Memória

Falta um ‘Brasil, 1985’ na história, afirma escritor em ato por Alexandre Vannucchi

Ativistas e estudantes lembraram do aluno assassinado pela ditadura há exatos 50 anos. “Para virar a página, a gente precisa ler e aprender o que está escrito”

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Na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito, homenagem ao estudante de Geologia assassinado em março de 1973

São Paulo – A Sala dos Estudantes foi o local escolhido para render homenagem ao estudante Alexandre Vannucchi Leme, assassinado há exatos 50 anos no DOI-Codi. Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco, centro da cidade, ativistas, colegas e alunos lembraram da ditadura e da dificuldade de garantir memória e reparação na história política brasileira. E muitas recordações de Minhoca, o apelido de Alexandre, aluno de Geologia da USP.

“Nós não temos um Brasil, 1985 ou algo que o valha”, disse durante o evento o jornalista e escritor Camilo Vannuchi, primo em segundo grau de Alexandre. Ele fazia referência ao filme Argentina, 1985, que trata da punição aos militares da ditadura daquele país (1976-1983). O longa chegou a disputar o Oscar deste ano. “Para virar a página, a gente precisa ler e aprender o que está escrito”, acrescentou Camilo. Por aqui, 1985 foi o ano do fim formal da ditadura e do lançamento do livro Brasil: Nunca Mais, com denúncias de torturas.

Sequestrado, torturado e morto

Instituto Vladimir Herzog, Comissão Arns e Núcleo de Preservação da Memória Política organizaram o ato. O sequestro de Alexandre, levado para o DOI-Codi, ocorreu em 15 de março de 1973, no horário do almoço. Ali, foi torturado durante dois dias. Recém-operado de apendicite, não resistiu. Tinha apenas 22 anos.

Ele foi enterrado como indigente, no Cemitério Dom Bosco, em Perus. A família só conseguiu reaver os restos mortais 10 anos depois. Alexandre foi anistiado em 2013. No ato desta sexta-feira (17), o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, conhecido por defender presos políticos, propôs que a USP conceda ao estudante o diploma de geólogo.

Medo da verdade

“É um dever da Faculdade de Direito render homenagem à vida de Alexandre. Mas (também a) todos aqueles que se dedicaram, há 50 aos, com o custo da própria vida, em defesa das liberdades”, afirmou o diretor da instituição, Celso Fernandes Campilongo. “Por que ainda se tem tanto medo da memória e da verdade?”, questionou a socióloga Maria Victoria Benevides, que falou em nome da Comissão Arns.

O jornalista Juca Kfouri apresentou o evento, que teve participação do cantor Renato Braz – convidado do programa Entre Vistas, da TVT, nesta semana. Ele interpretou O Amor, adaptação de Caetano Veloso para poema Vladimir Maiakovski, canção famosa na voz da Gal Costa, e Cálice, composta por Chico Buarque e Gilberto Gil justamente em 1973. Também foi lançada exposição virtual sobre Alexandre, além de iniciada a pré-venda de livro que Camilo lançará ainda neste ano.

Lembrar é resistir

Presidenta do Centro Acadêmico XI de Agosto (da Faculdade de Direito), Manuela Morais falou sobre os estudantes de hoje, “herdeiros da luta de Alexandre”, e de mazelas da instituição. Assim, afirmou, ele “enfrentou a repressão do Estado e a anuência da direção da USP”. “E nós sabemos que a própria USP possuía métodos de repressão. Lembrar é resistir.”

Já o ex-deputado Adriano Diogo, que presidiu a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa paulista, testemunhou como colega de classe de Alexandre Vannucchi. Assim, lembrou que foi preso e teve de ouvir do chefe do DOI-Codi, Carlos Alberto Brilhante Ustra, que Minhoca tinha sido morto e mandado para a “Vanguarda Popular Celestial”, expressão macabra para se referir a uma das organizações de esquerda da época.

“Eles não venceram e não vencerão Os crimes que eles cometeram não prescreveram. Ustra continua a ser um assassinato da humanidade. Ele e seus seguidores. Nenhum desse crimes cometidos contra cerca de 500 brasileiros foi julgado.”

A homenagem a Alexandre Vannucchi se estendeu com missa na Catedral da Sé. Também foi ali que amigos e estudantes organizaram missa em 30 de março de 1973, em uma praça cercada pela polícia. A cerimônia foi celebrada pelo então cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. O Coro Luther King fez a apresentação musical.