinham o direito de fazer isso”, denuncia Maria Cristina Quirino (foto)

São Paulo – Familiares e movimentos sociais se reúnem na Praça da Sé, no centro da cidade de São Paulo, a partir das 15h desta quinta-feira (1º), para um ato em memória e por justiça aos nove jovens mortos por uma truculenta ação da Polícia Militar no Baile Funk da DZ7, em Paraisópolis, comunidade da zona sul da capital paulista, em 2019. Há exatamente três anos, o que deveria ter sido uma noite comum de lazer para os milhares de jovens se transformou em uma cena de violência que ficou conhecida como Massacre de Paraisópolis. Até hoje, no entanto, os PMs responsáveis estão impunes. 

Eles foram filmados por moradores e frequentadores encurralando os jovens em um beco da comunidade. Os agentes também foram flagrados batendo com cassetetes e chutes nos que conseguiam sair da viela. Outras 12 pessoas foram feridas, mas sobreviveram. As vítimas, no entanto, que eram de outras regiões de São Paulo, não conseguiram se dispersar e, segundo a polícia, teriam morrido pisoteadas. 

A versão é contestada por familiares e exames periciais que mostram que os jovens morreram por “asfixia mecânica por sufocação indireta” quando encurralados pela PM. Os corpos sem marcas e as roupas limpas também atestam que a causa das mortes seja sufocamento. 

Do luto à luta

“O pisoteamento e o socorro eu faço questão de que todo mundo saiba que não foi pisoteamento, que eles (policiais) não socorreram, que eles já tiraram nossos meninos de lá mortos. Não tinham que mexer na cena do crime, deveriam deixar tudo como estava para podermos ter pelo menos uma investigação justa. Essa é outra coisa que me machuca demais, porque se a polícia tivesse agido corretamente ali, naquele dia, não teriam mexido”, contesta Maria Cristina Quirino, mãe do adolescente Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos, um dos mortos pela ação da PM. 

Fundadora do projeto Mães de Paraisópolis, Maria Cristina está à frente na luta junto com os familiares das outras oito vítimas para que a verdade seja apurada e o Estado responsabilizado, como descreveu numa entrevista às jornalistas Rose Silva e Sofia Helena Monteiro de Toledo Costa para a edição de dezembro da revista Reconexão Periferia, da Fundação Perseu Abramo. 

“Tudo é muito cruel. Nós, familiares, só podemos nos organizar para manter a memória viva, mostrar para a sociedade que os meninos eram inocentes, que eles (PMs) mataram os meninos e eles não tinham o direito de fazer isso”, destaca. 

Doze policiais réus 

Além de Denys, entre as vítimas também estão os jovens Luara Victoria de Oliveira, 18 anos; Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos; Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos; Eduardo Silva, 21 anos; Mateus dos Santos Costa, 23 anos; Dennys Guilherme dos Santos Franca, 16 anos; Gustavo Cruz Xavier, 14 anos; e Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos. 

Em julho de 2021, o Ministério Público de São Paulo denunciou 12 policiais militares que participaram da operação por homicídio com dolo eventual – quando se assume o risco de matar. Além da condenação, o MP requer a fixação de valor mínimo para reparação dos danos materiais e morais causados pelas infrações. A Justiça de São Paulo aceitou a denúncia do MP no mesmo mês e tornou réus os 12 PMs. Um 13º agente também foi denunciado por expor pessoas a perigo mediante o uso de bombas e morteiro. A audiência de instrução do processo, inicial, está marcada para 25 de julho de 2023. 

A avaliação das famílias é que o processo “anda a passos de tartaruga”. Ao todo, eram 38 policiais envolvidos na operação, conforme apontou a própria Secretaria de Segurança Pública na época do crime. A corporação, porém, acabou afastando 31 agentes. Eles são investigados até hoje pela participação no massacre. Mas, em junho, a Polícia Civil indiciou apenas nove PMs por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. O parecer do delegado Manoel Fernandes Soares, que conduz o inquérito, é amplamente questionado pelos familiares e defensores públicos. 

A busca pela verdade 

O Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, da Universidade Federal de São Paulo (Caaf/Unifesp), identificou, por exemplo, que os nove jovens já chegaram mortos ao hospital. Antes, esperaram 34 minutos até que fossem resgatados. A conclusão faz parte do filme Paraisópolis: 3 atos, 9 vidas divulgado há um ano. O material também prova que os policiais militares mentiram sobre um suposto pedido de socorro das vítimas quando já estavam desfalecidas no chão e ao dizer que eles foram cercados, o que impediu os primeiros socorros. 

Outros pontos analisados pelo Caaf também corroboram a investigação da Polícia Civil, de que os policiais militares encurralaram as pessoas, agredindo e lançando spray de pimenta e bomba de gás. Assim como os laudos dos corpos indicaram que oito das nove vítimas faleceram por asfixia por sufocação indireta.  “A polícia entrou, matou os meninos, tirou de lá, não falou pra ninguém, não alarmou”, resume a mãe de Denys. 

“Como 38 pessoas participam de uma operação, de um massacre, com nove mortos, e não são responsabilizadas? Se eu estivesse em alguma situação, um assalto, e a polícia me pegasse eu responderia por isso como cúmplice até provar o contrário. Esses outros continuam trabalhando na rua e matando os filhos dos outros. No dia 25 de julho vai acontecer uma audiência de instrução, onde os denunciados começarão a ser ouvidos, para depois o juiz decidir se vão a júri ou não. Tudo é muito cruel”, lamenta Maria Cristina. 

Atos

O ato desta quinta será seguido por missa na Catedral da Sé celebrada pelo padre Júlio Lancellotti, às 17h. Em meio à saudade e à luta por justiça que agora é parte da vida dos familiares, eles também organizam um ato para o próximo sábado (3) na zona sul, com uma caminhada de Paraisópolis até o Hospital Campo Limpo. O objetivo é fazer a “desconstrução do socorro”.