Escola popular busca narrativa própria aos jovens das favelas cariocas

Criada em 2005, iniciativa foi idealizada para a capacitação dos moradores da região metropolitana do Rio, e agora oferece curso de Publicidade Afirmativa a 110 alunos

Uma das ideias da Espocc é questionar se os jovens poderão criar a própria representação do espaço popular (Foto: Davi Marcos)

Rio de Janeiro – O auditório da sede do Observatório de Favelas na comunidade da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, foi pequeno para abrigar cerca de 200 pessoas, entre estudantes, professores e moradores, que assistiram na noite de terça-feira (15) a aula inaugural da Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC) em 2013. Idealizada como um espaço para a capacitação e o fortalecimento das aptidões em comunicação popular de jovens moradores da região metropolitana do Rio, a escola foi criada em 2005 e desde o ano passado trabalha com financiamento da Petrobras, o que permitiu uma reorganização do projeto e sua ampliação. 

Este ano, assim como em 2012, a ESPOCC oferecerá um curso de Publicidade Afirmativa a 110 jovens escolhidos após um intenso processo de seleção. A diferença em relação ao ano passado é o aumento de vinte cadeiras, “fruto da grande procura e da diversidade e qualidade dos candidatos”, segundo o coordenador da Escola Popular, Luís Henrique Nascimento. Serão duas turmas. À tarde, 55 alunos estudarão Publicidade com habilitação em Audiovisual. À noite, a outra metade dos alunos cursará Publicidade com habilitação em Cultura Digital. 

O curso tem duração de um ano e chancela da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fazendo oficialmente parte do programa de extensão da Universidade. O trabalho de conclusão do curso será coletivo. “Todos vão trabalhar para uma campanha chamada Juventude Marcada para Viver, pela redução dos homicídios da juventude negra. É uma campanha publicitária que pega outras ações de comunicação integrada e tem várias ações de computação”, diz Nascimento. 

Principal responsável pela dinamização da ESPOCC nestes últimos anos, o coordenador afirma que o curso tem a missão de responder a três perguntas. “A primeira delas é saber se o espaço popular pode criar sua própria representação. Se a gente consegue criar uma narrativa sobre a favela que seja própria e que de alguma forma enfrente a narrativa dominante que diz que a favela é um lugar de precariedade, de improviso, onde a gente tem de ter pena ou tem de ter medo. Essa narrativa dominante faz com que as políticas públicas econômicas e sociais para esse espaço popular sejam sempre precárias, emergenciais e superficiais. Sem que a gente mude o discurso sobre a favela, não vamos conseguir que as outras coisas mudem também”, diz. 

A segunda pergunta que deve ser respondida na ESPOCC é se a favela consegue identificar e resolver os seus próprios problemas de comunicação, de forma a “parar de depender de atores externos”. A terceira pergunta, prossegue Nascimento, “é se essas experiências são sustentáveis, se as pessoas podem viver de comunicação popular, se conseguem criar um coletivo e como esse coletivo se sustenta”. 

Coordenador e um dos fundadores do Observatório de Favelas, Jorge Barbosa ressalta a integração da ESPOCC com o espírito da organização: “Criamos o Observatório para ser um espaço de afirmação de identidade com a favela, com o lugar onde a gente vive. Aqui são pessoas oriundas da favela, do subúrbio, da periferia. Também é um espaço de afirmação do pertencimento à cidade. Abraçamos o projeto de mudar a cidade e entendemos que essa mudança só vai acontecer com uma rede de instituições capazes de construir um projeto democrático de cidade. Queremos uma cidade mais humanizada e que a favela seja não uma máquina de reprodução da desigualdade, mas um espaço de produção do sonho e da utopia”. 

Aula inaugural 

Com o tema “Nosso Lugar no Mundo”, a aula inaugural da ESPOCC foi ministrada por Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, e por Nádia Rebouças, uma das criadoras do conceito de publicidade afirmativa e autora da Campanha Contra a Fome organizada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, entre outras. Também fez parte da mesa Ana Paula Mattos, consultora da gerência de Responsabilidade Social da Petrobras. 

Nádia convidou os alunos a refletir sobre a apatia que acomete alguns setores da sociedade e tem reflexos na publicidade: “Tanta coisa é conseqüência da nossa não-ação. Da não-ação dos governos e das empresas que não conseguem assumir um simples compromisso para diminuir o CO2. Descobri que a gente pode, através da propaganda e da comunicação em geral, mudar o nível de consciência da sociedade. Trabalho para fazer os publicitários perceberem que eles podem vender de outra maneira, que eles podem vender outras coisas. Precisamos de pessoas para fazer o marketing da vida”, disse. 

Ivana pregou uma nova publicidade: “Nós, que produzimos mídia, que hoje temos essa facilidade na apropriação das ferramentas para a publicação e a difusão de conteúdos, também podemos fazer uma outra publicidade. Quando falamos de mídias livres, encontramos uma série de movimentos no mundo inteiro que se apropriam das linguagens dominantes para fazer uma outra comunicação”, disse, antes de citar como exemplo o grupo de hackers Anonymous. 

Disputa

A diretora da ECO/UFRJ disse ainda que é preciso “pensar a descentralização dos lugares de poder publicitário ou jornalístico”. Segundo Ivana, existe atualmente uma disputa de narrativas: “Novelas e programas de auditório, todos agora se voltam para a construção da narrativa da periferia porque, desde o governo Lula, 30 milhões de pessoas ascendem e ganham uma mobilidade social enorme no Brasil”, disse, citando as novelas Avenida Brasil e Salve Jorge e o programa Esquenta, todos da Rede Globo. 

Nascimento definiu o curso de Publicidade Afirmativa: “Vamos falar de uma publicidade que não visa centralmente o consumo e o lucro. A ideia é hackear a publicidade, ver o que a gente pode aproveitar para reprogramar essa linguagem e promover o desenvolvimento territorial e cultural e trabalhar com causas sociais, ambientais e comunitárias”, diz.

Formada na turma de 2012 da ESPOCC, Paula Ferreira faz um balanço do curso: “Foi uma oportunidade muito grande. Eu saí da área de educação para a área de comunicação. A ESPOCC me possibilitou estudar a publicidade afirmativa e agora estou participando intensamente na campanha Juventude Marcada Para Viver, onde atuo como produtora. É uma coisa na qual eu venho me descobrindo, por isso a satisfação é muito grande, estou bem realizada. Espero aproveitar a experiência e entrar no mercado”, diz.