Receita fracassada

Endurecimento penal prevalece entre propostas de deputados e senadores para conter criminalidade

Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que, entre 2015 e 2018, criminalização de novas condutas e aumento de penas correspondem a 35,4% dos projetos de lei de segurança pública apresentados na Câmara e a 38,4% das propostas no Senado

Wilson Dias/ABr
Wilson Dias/ABr
Parte da sociedade admite que a tortura possa ser aplicada em determinadas situações e sobre grupos específicos, como aqueles tidos como criminosos

São Paulo – Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que, no período entre 2015 e 2018, correspondente à 55ª legislatura do Congresso Nacional, prevaleceu entre os projetos apresentados por parlamentares na área da segurança pública a lógica do endurecimento penal. De acordo com o estudo, a criminalização de novas condutas e o aumento de penas para crimes já existentes correspondem a 35,4% dos projetos de lei relacionados à área apresentados na Câmara e a 38,4% das propostas apresentadas no Senado.

“Considerando também a soma dos projetos de lei referentes ao processo e à execução penal, praticamente 60% têm como objetivo manter o sistema penitenciário como a solução preponderante para o problema da violência no Brasil. Os massacres e a disseminação das facções criminosas que listamos ao longo desses anos colocam em xeque o modelo, isto para não mencionar a imensa pressão fiscal que nosso sistema de justiça criminal exerce sobre o Estado. Os números projetados pelo TCU, mencionados acima, demonstram este ponto de forma inequívoca”, diz o relatório elaborado pela entidade.

O Sou da Paz menciona também a existência, entre as propostas de parlamentares, de projetos de lei relativos a iniciativas “mais estruturantes para a consolidação de uma política nacional de segurança pública, orientada à gestão e ao financiamento das ações governamentais”, embora em um patamar mais baixo que as demais. “Foram apenas nove propostas listadas como ‘políticas criminais e programas de gestão e financiamento da segurança pública’ apresentadas ao longo de 2018, o que corresponde a 3% do total de projetos de segurança pública e justiça criminal”, atesta.

“Mais do que aumentar penas ou criminalizar novas condutas, é fundamental que passemos a olhar para o funcionamento do sistema de justiça com o objetivo de aumentar a eficiência e os resultados da atividade policial e racionalizar o uso do sistema prisional para focar na punição daqueles que cometeram crimes violentos, em detrimento do encarceramento de jovens, em sua maioria negros, muitas vezes primários ou envolvidos em crimes sem a prática de violência”, defende o documento.

Solução ineficaz

A adoção do endurecimento penal, na prática, não tem funcionado para combater de forma efetiva a criminalidade e ainda fomenta a violência dentro do sistema prisional. “Ao mesmo tempo, foram anos marcados pela interiorização da crise prisional, com a explosão de facções criminosas em diversos Estados da Federação e massacres cometidos desde o 1º dia de cada ano. Recente reportagem da revista Piauí aponta que a chance de ser morto dentro dos presídios brasileiros passou a ser 42% maior do que fora deles”, pontua. “A explosão prisional tem mais corroborado com o crime do que tem servido como solução. O crescimento da população presa, de mais 290% no período de 2000 a 2016, observado em conjunto com nossos índices atuais de criminalidade, são prova disso.”

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Nas eleições de 2018 foram eleitos 73 policiais e militares das forças de segurança para a Câmara dos Deputados

Em relação aos projetos, a entidade também destaca a necessidade de o Congresso Nacional se inspirar nos conceitos trazidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal para que se adote no âmbito dos trabalhos legislativos no campo da segurança pública e justiça criminal o “conceito de responsabilidade político-criminal”. Nesse aspecto, mas também por conta de sua aposta no punitivismo, o conjunto de medidas apresentadas pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro denominada como “pacote anticrime” recebe críticas.

“Ao se tornar titular do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro teve como uma de suas primeiras iniciativas o envio de um projeto ‘anticrime’ ao Congresso Nacional, cuja maior parte das propostas associadas envolvem o endurecimento penal e, consequentemente, o aumento da população carcerária. Temos demandado, há tempos, que as medidas legislativas que acarretam o encarceramento sejam precedidas de análises quanto à projeção de aumento na população carcerária e também indiquem as fontes de recursos financeiros destinados ao custeio deste incremento. Num momento em que o país passa por uma das mais graves crises fiscais de sua história e considerando que as alterações legislativas empreendidas em Brasília, no campo prisional, produzem seus efeitos sobre os Estados da Federação, responsáveis pela gestão das polícias e dos presídios, é fundamental que se consolide no Parlamento o conceito de responsabilidade político-criminal, que inclusive conta com uma proposta legislativa que busca regulamentar o tema.”

Ordem e corporativismo

O levantamento afirma também que parte das propostas apresentadas no Congresso Nacional dizem respeito a condições específicas de categorias ligadas à segurança pública. “Outra tendência identificada ao longo da 55ª Legislatura foi a dimensão corporativa dos projetos de lei que tratam das polícias. Os projetos que tratam do tema correspondem a 8,2% de todos os PLs apresentados na Câmara durante a última legislatura, mas em sua grande maioria (69%) tratam de temas corporativos ou benefícios aos integrantes de determinada força policial, em detrimento de projetos que busquem reformar nosso modelo de policiamento, aprimorar o processo de investigação e perícia criminal e fomentar a integração e cooperação entre as diversas forças policiais”, diz o estudo.

A elevada prioridade do debate acerca da violência pela lógica punitivista e o clima das eleições de 2018 também levaram a outro fenômeno: o elevado crescimento do número de representantes parlamentares ligados às forças de segurança.

“Identificamos, na eleição de 2014, um aumento significativo de parlamentares eleitos para a Câmara dos Deputados com origem profissional nas forças de ordem. Se na 54ª Legislatura eram quatro deputados federais ligados às polícias, na última foram 19 eleitos. E esta tendência foi ainda mais ampliada nas eleições de 2018: foram eleitos 73 policiais e militares das FFAA (Forças Armadas Brasileiras) para a Câmara dos Deputados”, ressalta o documento. “Se é natural e desejável que, numa democracia, o Parlamento conte com representantes de todos os segmentos sociais e profissionais, não é positivo que o debate seja restrito a uma única categoria profissional. A segurança pública é um problema para todos (as) os (as) brasileiros (as) e é muito importante que diversos olhares, percursos e experiências se somem na busca por soluções.”